Leia o que disse Weber Figueiredo, paraninfo da turma de formandos em Engenharia, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na sua última aula para seus ex-alunos, diante de uma platéia de formandos, acompanhados de seus pais. Um discurso de um verdadeiro patriota:
Ilustríssimos colegas da Mesa, senhor presidente, meus queridos alunos, senhoras e senhores. Para mim é um privilégio ter sido escolhido paraninfo desta turma. Esta é como se fora a última aula do curso. O último encontro, que já deixa saudades. Um momento festivo, mas também de reflexão.
Se eu fosse escolhido paraninfo de uma turma de direito, talvez eu falasse a importância do advogado que defende a justiça e não apenas o réu. Se eu fosse escolhido paraninfo de uma turma de medicina, talvez eu falasse da importância do médico que coloca o amor ao próximo acima dos seus lucros profissionais. Mas, como sou paraninfo de uma turma de engenheiros, vou falar da importância do engenheiro para o desenvolvimento do Brasil.
Para começar, vamos falar de bananas e do doce de banana, que eu vou chamar de bananada especial, inventada (ou projetada) pela nossa vovozinha lá em casa, depois que várias receitas prontas não deram certo. É isso mesmo. Para entendermos a importância do engenheiro vamos falar de bananas, bananadas e vovó. A banana é um recurso natural, que não sofreu nenhuma transformação. A bananada é igual a banana mais outros ingredientes mais a energia térmica fornecida pelo fogão mais o trabalho da vovó e mais o conhecimento, ou tecnologia da vovó. A bananada é um produto pronto, que eu vou chamar de riqueza. E a vovó? Bem a vovó é a dona do conhecimento, uma espécie de engenheira da culinária.
Agora, vamos supor que a banana e a bananada sejam vendidas. Um quilo debanana custa um real. Já um quilo da bananada custa cinco reais. Por que essa diferença de preços? Porque quando nós colhemos um cacho de bananas na bananeira, criamos apenas um emprego: o de colhedor de bananas. Agora, quando a vovó, ou a indústria, faz a bananada, ela cria empregos na indústria do açúcar, da cana-de-açúcar, do gás cozinha, na indústria de fogões, de panelas, de colheres e até na de embalagens, porque tudo isto é necessário para se fabricar a bananada. Resumindo, um quilo de bananada é mais caro do que um quilo de banana porque a bananada é igual banana mais tecnologia agregada, e a sua fabricação criou mais empregos do que simplesmente colher o cacho de bananas da bananeira.
Agora vamos falar de outro exemplo que acontece no dia-a-dia no comércio mundial de mercadorias. Em média: um quilo de soja custa US$ 0,10 (dez centavos de dólar), um quilo de automóvel custa US$ 10, isto é, 100 vezes mais, um quilo de aparelho eletrônico custa US$ 100, um quilo de avião custa US$1.000 (10 mil quilos de soja) e um quilo de satélite custa US$ 50.000. Veja, quanto mais tecnologia agregada tem um produto, maior é o seu preço, mais empregos foram gerados na sua fabricação.
Os países ricos sabem disso muito bem. Eles investem na pesquisa científicae tecnológica. Por exemplo: eles nos vendem uma placa de computador que pesa 100 gramas por US$ 250. Para pagarmos esta plaquinha eletrônica, o Brasil precisa exportar 20 toneladas de minério de ferro. A fabricação de placas de computador criou milhares de bons empregos lá no estrangeiro, enquanto que a extração do minério de ferro, cria pouquíssimos e péssimos empregos aqui noBrasil.
O Japão é pobre em recursos naturais, mas é um país rico.O Brasil é rico em energia e recursos naturais, mas é um país pobre. Os países ricos, são ricos materialmente porque eles produzem riquezas. Riqueza vem de rico. Pobreza vem de pobre. País pobre é aquele que não consegue produzir riquezas para o seu povo. Se conseguisse, não seria pobre, seria país rico.
