Ao assistir o vídeo fiz uma leitura um pouco diferente, mas alguns elementos que imaginei coincidiram com o pensar do criativo e reflexivo Caetano Dias. Porém, confesso que mesmo assim ainda ficou longe desta sua ideia poética. E na conversa que fluiu prazerosa ele me respondeu que quando apresenta o vídeo as leituras são as mais variáveis possíveis e que vê isto com muito alegria porque a arte não pode ter apenas uma leitura, senão ela morre. A arte tende a ser aberta a várias leituras e interpretações. "Temos que ter várias leituras de pessoa a pessoa e isto é muito importante e incentivador. A interpretação da poesia é livre. O pensar para ele é a coisa mais importante", entende Caetano Dias. |
personagem depois de nadar enche o barco de água até desaparecer com a embarcação no fundo do mar. |
Neste outro vídeo poético a concepção, o roteiro, a ideia original, a fotografia, e a primeira montagem são de sua autoria. Depois chamou um amigo para dar uma finalizada na edição, e reconhece que ficou bem melhor. O nome do vídeo é
Água, e o personagem foi interpretado pelo artista plástico Carlos Rodrigues, conhecido por Carlinhos Rodrigues que trabalhou em A Tarde como programador visual, e faleceu precocemente. Ele aparece nadando sem ver o horizonte e de repente encontra um velho barco que já tem pouco água dentro. Sobe no barco e com um balde plástico vai enchendo o barco de água até que ambos desaparecem no fundo do oceano. Segundo Caetano Dias é alguém que vem nadando sem rumo, sem horizonte e continua nadando até que encontra um velho barco em meio aquele mundo de água. O barco tem um pouco de água no casco e ele encontra um recipiente. Ao invés de retirar a água do barco recolhe mais água do mar e vai enchendo o barco até que juntos vão afundando e desaparecendo. Ele diz que o vídeo é curtinho tem uns três minutos de duração, mas tem um rico universo signífico. A questão não é esta. A construção de conceito deste vídeo poético é que uma pessoa partiu do inicial para pegar o espectador pelo pé. Vem nadando sem rumo, sem horizonte. A leitura segundo Caetano é que ele é o próprio barco e o barco a extensão do seu corpo e da alma . O mar também é ele ou a extensão dele. Quando coloca água no seu corpo que se confunde com o barco está fazendo um mergulho em si mesmo que é todo o oceano, que é o ser. Cada ser é um oceano de sentimentos, de beleza, de dores, de alegrias e de solidões. Com esta visão poética e única do artista que quase sempre não coincide com as das pessoas que assistem os vídeos perguntei ao Caetano se ele costuma dar alguma explicação depois de exibi-los ou deixa que as pessoas se manifestem. Respondeu com sua calma, voz baixa e pausada "quando perguntam costumo explicar, mas deixo que fluam as interpretações as mais variadas. É uma grande provocação ao pensamento."
