Por Ruth de Aquino
O
que se faz por 90 segundos na televisão? Chamam de propaganda gratuita, mas já
saiu caro o minuto e meio que Lula ganhou na telinha, em sua luta pragmática
pelo poder em São Paulo. O preço alto nada tem a ver com a aliança explícita
entre o PT e o PP, mas com a figura do aliado. Haddad o Novo apareceu com sua
carinha de lebre entre duas raposas, Lula e Maluf. Saiu amassado da história.
Conta
assim Esopo: uma lebre encontrou com a raposa da qual só conhecia a fama.
Perguntou: "Na verdade ganhas mesmo muitas coisas ou tu as tens porque teu nome
é raposa?". Responde esta: "Para tirar as dúvidas vem à minha casa onde vou
servir um almoço". Quando entrou na toca da raposa, verificou tarde demais que
ela, lebre, era o almoço! A própria lebre conclui: "Na minha desgraça,
finalmente descobri que a fama da raposa não vem do mérito, mas da astúcia".
Como
na fábula, assim se deu o encontro, cuja foto não aparece no site do Instituto
Lula, mas será explorada por adversários na campanha pela prefeitura em São
Paulo. Maluf, "símbolo da pouca-vergonha nacional" segundo o Lula barbudo de
1984, condicionou a aliança a uma feijoada com refrigerantes e pudim em sua
casa, com direito a foto nos jardins.
Em
1993, Maluf comparou Lula a uma "ave de rapina que não trabalha há 15 anos e
não explica como vive". Mas, "por amor a São Paulo", decidiu lular e passou a
mão na cabeça de Haddad o Novo para que todos os fotógrafos registrassem o
gesto do padrinho. Levantou o dedo polegar e sorriu seu sorriso de raposa
procurada pela Interpol.
Quem
comeu quem afinal? Quem vai rir por último? A indigestão tirou de cena a vice
socialista Erundina, que achou "abominável" o encontro com o inimigo. Maluf
destruiu o slogan criado por João Santana para Haddad: "Um homem novo para um
tempo novo". Lembrei-me de "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski. Não
parece?
A
operação abafa foi intensa. O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral
da Presidência, afirmou que houve apenas "uma troca de cargos" no acordo com o
PP de Maluf. "Não houve dinheiro", disse Carvalho. Ah, bom. O esclarecimento se
faz necessário diante do personagem.
O
verbo malufar, associado a roubar, ultrapassou fronteiras e ganhou o mundo. "De
tanto malufar, os Maluf foram presos", escreveu o jornal "Le Monde" em
2005, quando o ex-prefeito e seu filho foram detidos pela Polícia Federal.
Segundo a PF, coagiram uma testemunha que os acusou de chefiar empresas
offshores e contas bancárias em seis países.
O
apoio de Maluf era disputado tanto pelo PSDB de Serra quanto pelo PT de Haddad
até uma semana atrás. Ambos os candidatos queriam mais "inserções" na TV. Que
se lixassem os princípios, as siglas, as histórias dos partidos, os programas
de governo. Serra já tinha como aliado o PR, maior parceiro do governo Lula no
escândalo do mensalão. Uma promiscuidade de fazer inveja ao Bataclan da Ilhéus
de Nacib e Gabriela.
Lula
prometeu a Maluf mais do que Serra. Prometeu um cargo no Ministério das
Cidades. Lula malufou porque, nas palavras serenas do sociólogo petista Emir
Sader, citado no jornal "Folha de S.Paulo", "o fundamental é derrotar a
tucanalha". É vergonhoso que, mesmo fora da Presidência e convalescendo de um
câncer agressivo, Lula continue a rasgar todas as bandeiras éticas de um
partido que chegou a ser visto como a esperança para renovar a política no
Brasil.
Os
mais calejados perguntam. Por que a surpresa? Ao lado de Sarney, Collor, Jader
e Renan, ou abraçado ao iraniano Mahmoud Ahmadinejad, Lula reescreveu sua
história em oito anos de governo. Confessou-se metamorfose ambulante. É viciado
na falta de regras do jogo político brasileiro.
Seria
interessante saber como Dilma engole os afagos entre Lula e Maluf - o homem
que, quando governava São Paulo em 1979, a poucos dias da Lei da Anistia,
formalizou a instalação do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações)
num terreno do governo de São Paulo. "As marcas da tortura sou eu", disse
Dilma. "Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu." O novo amigo de
Lula é um soco no estômago de petistas históricos. Mais um.
Maluf
diz que Lula não impôs restrição a que ele apareça na propaganda de TV: "O
tempo é meu e sou proibido de aparecer?". Faz sentido. Haddad já chama malufistas
de "companheiros". E assim o PT faz mesuras e ouve calado as lições de Maluf:
"Não tem mais no mundo esquerda e direita. O que tem hoje é 'efficacité' (eficácia
em francês)". Argh.
Se
a Rio+20 pecou por falta de ambição, o Lula+90 peca por excesso. A foto já
histórica dessa aliança simboliza a política do ferro-velho. Ela polui e
contamina mais o ambiente no Brasil do que muitos esgotos a céu aberto.
Saneamento já.
Fonte: Revista “Época”
Um comentário:
E "derrotar a tucanalha", porque? Se o povo de São Paulo quisesse ficar sem os grandes gestores tucanos, em outras eleições sempre teve a oportunidade prá mandá-los pro espaço e não o fez, por alguma boa razão. Talvez até prá não ter nenhum petralha lhes roubando o cofre. Nem que seja Lula + 180
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