Gostaria de deixar bem claro três coisas: 1º) quando me refiro à palavra riqueza, não estou me referindo a jóias nem a supérfluos. Estou me referindo àqueles bens necessários para que o ser humano viva com um mínimo de dignidade e conforto; 2º) não estou defendendo o consumismo materialista como uma forma de vida, muito pelo contrário; 3º) e acho abominável aqueles que colocam os valores das riquezas materiais acima dos valores da riqueza interior do ser humano.
Existem nações que são ricas, mas que agem de forma extremamente pobre e desumana em relação a outros povos. Creio que agora posso falar do ponto principal. Para que o nosso Brasil torne-se um país rico, com o seu povo vivendo com dignidade, temos que produzir mais riquezas. Para tal, precisamos de conhecimento, ou tecnologia já que temos abundância de recursos naturais e energia. E quem desenvolve tecnologias são os cientistas e os engenheiros, como estes jovens que estão se formando hoje.
Infelizmente, o Brasil é muito dependente da tecnologia externa. Quando fabricamos bens com alta tecnologia, fazemos apenas a parte final da produção. Por exemplo: o Brasil produz cinco milhões de televisores por ano e nenhum brasileiro projeta televisor. O miolo da TV, do telefone celular e de todos os aparelhos eletrônicos, é todo importado. Somos meros montadores de kits eletrônicos. Casos semelhantes também acontecem na indústria mecânica, deremédios e, incrível, até na de alimentos. O Brasil entra com a mão-de-obrabarata e os recursos naturais. Os projetos, a tecnologia, o chamado pulo do gato, ficam no estrangeiro, com os verdadeiros donos do negócio. Resta ao Brasil lidar com as chamadas caixas pretas.
É importante compreendermos que os donos dos projetos tecnológicos são os donos das decisões econômicas, são os donos do dinheiro, são os donos das riquezas do mundo.Assim como as águas dos rios correm para o mar, as riquezas do mundo correm em direção aos países detentores das tecnologias avançadas. A dependência científica e tecnológica acarretou para nós brasileiros a dependência econômica, política e cultural. Não podemos admitir a continuação da situação esdrúxula, onde 70% do PIB brasileiro é controlado por não residentes.
Ninguém pode progredir entregando o seu talão de cheques e a chave de sua casa para o vizinho fazer o que bem entender. Eu tenho a convicção que desenvolvimento científico e tecnológico aqui no Brasil garantirá aos brasileiros a soberania das decisões econômicas, políticas e culturais. Garantirá trocas mais justas no comércio exterior. Garantirá a criação de mais e melhores empregos. E, se toda a produção de riquezas for bem distribuída, teremos a erradicação dos graves problemas sociais.
O curso de engenharia da Uerj, com todas as suas possíveis deficiências, visa a formar engenheiros capazes de desenvolver tecnologias. É o chamado engenheiro de concepção, ou engenheirode projetos. Infelizmente, o mercado nacionalizado nem sempre aproveita todo este potencial científico dos nossos engenheiros. Nós, professores, não podemos nos curvar às deformações do mercado. Temos que continuar formando engenheiros com conhecimentos iguais aos melhores do mundo. Eu posso garantir a todos os presentes, principalmente aos pais, que qualquer um destes formandos é tão ou mais inteligente do que qualquer engenheiro americano, japonês ou alemão. Os meus trinta anos de magistério, lecionando desde o antigo ginásio até a universidade, me dá autoridade para afirmar queo brasileiro não é inferior a ninguém, pelo contrário, dizem até que somos muito mais criativos do que os habitantes do chamado primeiro mundo.
O que me revolta, como professor cidadão, é ver que as decisões políticas tomadas por pessoas despreparadas ou corruptas são responsáveis pela queima e destruição de inteligências brasileiras que poderiam, com o conhecimento apropriado, transformar o nosso Brasil num país florescente, próspero esocialmente justo. Acredito que o mundo ideal seja aquele totalmente globalizado, mas uma globalização que inclua a democratização das decisões e a distribuição justa do trabalho e das riquezas. Infelizmente, isto ainda está longe de acontecer, até por limitações físicas da própria natureza.
