Por Hugo Navarro
Tempos
houve, e não muito distantes, em que armamento fazia parte de facções
políticas. Era armamento pesado, oriundo de furtos de arsenais e depósitos das
forças públicas dos estados e do comércio ilegal de armas e munições. No nordeste
a posse de fuzis tornou-se coisa corriqueira. A luta contra Lampião e outros
cangaceiros e contra a Coluna Prestes facilitou a difusão de armamento nos
sertões, onde cresceu o fenômeno do coronelismo caracterizado por chefes
políticos que mantinham e faziam crescer força e prestígio baseados em
verdadeiros exércitos "armados até os dentes". Alguns dos chefes
se tornaram famosos e passaram a fazer parte da história pela respeitabilidade,
firmeza de atitudes e honradez e pelo poder quase despótico, que exerciam nos
seus "domínios", onde só vingavam juiz de direito, delegado de polícia e
qualquer outra autoridade de governo se cumprissem suas ordens e fossem de seu
agrado.
Lira
Neto e outros historiadores contam, em livros, a saga do Pe. Cícero Romão, no
Ceará, que escreveu carta a Luiz Carlos Prestes pedindo a rendição do líder da
Coluna, deu título de capitão a Lampião, provocou pronunciamentos indignados de
Ruy Barbosa, chamou Getúlio Vargas de "mensageiro de satanás", derrotou tropas
do governo e sitiou a cidade de Fortaleza com forças comandas por Floro
Bartolomeu e outros, provocando a decretação de estado de sítio, no Ceará, pelo
presidente Hermes da Fonseca. Leonardo Mota, pesquisador do folclore
nordestino, que mereceu crônica elogiosa de Raquel de Queiroz, fez conhecida,
no país, frase de jagunço do Pe. Cícero: "Eu, por meu Padim, vou inté o
inferno, quanto mais pro sumitério, que é coisa sagrada".
A
Bahia teve seus chefes sertanejos, despóticos e valentes, cuja história deveria
ser contada. O fenômeno, próprio da política de época conturbada, gerou fatos
gravíssimos como os da expulsão de juízes, promotores, delegados e agentes da
receita pública sob foguetório, impropérios e tiroteio, alguns montados de
costas em burros brabos.
A
jagunçada, usada como força política, nunca contaminou Feira de Santana,
provavelmente por sua proximidade com a capital do Estado (território dividido
entre o recôncavo e o sertão) o que não impediu que suas facções mantivessem as
necessárias provisões de armas e balas.
O
episódio do "quebra-pote", envolvendo o Cel. João Mendes da Costa, que aqui foi
intendente e conselheiro municipal, ilustra o fato. Ameaçado por mata-mosquitos
e forças estaduais da quebra de pote de sua casa, no tempo da luta contra a
febre amarela, que era desgraça nacional, o Cel. João Mendes desafiou os
governos do Estado e da União reagindo armado. Reuniu gente, devidamente
municiada, que ocupou a Praça Fróis da Mota em tal quantidade que a força
pública teve que desistir da luta temendo morticínio.
Zeca
Martins (Zeca-Bucetinha), certa ocasião foi preso. Tratava-se de clara
perseguição política. A notícia nem havia terminado de circular quando grupo
partidário, reunido às pressas, atacou a cadeia a tiros de fuzil e rifles-44. A
cadeia funcionava, com a delegacia de polícia e quartel da força pública, em
imóvel onde hoje está o prédio do INSS, na Rua Sales Barbosa. Tamanho foi o
tiroteio que pôs em fuga soldados e carcereiro. Zeca, libertado à força de
bala, foi carregado, em ruidosa passeata, pelas ruas da cidade.
Surge,
agora, a notícia da enorme quantidade de armas e munições desviadas, entre
2.000 e 2.010, no Rio de Janeiro, de organizações policiais e das próprias
Forças Armadas, demonstrando a inutilidade quase ridícula da campanha de
desarmamento, que anda por aí, cujo marketing é maior do que a eficiência.
Fonte: "Folha do Norte"
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