Deu no "Blog Reinaldo Azevedo":
Depois daquele discurso de despedida em que se referiu a Lula 67 vezes, 28 delas chamando-o de “senhor”, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, concedeu uma entrevista e fez uma declaração a que poucos prestaram atenção - e confesso que ela havia me escapado. Merece ser analisada. Referindo-se às dificuldades de uma campanha eleitoral, afirmou a petista:
“Fui preparada na vida para coisas muito mais duras do que disputar uma eleição. A minha vida não foi uma coisa muito fácil. Acho que a eleição até é um momento muito bom, porque é o momento de exercício da democracia. Difícil mesmo era agüentar a ditadura”.
Xiii… Qualquer pessoa com alguma intimidade com a interpretação de texto nota que há no adjetivo “duras” uma espécie de valoração que é, em primeiro lugar, de natureza moral, mas que tem um alcance também histórico - que remete à história do Brasil mais amplamente e à sua biografia mais especificamente.
A expressão “coisas mais duras” não se refere à ditadura, que ela mesma cita, mas à sua disposição de enfrentá-la - ao menos na mitologia que criou para si mesma. E, para tanto, como fica claro, ela foi “preparada”. Dilma poderia ter dito a mesma coisa de outro modo: “Quem fez o mais faz o menos” - vale dizer: quem “lutou contra a ditadura” (a coisa mais dura) disputa eleições (a coisa mais mole).
Serei bastante sintético no óbvio, já tantas vezes escrito aqui. Dilma “lutou” contra a ditadura em nome de outra ditadura. Se aquela que ela queria tivesse vencido, em vez dos alegados 427 “mortos da ditadura”, poderiam ter sido, quem sabe?, 427 mil - estou apenas pondo a coisa no padrão das ditaduras comunistas. A dupla Fidel-Raúl Castro respondem pela morte de 100 mil cubanos, entre as vítimas dos paredões e os que morreram afogados tentando fugir da ilha. No Brasil, numa regra de três, seriam uns 2 milhões de mortos. A luta de Dilma tinha atrás de si a mais formidável montanha de cadáveres que um regime político já conseguiu produzir. Mais: os grupos a que a ex-ministra pertenceu eram terroristas. Pronto. Isso tudo é fato, é incontroverso, e não mais me estenderei a respeito. Quero voltar agora à escala criada por ela.
Ainda que Dilma tivesse enfrentado o regime militar com um ideário democrático, o que é mentira, disputar eleições, numa democracia (e não no Irã…), não pode ser considerado nem mais nem menos “duro” do que enfrentar uma ditadura. Porque se trata rigorosamente de outra coisa. São elementos incomparáveis, e estabelecer uma hierarquia entre essas ações - em que a disputa democrática, visivelmente, ocupa um lugar inferior - corresponde a rebaixar as virtudes da democracia.
Sem querer, é claro, Dilma revela que sua conversão à democracia é uma atitude de sobrevivência, não uma convicção profunda. “Preparada” mesmo, ela foi para outra coisa, que nós sabemos bem qual é, e essa coisa nada tem a ver com disputas eleitorais. Elas supõem a existência de grupos com razões distintas, que concordam, no entanto, com a existência de regras por todos reconhecidas. Ora, um esquerdista tem a certeza de que “o partido” é o único ente capaz de conduzir os povos, os países e o mundo ao futuro NECESSÁRIO. Os que não pertencem a seus quadros estão atrasando a marcha da história.
Atenção agora
Isso não quer dizer que a petista vá, se vitoriosa, implementar o tal “socialismo” no Brasil. Ou que pretenda impor a ditadura do partido único. As coisas não são mais assim. Mas isso quer dizer, sim, quer a democracia brasileira corre o risco de se enrijecer um pouco mais, tornando-se, vejam só, “menos democrática” na prática. “As coisas mais duras” para as quais Dilma foi preparada permanecem, tudo indica, como nortes conceituais de sua atuação. E são inúmeros as fissuras existentes num regime democrático que permitem que praticas não-democráticas se insinuem e prosperem.