Assim, quem pensa que a solução para os nossos problemas virá lá de fora, está muito enganado.O dia que um presidente da República, ao invés de ficar passeando como um dândi pelos palácios do primeiro mundo, resolver liderar um autêntico projeto de desenvolvimento nacional, certamente o Brasil vai precisar, em todas as áreas, de pessoas bem preparadas. Só assim seremos capazes de caminhar com autonomia e tomar decisões que beneficiem verdadeiramente a sociedade brasileira. Será a construção de um Brasil realmente moderno, mais justo, inserido de forma soberana na economia mundial e não como um reles fornecedor de recursos naturais e mão-de-obra aviltada.
Quando isto ocorrer, e eu espero que seja em breve, o nosso País poderá aproveitar de forma muito mais eficaz a inteligência e o preparo intelectual dos brasileiros e, em particular, de todos vocês, meus queridos alunos, porque vocês já foram testados e aprovados.
Finalmente, gostaria de parabenizar a todos os pais pela contribuiçãopositiva que deram à nossa sociedade possibilitando a formação dos seus filhos no curso de engenharia da Uerj. A alegria dos senhores, também é a nossa alegria. Muito obrigado.
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28/10/2007
ENTREVISTA: TATTI MORENO
http://www.samuelcelestino.com.br/
“A renovação precisa ser feita. Mas, a manutenção de tudo que já foi feito não pode ser abandonada. Isso é um grande erro”.
Por Daniel Pinto
Na infância, apesar do prazer em montar e desmontar as coisas, Tatti Moreno queria ser mesmo era bailarino. Depois, ele quis aprender a tocar violino. Mas, só conseguiu ter aulas de violão com um ex-cangaceiro cego, o que lhe rendeu apenas histórias engraçadas. “Acho que eu tinha 12 ou 13 anos quando tentaram me levar para fazer o curso livre com Mário Cravo, mas eu freqüentava o ginásio e queria mesmo era jogar futebol, me divertir com os amigos, freqüentar o Baiano de Tênis, não queria nada a sério”, lembra. Estudou contabilidade, foi bancário, mas graças aos caminhos tortuosos do destino, enveredou para as artes plásticas. Desde então, labuta neste terreno há mais de 35 anos. Segundo o próprio Tatti, sua obra mais importante é o conjunto de Orixás do Dique do Tororó. Nesta entrevista, ele fala sobre como os Orixás surgiram em sua vida, revela as perseguições que sofreu por abordar temáticas de matriz africanas em seus trabalhos, fala sobre a importância do Candomblé em sua vida e, por fim, comenta a gestão de Cultura do Estado. Leitura indispensável!
Tatti, há quanto tempo você se dedica às artes plásticas e o que te levou a ser um artista?
Tatti Moreno – A convivência com a arte vem desde criança. Minha mãe tinha a veia artística e sempre foi a principal incentivadora de toda a família. Minha mãe sempre tocou piano, lidou com artes plásticas e compôs poesias. Mas, por ciúmes, meu pai não deixou ela se profissionalizar. Pra você ter idéia, às vezes, ela acordava durante a madrugada para escrever. Imagina só! Naquela época a sociedade era muito paternalista. Em outros tempos, minha mãe seria uma grande artista.
Mas, ela se realizou através dos filhos?
TM – Sim, claro. Ela nos incentivou e sempre se deliciava com nossas conquistas. Minha irmã foi uma grande pianista, meu irmão (Tuti Moreno) estudou música e já tocou com Caetano, Gal, Gil. Minha mãe morreu às vésperas da inauguração dos orixás do Dique do Tororó. Ele não participou do processo de concepção nem da montagem. Ela tinha o sonho de ver o resultado final. Terminou que ela não viu. No dia da inauguração eu estava triste, você pode ver nas entrevistas que dei. Coisas da vida! Na verdade, eu queria ser bailarino, mas, como já te disse, eram outros os tempos. Pensava-se que se um homem fosse bailarino ele tinha uma tendência para ser gay. Mesmo assim, fui aluno de Carlos Senna. Mas, não deu certo.