|
O pescador entrando no lago em busca do seu barco. |
Outro vídeo poético de Caetano chamado 1978 Cidade Submersa versa sobre a cidade de Remanso que foi encoberta pelas águas do Rio São Francisco para a construção da Barragem do Sobradinho. Aparece um pescador que vai entrando no lago em direção a velha caixa d'água da cidade que ainda permanece parcialmente sem ser encoberta pelas águas até encontrar o seu barco e daí sai navegando para cumprir sua missão diária de pescar. Ele navega e tira sua sobrevivência das águas que cobriram sua cidade e suas memórias. O vídeo leva a pensar no grau de sentimentos que o desaparecimento de uma cidade provoca em seus antigos habitantes. Quase tudo fica submerso em nome do progresso e da necessidade de mais energia para que o país possa se desenvolver. Após exibir as pessoas são provocadas a dar suas leituras sobre o vídeo que tem um poder impactante grande, especialmente nas pessoas que viveram aquele episódio. A RABECA
|
Rabequeiros Eder Fersant e d. Domingas. |
O artista Caetano Dias tem um documentário de pouco mais de 70 minutos de duração sobre o instrumento rudimentar e popular na zona rural brasileira que é a rabeca. É um instrumento rudimentar de cordas friccionadas e seu corpo normalmente não tem um acabamento refinado, e é encontrado especialamente na zona rural. Tem de três a cinco cordas de aço e mesmo de tripas de animal. Filmou entre os municípios de Irecê e Correntina. O filme versa sobre a possível existência ou inexistência da rabeca na Bahia. Este instrumento está em processo de desaparecimento, mas ainda tem presença na zona rural de Goiás e de outros estados brasileiros, inclusive na Bahia. Inicialmente o roteiro surgiu da necessidade que ele teve de falar sobre o instrumento que era presente no conto que escrevia. Uma coisa foi se conectando com a outra e resultou no documentário. Ele diz que imaginou inicialmente o instrumento do conto Água que estava escrevendo seria uma rabeca que apareceu em suas memórias de criança nas feiras livres e em frente as igrejas das cidades do interior onde morou. Foi aí que conheceu em Irecê o jovem Eder Fersant fabricante e tocador de rabeca e na fazenda Santo Antônio no município de Correntina, no extremo oeste da Bahía a d. Domingas da Rabeca que é uma exímia tocadora do instrumento, uma senhora com quase noventa anos de idade. Também visitou outras cidades e encontrou alguns tocadores de rabeca, mas nem todos entraram no documentário. Chegou a conclusão que o instrumento que imaginara no conto não era a rabeca. Durante a pandemia aproveitou para reescrever o seu conto que segundo Caetano Dias será realmente sua estreia na Literatura. O conto versa sobre o Deus africano que aqui chegou durante as navegações que traficaram milhares de escravos africanos e com eles veio um capitão de uma nau que trouxe o seu diário de bordo. O conto se desenrola em Canudos e ele já fez um total de dezesseis pequenos ensaios sobre algumas obras que versam sobre a história de Canudos e Antônio Conselheiro. Por descobrir que a rabeca não era o instrumento arcaico que imaginou passou a considerar a ideia de construir alguns até encontrar aquele que mais se aproxima do que está no conto. De posse de alguns tacos de snooker , cabaças, um pedaço de osso, cordas e outros objetos vem também se dedicando a construção desses instrumentos arcaicos até encontrar aquele que mais se aproxima do que imaginou no conto. O PENSADOR
|
Detalhes de obras de Caetano Dias de 2015-2019. |
O artista Alberto Caetano Dias Rodrigues ou Caetano Dias nasceu no distrito de Bonfim de Feira, município de Feira de Santana, na Bahia, em sete de agosto de 1959. Filho de Isabel Marques Rodrigues e de Cleonice Dias Rodrigues, tem três irmãos, sendo dois homens e uma mulher. Passou sua infância em várias cidades, sendo a maioria do tempo em Feira de Santana. Morou em Lapão, Irecê, distrito de Bonfim de Feira, Feira de Santana e finalmente em Salvador. Ao falar de seu pai informou que era um pequeno empreendedor fabricante de jurubeba, uma bebida retirada da fruta da jurubeba que é um arbusto que aparece muito nos campos e pastos das fazendas em nosso país, fabricava cachaça e até mesmo sabão em barras para vender.
Estudou no Colégio Municipal Joselito Amorim, em Feira de Santana e depois fez o vestibular para Letras na Universidade Católica de Salvador, mas não chegou a concluir o curso.