Temos assistido à desavergonhada tentativa dos petistas de criar conflitos de rua com a polícia em São Paulo parar criar um fato eleitoral. E não acusemos esses valentes de escamotear seus objetivos. Eles os confessam. Bebel dividiu um palanque com Dilma, foi chamada de “querida” e mobilizou a sua tropa no dia seguinte para um confronto de rua. Lula afronta a Lei Eleitoral, faz chacota do TSE e tenta se colocar pessoalmente numa disputa em que não é candidato.
E tudo isso por quê? Porque essa gente acha que foi “preparada para coisas mais duras” do que a disputa eleitoral. No fundo, acreditam que apenas mudaram de instrumentos, mas continuam na mesma batalha. A democracia, em suma, permanece como um valor meramente instrumental, não como uma valor em si, sobre o qual não cabe questionamento.
Não, dona Dilma! Fosse o caso de comparar, a democracia é uma batalha, no que concerne à história - e mitologias à parte -, muito mais “dura” do que o enfrentamento da ditadura. Porque se trata de uma construção permanente e porque são muitas as tentações de políticos e grupos organizados de encontrar atalhos que a desmoralizem. A sua fala é própria de quem ainda não entendeu a essência do regime. E, por isso mesmo, a senhora chama de “querida” quem está nas ruas achincalhando a democracia e evidencia uma escandalosa subserviência a quem a está desmoralizando sobre o palanque.
A democracia é uma construção difícil porque os contendores não estão na arena para se eliminar uns aos outros, mas para concordar em continuar lutando. Um esquerdista não vai entender isso nunca.
Depois daquele discurso de despedida em que se referiu a Lula 67 vezes, 28 delas chamando-o de “senhor”, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, concedeu uma entrevista e fez uma declaração a que poucos prestaram atenção - e confesso que ela havia me escapado. Merece ser analisada. Referindo-se às dificuldades de uma campanha eleitoral, afirmou a petista:
“Fui preparada na vida para coisas muito mais duras do que disputar uma eleição. A minha vida não foi uma coisa muito fácil. Acho que a eleição até é um momento muito bom, porque é o momento de exercício da democracia. Difícil mesmo era agüentar a ditadura”.
Xiii… Qualquer pessoa com alguma intimidade com a interpretação de texto nota que há no adjetivo “duras” uma espécie de valoração que é, em primeiro lugar, de natureza moral, mas que tem um alcance também histórico - que remete à história do Brasil mais amplamente e à sua biografia mais especificamente.
A expressão “coisas mais duras” não se refere à ditadura, que ela mesma cita, mas à sua disposição de enfrentá-la - ao menos na mitologia que criou para si mesma. E, para tanto, como fica claro, ela foi “preparada”. Dilma poderia ter dito a mesma coisa de outro modo: “Quem fez o mais faz o menos” - vale dizer: quem “lutou contra a ditadura” (a coisa mais dura) disputa eleições (a coisa mais mole).
Serei bastante sintético no óbvio, já tantas vezes escrito aqui. Dilma “lutou” contra a ditadura em nome de outra ditadura. Se aquela que ela queria tivesse vencido, em vez dos alegados 427 “mortos da ditadura”, poderiam ter sido, quem sabe?, 427 mil - estou apenas pondo a coisa no padrão das ditaduras comunistas. A dupla Fidel-Raúl Castro respondem pela morte de 100 mil cubanos, entre as vítimas dos paredões e os que morreram afogados tentando fugir da ilha. No Brasil, numa regra de três, seriam uns 2 milhões de mortos. A luta de Dilma tinha atrás de si a mais formidável montanha de cadáveres que um regime político já conseguiu produzir. Mais: os grupos a que a ex-ministra pertenceu eram terroristas. Pronto. Isso tudo é fato, é incontroverso, e não mais me estenderei a respeito. Quero voltar agora à escala criada por ela.