Seu pai foi o principal empecilho para sua carreira no balé?
TM – Foi sim. Tanto meu pai quanto alguns tios. Depois da frustração do balé, eu queria aprender violino. Então, me deram um violão e um professor cego (risos). Meu professor de violão se chamava Sr. Ruphino, ele foi cangaceiro de Lampião. Mas, desde moleque eu brincava com arame, desmontava rádios, fazia pequenas peças. Lembro que quando minha prima Jacira Oswald e seu marido, Henrique Oswald, vieram lecionar na Escola de Belas Artes da UFBA. Eles ficaram morando na casa dos meus pais. Convivendo conosco eles perceberam a minha tendência para as artes plásticas. Acho que eu tinha 12 ou 13 anos quando eles tentaram me levar para fazer o curso livre com Mário Cravo, mas eu freqüentava o ginásio e queria mesmo era jogar futebol, me divertir com os amigos, freqüentar o Baiano de Tênis, não queria nada a sério. Acabei fazendo Contabilidade e fui bancário por algum tempo. Depois, acho que eu tinha 28 anos de idade quando fui acometido pela vontade de fazer arte novamente. Então, Jacira me encaminhou para um curso de colagem e pintura, mas eu já queria trabalhar com volume. Daí nasceu à necessidade da escultura.
E quando Mário Cravo entrou em sua vida?
TM – Logo depois disso, fui à Escola de Belas Artes fazer o curso com ele. Nessa época eu não me considerava um artista. Eu trabalhava no banco e freqüentava as aulas três vezes por semana. Aí, Mário saiu da escola e me convidou para freqüentar o ateliê dele, que era no Rio Vermelho. Mário Cravo foi meu mestre. Graças a Deus eu tive a sorte de ter um professor competentíssimo, além de ser um ser humano maravilhoso.
Quais são seus materiais favoritos?
TM – Eu trabalhei com quase todos os materiais: aço, madeira, latão, cobre, ferro, sucata, etc. Só não trabalhei com mármore. Além de ser um material muito duro e frio para modelar, ele requer um maquinário específico. Mas, eu utilizo mármore para fazer bases para minhas peças. O trabalho com sucata, por exemplo, é um processo de criação divina. Adoro trabalhar com sucata. O processo de assemblagem e montagem desse material requer uma criatividade fantástica. As coisas surgem naturalmente no meio daquele enorme quebra-cabeça. Nesse instante, há um estado de felicidade indescritível, como se fosse o gozo maior do mundo.
Mas, você trabalha com inspiração ou é daqueles artistas que não acreditam no entusiasmo criador?
TM – É claro que a inspiração é fundamental. Já passei fazes sem produzir nada. No meu caso, a inspiração vem em forma de sonhos. Geralmente sonho com alguma forma e depois coloco no papel. Agora, quando você desenvolve um processo, uma rotina de trabalho, as coisas também fluem naturalmente. Mas, a inspiração também é fundamental.
Você viu a instalação feita na Gamboa, em que um artista incorporou um elemento (nesse caso um alçapão gigante) num painel de Bel Borba?
TM – Não. Não vi esse alçapão, mas fiquei até curioso.
Como você vê a possibilidade de interação entre obras de artes e artistas diferentes?
TM – Olha, essa é uma questão delicada. Depende de um consenso entre os artistas e também das características de cada obra. O flerte e a brincadeira são sempre válidos entre os artistas, mas uma intervenção que desconfigure uma obra não pode ser aceita. Imagine se um sacana colocasse duas vassouras nas mãos dos meus orixás?! (...) A intervenção não pode interferir na obra propriamente dita e também não pode ter uma conotação de mau gosto.
