Por João Augusto de Lima Rocha
A discussão sobre a participação do povo nos governos é antiga. Na Grécia inicia-se o modelo da democracia direta, se bem que limitada a uma parte da população, constituída dos ditos cidadãos livres que se reuniam, periodicamente, para decidir sobre questões que lhes diziam respeito, no governo das cidades.
Devido á dificuldade em garantir eficiência, mesmo nesse sistema limitado, em que todas as opiniões colocadas, independentemente da especialidade do participante, teriam de ser submetidas a voto, deu-se o surgimento, bem mais tarde, da democracia representativa. Nesse sistema, três poderes compõem o governo: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, sendo a democracia definida como o regime do povo, pelo povo e para o povo.
O voto popular é instituído para a escolha de titulares de cargos de governo, em cada lugar onde o sistema democrático representativo é implantado. Mais tarde, lutas se travam para garantir a universalidade do voto, isto é, o direito de que homens, mulheres, analfabetos ou não, isto é, cidadãos a partir de determinada idade, possam ter direito ao voto.
Avanços e retrocessos vão se alternando, em cada tempo e lugar, dentro da dinâmica social, no sentido da correção de rumos dos processos políticos, mormente em consequência de que a formação de classes sociais, no correr da História, vai encetando uma incessante luta, na disputa pelo poder político.
Segundo Anísio Teixeira: "Quando, na Convenção Francesa, se formulou o ideal de uma educação escolar para todos os cidadãos, não se pensava em universalizar a escola existente, mas sim uma nova concepção de sociedade em que privilégios de classe, de dinheiro e de herança não existissem, e o indivíduo pudesse buscar pela escola, a sua posição social. Desde o começo, pois, a escola universal era algo novo e, na realidade, uma instituição que, a despeito da família, da classe e da religião, viria a dar a cada indivíduo a oportunidade de ser na sociedade aquilo que seus dotes inatos, devidamente desenvolvidos, determinassem."
A importante contribuição de Anísio para a educação está na interpretação, e na conseqüente ação política segundo essa interpretação, de que não é possível a existência de democracia, qualquer que seja o adjetivo que se siga, sem que haja uma educação pública de qualidade acessível a todos. Educação pública universal, em síntese, é condição para a democracia.
Outra importante contribuição de Anísio está em caracterizar essa educação para a democracia, não mais como privilégio, mas como a base para a formação comum de todos os cidadãos. Por exemplo, quando hoje se pretende mandar estudantes em massa para fazer cursos de graduação no exterior, o sentido de privilégio está presente. É um retrocesso, pois isto contribui para inverter o sentido de educação pública como formação comum de todos. Naturalmente existem os melhores estudantes, mas a possibilidade de ir ao exterior deve ser uma excepcionalidade, sendo desejável que isto se dê na pós-graduação, caso o país não tenha, nos seus centros mais avançados, condições de suprir a formação exigida pelos interesses ocasionais da Nação.
Sobre o tema, completa Anísio: "Há, antes de tudo, uma transformação de conceito, com a criação da nova escola comum para todos, em que a criança de todas as posições sociais iria formar a sua inteligência, vontade e caráter, hábitos de pensar, de agir e de conviver socialmente." E completa: "Mesmo no ensino primário vamos encontrar a nossa tendência visceral para considerar a educação um processo de preparo de alguns indivíduos para uma vida mais fácil e, em rigor, privilegiada."
Essas reflexões do notável educador encontram-se no seu livro Educação não é privilégio, em boa hora reeditado pela Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, num momento em que aumenta, visivelmente, o interesse pela obra anisiana. A propósito, tenho a boa notícia de que o cineasta Tuna Espinheira está em busca de financiamento para o projeto de um longa metragem sobre o tema da democracia na obra de Anísio Teixeira. Oxalá tenha sucesso.