Ainda que Dilma tivesse enfrentado o regime militar com um ideário democrático, o que é mentira, disputar eleições, numa democracia (e não no Irã…), não pode ser considerado nem mais nem menos “duro” do que enfrentar uma ditadura. Porque se trata rigorosamente de outra coisa. São elementos incomparáveis, e estabelecer uma hierarquia entre essas ações - em que a disputa democrática, visivelmente, ocupa um lugar inferior - corresponde a rebaixar as virtudes da democracia.
Sem querer, é claro, Dilma revela que sua conversão à democracia é uma atitude de sobrevivência, não uma convicção profunda. “Preparada” mesmo, ela foi para outra coisa, que nós sabemos bem qual é, e essa coisa nada tem a ver com disputas eleitorais. Elas supõem a existência de grupos com razões distintas, que concordam, no entanto, com a existência de regras por todos reconhecidas. Ora, um esquerdista tem a certeza de que “o partido” é o único ente capaz de conduzir os povos, os países e o mundo ao futuro NECESSÁRIO. Os que não pertencem a seus quadros estão atrasando a marcha da história.
Atenção agora
Isso não quer dizer que a petista vá, se vitoriosa, implementar o tal “socialismo” no Brasil. Ou que pretenda impor a ditadura do partido único. As coisas não são mais assim. Mas isso quer dizer, sim, quer a democracia brasileira corre o risco de se enrijecer um pouco mais, tornando-se, vejam só, “menos democrática” na prática. “As coisas mais duras” para as quais Dilma foi preparada permanecem, tudo indica, como nortes conceituais de sua atuação. E são inúmeros as fissuras existentes num regime democrático que permitem que praticas não-democráticas se insinuem e prosperem.
Temos assistido à desavergonhada tentativa dos petistas de criar conflitos de rua com a polícia em São Paulo parar criar um fato eleitoral. E não acusemos esses valentes de escamotear seus objetivos. Eles os confessam. Bebel dividiu um palanque com Dilma, foi chamada de “querida” e mobilizou a sua tropa no dia seguinte para um confronto de rua. Lula afronta a Lei Eleitoral, faz chacota do TSE e tenta se colocar pessoalmente numa disputa em que não é candidato.
E tudo isso por quê? Porque essa gente acha que foi “preparada para coisas mais duras” do que a disputa eleitoral. No fundo, acreditam que apenas mudaram de instrumentos, mas continuam na mesma batalha. A democracia, em suma, permanece como um valor meramente instrumental, não como uma valor em si, sobre o qual não cabe questionamento.
Não, dona Dilma! Fosse o caso de comparar, a democracia é uma batalha, no que concerne à história - e mitologias à parte -, muito mais “dura” do que o enfrentamento da ditadura. Porque se trata de uma construção permanente e porque são muitas as tentações de políticos e grupos organizados de encontrar atalhos que a desmoralizem. A sua fala é própria de quem ainda não entendeu a essência do regime. E, por isso mesmo, a senhora chama de “querida” quem está nas ruas achincalhando a democracia e evidencia uma escandalosa subserviência a quem a está desmoralizando sobre o palanque.
A democracia é uma construção difícil porque os contendores não estão na arena para se eliminar uns aos outros, mas para concordar em continuar lutando. Um esquerdista não vai entender isso nunca.
2 comentários:
Que belo exercício de "se" você fez heim?
Muito boa a análise de Reinaldo e os petistas não fazem nenhuma força prá esconder suas reais intenções.
Sempre desconfiei dessa gente, desde que se mostram tão ligados a todos os tiranos ditadores da atualidade. Jamais veríamos um FHC, por exemplo, dando tapinhas nas costas de um Chaves, um Ahmadinejad ou estar sempre arrumando pretexto prá frequentá-los.
Lula, é mais esperto do que ela; consegue esconder melhor suas intenções por trás de uma máscara de gente do povo, que fala de futebol e de caipirinha. Tentou até se mostrar como o filho de Lindu, mas felizmente, ninguém quis saber. E não será agora que fará alguma força prá que o povo se instrua, que saiba discernir sôbre o que é bom ou não para o Brasil.
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