Como os orixás surgiram em sua vida?
TM – Os orixás apareceram naturalmente em minha vida. Fiz as minhas primeiras peças quando ainda estava na Escola de Belas Artes com Mário Cravo. Depois eu passei a participar dos rituais de Candomblé e fiquei fascinado com a beleza, harmonia e espiritualidade da religião. Hoje, dos meus 35 anos de carreira, 24 foram dedicados aos orixás.
Mas, você é iniciado no Candomblé?
TM – Não. Mesmo assim, eu respeito, admiro e tenho o maior carinho pelo Candomblé.
Os orixás do Dique do Tororó são suas obras mais conhecidas? Como foi o processo de criação?
TM – São sim. As peças do Dique do Tororó realmente ganharam uma dimensão inimaginável por mim. Mas, é bom destacar que sem apoio, sem patrocínio, é praticamente impossível executar qualquer obra pública. Quero deixar claro que o governo de ACM foi um dos que mais incentivaram a cultura da Bahia. A estrutura governamental montada por ele sempre apoiou as artes. Só pra você ter idéia, eu tinha o projeto dos orixás há mais de 16 anos. Procurei governador, prefeito, secretário e nada. Nessa época, o Dique do Tororó estava abandonado. Então, vi na TV que iam recuperá-lo. Falei, olha meu sonho aí. Procurei Sônia Fontes, que na época era presidente da Conder, e juntos fomos a Luiz Carrera, o secretário de Administração. Depois de muita negociação, o projeto foi aceito. Mas, eles não imaginavam a dimensão das peças. Aí, teve início uma luta e, por conta disso, o preço foi até reduzido. Mas, era algo que eu tinha que fazer. Passamos três anos trabalhando exclusivamente nisso. Mas, na hora da montagem eu sofri com a perseguição dos evangélicos. Lembro que eles até abraçaram o Dique num manifesto contra os Orixás.
Foi um ato explícito de intolerância.
TM – Por aí passam a ignorância, a intolerância religiosa, o desrespeito, tudo de mal que existe no ser humano. Eles ameaçaram ir a Brasília falar com Fernando Henrique, você acredita nisso? Eles falavam que os orixás do Dique, além de uma feitura “maligna”, seria um desperdício de dinheiro público. Mas, eles esqueceram de falar que suas igrejas, templos e catedrais não pagam impostos; que eles recolhem o dízimo e que fazem da religião uma ferramenta política e econômica. Tudo isso me causou uma revolta muito grande, porque eu sofri o que não tinha direito de sofrer. A Constituição brasileira assegura o direito da livre escolha da religião, mas eles não respeitam. Agora, há pouco tempo, no Rio Grande do Sul, um bispo queimou duas estátuas do século XIV. Isso é uma barbaridade! Esse sujeito deveria ser processado. Aliás, ele deveria ser preso.
E então Tatti, como terminou a história do Dique?
TM – Depois disso tudo que já contei, o Ibama veio e disse que eu só poderia colocar um Orixá porque as outras peças iriam ultrapassar as copas das árvores. As peças já estavam todas prontas. Foi então que ACM comprou a briga. Depois dessa confusão toda, ACM trouxe o presidente do Iphan aqui na Bahia e – depois de 24h – conseguimos a liberação para instalar todas as peças.
Os orixás do Tororó, além da experiência estética comum a qualquer obra de arte, também ganharam uma dimensão religiosa. É comum que os praticantes do candomblé façam oferendas e outras manifestações aos pés das estátuas. Você imaginava que esse conjunto de orixás ganhasse uma dimensão tão grande?
TM – O Dique é a bacia sagrada de Oxum. É lá que os terreiros fazem o ritual sagrado das águas de Oxalá. Os Orixás não foram escolhidos por mim. As indicações vieram do jogo de búzios de mãe Creuza. Mesmo assim, eu não esperava que o conjunto de Orixás do Dique do Tororó ganhasse toda essa importância artística e religiosa. Eu tinha esperança que o conjunto ficasse bom, até porque era uma obra pública e nós dedicamos todas as nossas forças na execução dessas peças. Mas, não esperava que os Orixás se tornassem um ponto turístico. Foi um orgulho muito grande.
