Por Merval Pereira
Estamos
começando a viver um clima de faz de conta mesmo antes de a CPI do Cachoeira
começar seus trabalhos de fato. O PT formalmente declara-se disposto a limitar
as investigações sobre
a empreiteira Delta ao que acontecia na sua direção do Centro-Oeste, cujo
diretor já está preso. Como se os métodos adotados naquela região pela empresa
nada tivessem a ver com a sua cultura no resto do país.
Ora,
a empreiteira tem (ou tinha) obras em praticamente todas as unidades da
Federação, sobretudo devido ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e
nada indica que seus métodos de ganhar licitações fossem diferentes em Goiás e
no Rio de Janeiro, por exemplo.
A
relação próxima, quase promíscua, do empresário Fernando Cavendish com o
governador Sérgio Cabral e seus secretários, se não estivesse já demonstrada no
episódio do trágico acidente de helicóptero ocorrido em Porto Seguro, fica
explicitada pelas fotos que o deputado e ex-governador Garotinho postou em seu
blog ontem.
A
comemoração do governador e vários de seus secretários em Paris com o
empreiteiro revela um tipo de comportamento incompatível com o decoro de
servidores públicos, além de intimidade suspeita com o empreiteiro responsável
por grandes obras no estado.
Nenhum
daqueles funcionários públicos provavelmente terá condições de provar que pagou
a farra com dinheiro próprio, mesmo que alguns deles, como o secretário de
Transportes, Julio Lopes, pudessem ter condições de fazê-lo.
E o
secretário de governo, Régis Fichtner, que é o encarregado de auditoria dos
contratos da Delta com o estado, nesfa fase em que se pretende fazer
desaparecer os traços de ligação entre a empreiteira e o governo do Rio,
aparece abraçado a Cavendish em uma das fotos, o que o descredencia para a
tarefa.
Não
é possível fazer de conta que a relação profissional da Delta com políticos de
vários partidos e em vários estados não mereça ser investigada quando há claros
indícios de que os métodos utilizados no Centro-Oeste não eram específicos
apenas daquela região do país onde atuava originariamente o bicheiro Cachoeira.
Também
o senador petista Humberto Costa quer fazer de conta que não há as gravações
que implicam o senador Demóstenes Torres em diversos crimes e desvios de
conduta. Como relator da Comissão de Ética do Senado, que vai julgar o senador
amigo do bicheiro, ele diz que não vai usar as gravações por temer que elas
sejam desqualificadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que anularia uma
eventual decisão da Comissão baseada nelas.
Ora,
se não vai se basear nas gravações, presume-se que Humberto Costa vai inocentar
Demóstenes Torres, ou então vai condená-lo por ter recebido do bicheiro fogão e
geladeira importados como presente de casamento, o que ele já admitiu da
tribuna do Senado.
Enquanto
seus desvios éticos se resumiam a isso, o senador de Goiás se sentiu em
condições de subir à tribuna para se defender, e recebeu apoio de nada menos
que 44 senadores de todos os partidos, dispostos a lhe perdoar esse pequeno
desvio de conduta.
A
situação de conluio com o bicheiro só ficou clara depois que as gravações da
Polícia Federal vazadas para a imprensa mostraram o grau de intimidade entre os
dois e a atuação do senador em órgãos do governo e no próprio Senado a favor
dos interesses de Carlinhos Cachoeira.
A
atuação de sua defesa, na tentativa de impugnar as provas obtidas através das
gravações, é perfeitamente compreensível, mas não se compreende que seus pares
se antecipem a uma decisão da Justiça que está longe de ser consensual e
retirem dos autos da Comissão de Ética as provas contra Demóstenes.
Aliás,
foi mais uma vez devido ao vazamento de gravações e de dados do processo que a
opinião pública ficou sabendo da verdadeira dimensão de mais esse escândalo.
Parece,
portanto, mais um faz de conta o empenho do ministro do STF Ricardo Lewandowski
para que o processo que ontem pôs à disposição de várias comissões do Congresso
não vaze.
O
ministro chegou a citar os artigos que punem com a prisão a quebra do sigilo de
justiça. Embora seja esse o papel que lhe cabe, não é possível esquecer que o relatório
está com ele há meses e há meses vem sendo vazado diariamente de diversas
maneiras, sem que se possa saber as origens dessas informações.
As
penas a que se refere Lewandowski em seu ofício ao Congresso se referem àqueles
que quebram o sigilo, e já há jurisprudência no sentido de que os meios de
comunicação que reproduzem essas informações não são alcançáveis pelas
punições, e sim os servidores públicos responsáveis pela preservação do sigilo
do processo.
Neste
caso como em vários outros que provocaram a demissão de diversos ministros do
governo Dilma, foram as revelações da imprensa que escancararam os desvios que
estavam acontecendo em diversos ministérios, e sem essas revelações não teria
sido possível apanhar os servidores públicos que se desviaram de suas funções.
Mesmo
que nenhum deles tenha sido preso ou que os processos sobre seus “malfeitos”
acabem dando em nada, pelo menos a opinião pública ficou sabendo o que se
passava nas entranhas do governo.
Agora
mesmo temos o exemplo do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que
ficou com a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público em sua
gaveta inexplicavelmente sem denunciar o senador Demóstenes Torres ao Supremo,
o que só viria a acontecer quando o escândalo estourou e as gravações foram
vazadas pela imprensa.
A
intenção de quem vaza essas informações e os seus efeitos colaterais que podem
favorecer o interesse de partes em conflito no submundo não têm importância
diante dos benefícios à sociedade que as revelações trazem.
Assim
como o ex-governador Garotinho tem interesse político em denunciar seu hoje
inimigo Sérgio Cabral, também o bicheiro Cachoeira tinha muitos interesses em
jogo quando fazia suas gravações clandestinas.
Fonte: "O Globo"
Um comentário:
Mas o povo é quem menos importa prá essa canalha governista!
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