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Por Olavo de Carvalho
Quatro ou cinco décadas atrás, você abria os jornais e encontrava análises
políticas substantivas. Fossem "de esquerda" ou "de
direita", os articulistas ainda acreditavam numa coisa chamada
"verdade" e faziam algum esforço para encontrá-la. Eram também homens
de boa cultura literária, conheciam e respeitavam o idioma.
Tenho saudades dos longos artigos de Júlio de
Mesquita Filho, Paulo Francis, Antônio Olinto, Paulo de Castro, José Lino
Grünewald, Nicolas Boer, Gustavo Corção; do próprio Oliveiros da Silva Ferreira - que está vivo, mas longe da mídia diária. E de tantos e tantos outros.
Hoje em dia temos
puros polemistas, que não investigam nada, não explicam nada, não fazem nenhum
esforço intelectual, não tentam entender coisa nenhuma, só tomam posição,
lavram sentenças como juízes e ditam regras.
Também os havia então,
mas como escreviam bem! Carlos Lacerda, Nelson Rodrigues e Raquel de Queiroz
eram provavelmente os melhores. O próprio Otto Maria Carpeaux era do time.
Contrastando com a destreza dialética alucinante da sua crítica literária, os
artigos de política que ele publicava no Correio da Manhã, produzidos em série
e, como que por automatismo, eram traslados servis das palavras-de-ordem do
Partidão, do qual em pleno declínio de suas faculdades intelectuais ele se
fizera "companheiro de viagem", por puro medo da ditadura, talvez do
desemprego. Estão repletos de erros pueris, desinformação comunista grossa, mas
neles ainda se pode reconhecer o pulso firme do escritor.
Do outro lado, havia,
por exemplo, David Nasser. Sempre se sabia de antemão o que ele ia defender ou
atacar. Mas com que graça se repetia, variando as formas ao ponto de fazer as
opiniões mais estereotipadas soarem como novidades!
Tudo isso está morto e
enterrado. Em toda a grande mídia, só raros colunistas ainda honram o idioma e
o melhor deles não é brasileiro, é português: João Pereira Coutinho. Leio com
satisfação Reinaldo Azevedo (o mais informado) e Neil Ferreira (o mais
engraçado). Os outros que dão gosto estão só na Internet.
Em todos os grandes
jornais ninguém escreve com a seriedade de Heitor de Paola, a elegância de
Percival Puggina, a inventividade de Yuri Vieira, a precisão vernácula de José
Carlos Zamboni, a erudição bem-humorada de J. O. de Meira Penna. Os outros que
me perdoem: a lista dos melhores excluídos não tem fim.
Nas faculdades
estuda-se, por incrível que pareça, a decadência do jornalismo brasileiro. Mas
lança-se a culpa em tudo, menos nos jornalistas. Como se a má pintura não fosse
nunca obra de maus pintores ou a comida fosse sempre ruim a despeito dos
excelentes cozinheiros.
A classe tem um tremendo "esprit de corps" quando lhe interessa, mas nunca faz um julgamento sério de seus próprios atos,
uma avaliação realista do seu impacto na sociedade. Narra sua história como se
fosse autora de tudo o que é bom, vítima inerme de tudo o que é mau. Nada,
absolutamente nada, lhe dói na consciência.
Não lhe ocorre nem
mesmo a conveniência de um vago mea culpa por ter ocultado o Foro de São Paulo
ao longo de dezesseis anos, praticando a censura com mais eficácia, amplitude e
tenacidade do que a Polícia Federal do tempo dos militares. Sua falsa
auto-imagem raia a sociopatia pura e simples.
Nos anos da ditadura,
como a liberdade de imprensa e a liberdade de ação da esquerda sofressem juntas
as mesmas restrições oficiais (amplamente inoperantes na prática), jornalismo e
esquerdismo se deram as mãos na luta contra o inimigo comum. Foi justo e
oportuno. Mas, decorridas três décadas do fim do regime, a aliança de ocasião
não quer admitir que seu tempo passou, que não há mais inimigos armados contra
os quais o fingimento é a única defesa da parte mais débil.
Na época, a esquerda
já dominava a mídia, mas fazia-se de coitadinha, de nanica, de excluída. Oprimida nas ruas e nas praças, discriminava os direitistas nas redações (como
a intelectualidade acadêmica fazia nas universidades), reproduzindo às avessas,
no microcosmo da profissão, o controle repressivo que o governo exercia na
escala maior em torno.
Hoje, ela domina o
país inteiro, e o que era precaução tática compreensível se tornou instrumento
de perpetuação de poderes e prestígios imerecidos. A arma dos fracos tornou-se
uma gazua nas mãos dos fortes.
Nunca, ao longo de
todo o período militar, a esquerda esteve tão amordaçada quanto a direita
conservadora, especialmente religiosa, está hoje na grande mídia.
Para camuflar esse
estado de coisas, é preciso eternizar o luto, alimentar e realimentar, com um
jorro constante de lágrimas forçadas e caretas de pavor fingidas, padecimentos
e temores velhos de mais de um quarto de século. Essa é a mentira estrutural
que está na raiz de todas as degradações do jornalismo brasileiro. É a
proibição total da sinceridade. A destruição da linguagem vem daí. Ninguém pode
escrever direito quando vive de se esconder de si mesmo.
Fonte: "Mídia Sem Máscara"
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