Por Josias de Souza
Dilma Rousseff chamou a
Brasília nesta quarta-feira, 6, governadores e prefeitos de cidades com mais de 250
mil habitantes. Anunciou, repare no vídeo, a liberação de R$ 33 bilhões para
projetos de saneamento, mobilidade urbana e pavimentação. Em meio à pompa,
tropeçou nas circunstâncias.
A presidente aproveitou a solenidade oficial para rebater críticas do antagonista tucano Aécio
Neves. Ele a aconselhara a "descer do palanque" para governar. E ironizara o
que chamou de eliminação da pobreza extrema "por decreto". Assediada pelo
Tinhoso, Dilma fez do púlpito do Planalto um caixote.
"Todo mundo acha que o Bolsa
Família a gente faz na canetada. O Bolsa Família precisou de arte e de engenho,
precisou de vontade política. Isso não é milagre, não é malabarismo", afirmou.
Na plateia, três governadores tucanos: o paulista Geraldo Alckmin, o goiano
Marconi Perillo e, suprema ironia, o mineiro Antonio Anastasia.
Dilma disse que seu governo tirou, sim, 22 milhões de pessoas da
condição de pobreza extrema. Algo que só foi possível, segundo ela, porque Lula iniciou o trabalho. De novo, a
insinuação de que o petismo não recebeu nada de herança, começou tudo do zero. Asmodeu
parecia ditar as palavras da presidente.
"O presidente Lula deu a grande
contribuição de mostrar que o Brasil podia distribuir renda e reduzir a
desigualdade. Essa é uma prova histórica. Só porque ele fez isso, nós pudemos
acabar com a pobreza extrema do cadastro do Bolsa Família. Só uma experiência
de dez anos permitiu que nós olhássemos e víssemos que dava para tirar."
O contrário do antitucanismo
primário é um pró-petismo inocente, que aceita todas as presunções do PT a seu
próprio respeito. Em matéria de política social, isso inclui concordar com a
tese segunda a qual as presidências de Lula e Dilma têm uma missão no mundo, de
inspiração divina e, portanto, indiscutível.
O problema é que o mito da excepcionalidade moral não resiste a
um rápido passeio pela história recente. O Bolsa Família foi instituído pela
lei 10.836, sancionada por Lula em janeiro de 2004. A peça pode ser lida aqui. Traz no 'parágrafo único' do artigo 1o
as digitais de FHC. O programa "tem por finalidade a unificação dos
procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do governo federal", anota a lei.
Em seguida, o texto passa a empilhar as ações
que seriam unificadas: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás… Coisas
criadas sob FHC. A clientela desses programas seria reunida no 'Cadastramento
Único do Governo Federal', instituído por decreto no ano de 2011, também sob
FHC.
Ou seja, falta à indústria da informação e do
diversionismo do governo e do PT uma pitada de humildade. Coisa de criança,
diria FHC. Antes de Lula, as bolsas sociais eram enfeites de bolo. Depois do
fiasco do Fome Zero, o czar do petismo levou-as a sério, convertendo-as no
próprio bolo. Quer dizer: sem negar o passado, o petismo tem o que mostrar.
Não são o oportunismo eleitoreiro e o seu
sucesso entre os pró-petistas ingênuos que assutam. O oportunismo há tempos
incorporou-se à cena como parte do jogo. A própria Dilma reensinou há dois
dias: "Podemos fazer o diabo na hora da eleição." O que assusta mesmo é a
impressão de que Lula, Dilma e seus defensores não estão sendo apenas cínicos.
O que assusta é a percepção de que eles
acreditam mesmo que têm uma missão especial na Terra. Uma missão que lhes dá o
direito de invocar o monopólio do combate à pobreza. No afã de servir à
oposição o pão que o Pai da Mentira amassou, Dilma não se dá conta do ridículo.
Isso numa época em que a Internet, mais do que encurtar, amputa as pernas da
falsidade.
Está disponível na web um vídeo com cenas da
cerimônia de lançamento do Bolsa Família. Quem assiste verifica: ali mesmo, no
salão que Dilma agora utiliza para fazer diabruras, Lula atribuíra a Perillo, o
governador tucano de Goiás, a ideia de unificar num único programa as bolsas
herdadas de FHC.
Há duas semanas, Dilma dissera na festa de
aniversário do PT que "nós não herdamos nada". Transposta da seara social para
a quadra da economia, essa isenção tácita dada ao petismo para exercer seu
ineditismo no mundo, para ser um Pedro Álvares Cabral de si mesmo, apaga das
biografias de Itamar Franco e de FHC o Plano Real. E elimina do verbete da
enciclopédia o combate de Lula e do PT ao plano que estabilizou a economia.
No limite, esgotada a lógica do cinismo, fica
a licença que Lula, Dilma e o PT se autoconcedem para ser o que imaginam e
cumprir o seu destino de glória. E quem erguer a voz para lembrar que sem o
controle da inflação não haveria socorro aos miseráveis é tratado como herege. A
presidente da República tem razão: Deus está em toda parte. Mas de maneira
geral é o diabo controla as temporadas eleitorais.
Fonte: "Blog do Josias"
Nenhum comentário:
Postar um comentário