Mas, como é feita a manutenção dessas peças?
TM – Às vezes, o mais importante não é ter ou fazer, mas sim, manter/conservar o que já foi feito. Nas grandes capitais do mundo – como Paris, New York, São Paulo – as peças públicas possuem uma verbas de manutenção reservada. Aqui na Bahia, o governo passado fazia isso. Olha, muitas vezes eu não gosto nem de falar isso, porque eu posso até ser mal interpretado. Mas, te falo de coração aberto, o governo Wagner precisa abrir os olhos e zelar pelo patrimônio artístico e cultural da Bahia. É mais barato pagar a manutenção do que recuperar uma peça por completo.
É verdade que existem umas peças suas abandonadas num galpão do governo em Porto Seguro?
TM – Por incrível que pareça é verdade. É uma história longa. Conseguimos o apoio do BBV e dos Correios e fizemos uma exposição itinerante por seis capitais do Brasil. Eram oito peças semelhantes às do Dique. Apesar da mobilização dos evangélicos em algumas capitais, a exposição foi um sucesso. Mas, no meio da viagem o Bradesco comprou o BBV e fechou as portas pra nós. Os Correios queriam até me processar alegando quebra de contrato, mas banquei o resto da viagem com recursos próprios. Deus é testemunha da agonia e do sofrimento que passei nesse período. As peças eram transportadas em oito carretas. Eram montadas verdadeiras operações de guerra para desembarcar. A intenção era finalizar a exposição em Porto Seguro. Então, Paulo Gaudenzi e Heitor Reis (sabendo da minha dificuldade), intercederam junto ao governador para me ajudar. Depois disso, o governo da Bahia comprou seis peças em minha mão e colocou num galpão lá em Porto Seguro. As peças deveriam ser expostas, mas estão se acabando.
Será que o novo governo tem conhecimento disso?
TM – Procurei o governo e expus a situação, mas até agora não obtive resposta alguma. O ministro Gilberto Gil (Cultura) prometeu dá uma força para que as obras sejam recuperadas e, finalmente, sejam expostas. Mas, não tenho notícias. As peças estão abandonadas no Centro de Convenções de Porto Seguro.
Agora, como você avalia a gestão da cultura no Estado?
TM – Infelizmente, as comparações são inevitáveis. O governo passado tratou com bastante carinho a Bahia, que é um pólo de grandes artistas e de grandes manifestações culturais. Olha, acredito com toda sinceridade que o governo ainda tem tempo.
Num comparativo aos outros gestores, você acredita que Márcio Meirelles desempenha um bom trabalho?
TM – Não tenho nada contra ele. Meirelles começou a desenvolver uma política diferenciada. Pode ser uma experiência válida e que renda bons frutos no futuro. A renovação precisa ser feita. Mas, a manutenção de tudo que já foi feito não pode ser abandonada. Isso é um grande erro. A Casa de Jorge Amado não pode ser desprestigiada pelo governo. O Teatro XVIII também não. Aliás, nesse episódio me parece mais uma birra, uma pirraça. Se existe um problema, vamos resolver. Não adianta ficar falando, falando, falando, falando (...) algo prático precisa ser feito.
Você acredita que a Bahia vive uma crise no setor cultural?
TM – Não posso deixar de dizer que sim, mas acredito que se trata de algo reversível. Não vejo esse momento como um bicho de sete cabeças. Aproveito para pedir ao governador Jaques Wagner e à primeira-dama Fátima Mendonça, que por sinal tem uma sensibilidade muito grande para as artes, que criem um Conselho de Cultura que possa coordenar futuras ações e corrigir erros já cometidos
Realmente, um belo texto para iniciar a semana.
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