* João Augusto de Lima Rocha, professor da Ufba e membro do Conselho Curador da Fundação Anísio Teixeira
A discussão sobre a participação do povo nos governos é antiga. Na Grécia inicia-se o modelo da democracia direta, se bem que limitada a uma parte da população, constituída dos ditos cidadãos livres que se reuniam, periodicamente, para decidir sobre questões que lhes diziam respeito, no governo das cidades.
Devido á dificuldade em garantir eficiência, mesmo nesse sistema limitado, em que todas as opiniões colocadas, independentemente da especialidade do participante, teriam de ser submetidas a voto, deu-se o surgimento, bem mais tarde, da democracia representativa. Nesse sistema, três poderes compõem o governo: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, sendo a democracia definida como o regime do povo, pelo povo e para o povo.
O voto popular é instituído para a escolha de titulares de cargos de governo, em cada lugar onde o sistema democrático representativo é implantado. Mais tarde, lutas se travam para garantir a universalidade do voto, isto é, o direito de que homens, mulheres, analfabetos ou não, isto é, cidadãos a partir de determinada idade, possam ter direito ao voto.
Avanços e retrocessos vão se alternando, em cada tempo e lugar, dentro da dinâmica social, no sentido da correção de rumos dos processos políticos, mormente em consequência de que a formação de classes sociais, no correr da História, vai encetando uma incessante luta, na disputa pelo poder político.
Segundo Anísio Teixeira: "Quando, na Convenção Francesa, se formulou o ideal de uma educação escolar para todos os cidadãos, não se pensava em universalizar a escola existente, mas sim uma nova concepção de sociedade em que privilégios de classe, de dinheiro e de herança não existissem, e o indivíduo pudesse buscar pela escola, a sua posição social. Desde o começo, pois, a escola universal era algo novo e, na realidade, uma instituição que, a despeito da família, da classe e da religião, viria a dar a cada indivíduo a oportunidade de ser na sociedade aquilo que seus dotes inatos, devidamente desenvolvidos, determinassem."
A importante contribuição de Anísio para a educação está na interpretação, e na conseqüente ação política segundo essa interpretação, de que não é possível a existência de democracia, qualquer que seja o adjetivo que se siga, sem que haja uma educação pública de qualidade acessível a todos. Educação pública universal, em síntese, é condição para a democracia.
Outra importante contribuição de Anísio está em caracterizar essa educação para a democracia, não mais como privilégio, mas como a base para a formação comum de todos os cidadãos. Por exemplo, quando hoje se pretende mandar estudantes em massa para fazer cursos de graduação no exterior, o sentido de privilégio está presente. É um retrocesso, pois isto contribui para inverter o sentido de educação pública como formação comum de todos. Naturalmente existem os melhores estudantes, mas a possibilidade de ir ao exterior deve ser uma excepcionalidade, sendo desejável que isto se dê na pós-graduação, caso o país não tenha, nos seus centros mais avançados, condições de suprir a formação exigida pelos interesses ocasionais da Nação.
Sobre o tema, completa Anísio: "Há, antes de tudo, uma transformação de conceito, com a criação da nova escola comum para todos, em que a criança de todas as posições sociais iria formar a sua inteligência, vontade e caráter, hábitos de pensar, de agir e de conviver socialmente." E completa: "Mesmo no ensino primário vamos encontrar a nossa tendência visceral para considerar a educação um processo de preparo de alguns indivíduos para uma vida mais fácil e, em rigor, privilegiada."
Essas reflexões do notável educador encontram-se no seu livro Educação não é privilégio, em boa hora reeditado pela Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, num momento em que aumenta, visivelmente, o interesse pela obra anisiana. A propósito, tenho a boa notícia de que o cineasta Tuna Espinheira está em busca de financiamento para o projeto de um longa metragem sobre o tema da democracia na obra de Anísio Teixeira. Oxalá tenha sucesso.
* João Augusto de Lima Rocha, professor da Ufba e membro do Conselho Curador da Fundação Anísio Teixeira
Fonte: Jornal "A Tarde", edição deste domingo, 2
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