|
Uma ação com o trocador de roupas que o chamou de Trocador de Corpos. |
"Uma das características do meu trabalho é de tentar e refletir sobre o que faço. Venho também desenvolvendo textos sobre meus trabalhos, que é uma das últimas etapas deste processo criativo. Outra forma de me expressar com os textos críticos da minha arte e na literatura, inclusive acabei de concluir meu primeiro conto com quase quarenta páginas. Enquanto vou continuando com meus vídeos poéticos que muito me encantam e tenho muito prazer em fazerconfirma Caetano Dias." EXPOSIÇÕES E ACERVOS
|
Instalação Delírios de Catarina, com cabeças feitas de açúcar. |
O artista feirense Caetano Dias tem obras nos acervos da Casa de Las Americas, em Havana, Cuba; Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, Bahia; Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; Unama Galeria de Arte, em Belém do Pará; Museu AfroBrasil em São Paulo; Coleção Gilberto Chateaubriand - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Contemporânea - Centro Dragão do Mar, em Fortaleza, Ceará; Museu Berardo de Lisboa, Portugal - Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Coleção Berardo. Fez cursos: 2009 em Le Fresnoy e na Cite Internationale des Arts, ambos na França; 2009 na Can Xalant, em Barcelona, na Espanha;2008 no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo; 2005 - Fundação Derouin, em Quebec, no Canadá, e em 1994 participou do Workshop Cultural em Museus, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Fez exposições individuais em 2010 na Paulo Darzé Galeria de Arte; 2006 - Galeria de Arte Marilia Razuk, em São Paulo; 2003 - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; 2002 - Galeria de Arte Marília Razuk, São Paulo; 2002 - Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; Paço das Artes - Temporada de Projetos 2001/2002, São Paulo; 2001 - ICBA - Instituto Cultural Brasil Alemanha, Salvador; 1999 - Paulo Darzé Galeria de Arte, Salvador; 1995 - Galeria de Arte Rubem Valentim, Brasília, DF; 1995 - Museu de Arte Moderna da Bahia; 1994 - Casa de Las Americas: Ritmos Visuais, em Havana, Cuba;1993 - Anarte Galeria de Arte, Salvador; 1989 - O Cavalete Galeria de Arte, Salvador. Participou ainda de mais de oitenta salões e exposições coletivas fora do país e em outros estados brasileiros.
REFERÊNCIAS
|
Instalação Lago-Indigente, de Caetano |
Segundo o professor Eric Cone., que é artista, curador e professor da Ecole Nationale des Beaux Arts de Bourges, na França, "no seu vídeo, O Mundo de Janiele, que foi destaque no Paço das Artes, em São Paulo, e adquirido pelo Museu Berardo de Lisboa e que tive o prazer de apresentar em 2009, ele nos faz penetrar nesta "concrete love jungle" da favela. Ele grava uma menina brincando de bambolê: à primeira vista, esta cena nos parece simples e lúdica com a a musiquinha lancinante e infantil, parecendo chegar a uma caixa de música. Pouco a pouco, na repetição do movimento e a aparição lenta do rosto e logo total da menina, reinando no centro da favela, é a alteração da imagem e sua mensagem se impõe... Mas, além da doçura e da beleza quase idílica desta cena, na espiral obcecante de O Mundo de Janiele, se percebe, em realidade, um encarceramento no qual Janiele é forçada a sufocar par todo o sempre, conservando a qualquer preço, a miséria sem esperança das prendas para a maturidade. E esta obra tão sensível e justa, em suas múltiplas ambiguidades traduz toda a arte de Caetano Dias, onde a gravidade se superpõe à meiguice, a dignidade à vulnerabilidade, e reciprocidade".
Diz o André Parente artista e pesquisador do audiovisual e das novas tecnologias da imagem que "a arte de Caetano Dias tem como estratégia primordial investir no campo fértil das experimentações sociais, como um espaço de relações que resiste de todos os lados a massificação e uniformização. Não se trata de uma arte que toma o social como tema, como muitas vezes se diz no campo da cultura, mas de fazer do social um campo de forças aberto, a ser explorado, questionado, renovado, erotizado. Na verdade, a obra de Caetano nos propõe um novo corpo, novas relações sociais e culturais, ao nos propor imagens que transforme as condições gerais de produção de subjetividade. A obra de Caetano concentra-se cada vez mais nas relações que seu trabalho irá criar com o público ou na invenção de novos modos de relações sociais..."
Fonte: https://reynivaldobritoartesvisuais.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário