"Nem Lucas, o bandido famoso da Feira,
Fotos: Reprodução/ "O Cruzeiro"/ Gervásio Batista
Em página no Facebook, o professor Carlos Brito, garimpeiro da memória feirense, lembrou de fato ocorrido em Feira de Santana há 66 anos, em 1951, que ganhou alcance nacional com publicação de reportagem na revista "O Cruzeiro". Há relatos que também foi noticiado na British Broadcasting Corporation (BBC), emissora pública de rádio e televisão do Reino Unido, sediada em Londres.
"Profanadores de túmulos" foi o título dado por Odorico Tavares, dos Diários
Associados na Bahia. No lide: "Um espetáculo macabro levado a efeito na cidade de Feira
de Santana, Bahia, por cinco rapazes que, se intitulando 'existencialistas',
violaram diversas sepulturas e transformaram crânios humanos em taças de vinho."
Odorico
Tavares (1912-1980), jornalista, escritor e poeta, era pernambucano e em 1942
radicou-se em Salvador, onde a convite de Assis Chateaubriand dirigiu as
empresas do conglomerado Diários e Emissoras Associados, que na Bahia possuía
os jornais "Diário de Notícias" e "Estado da Bahia", a Rádio Sociedade da
Bahia e, mais tarde, a TV Itapoan. Fez diversas reportagens para a revista "O
Cruzeiro" - como esta em pauta.
O texto inicia com a citação
do artigo 2328 do Código Canônico, que diz que "todo aquele que violar cadáver ou sepulcro com o fito de furto ou outro fim de caráter ilícito, seja punido com o interdito pessoal e seja, por esse fato, declarado infame, e sendo clérigo seja, além de penas acima referidas, deposto de suas funções".
"Pois é este artigo que a Cúria Arquidiocesana da Bahia invoca em aviso ao vigário geral de Feira de Santana, para que
seja aplicado contra cinco jovens de famílias conhecidas naquele município.
Eles violaram sepulcros para fins ilícitos e por isso serão declarados infames,
serão afastados automaticamente da comunidade católica e não poderão receber
sacramentos, entre eles o matrimônio, e nem têm direito de serem sepultados em
cemitérios eclesiásticos."
Que fizeram eles?, questiona
o jornalista. E relata que no sábado, 15 de setembro daquele ano, cinco jovens
em Feira de Santana, "reuniram-se para a farra da semana e resolveram ir ao
cemitério da Piedade. Segundo uns, declaravam-se existencialistas, tendo uma
noção errônea da coisa: ser existencialista, para eles, é não levar complexos
para casa, se há vontade para fazer que se faça, e, resolveram realizar a farra
no cemitério. Para outros, já embriagados, os jovens resolveram homenagear um
dos companheiros mortos e nada mais lógico do que as libações ao próprio túmulo
do companheiro. O certo é que foram ao cemitério, lá entraram, violaram cerca
de quinze sepulturas, quebrando as lajes mortuárias, abrindo os caixões,
fazendo libações constatadas com as garrafas e os copos que encontraram junto
das campas. Uma farra sinistra e que faria tremer os heróis do romantismo. Os
manes de Alvares de Azevedo se levantaram sinistramente para assistir à lúgubre
cena destes jovens de uma pacata cidade sertaneja, onde os costumes cristãos
são rigorosamente mantidos, dentro de rígidos critérios. Ninguém os viu entrar
e ninguém os viu sair. Mas saíram conduzindo cinco caveiras, quatro delas
deixadas embrulhadas num pano, no jardim público. Com a quinta, demandaram ao
Cassino Irajá, de Oscar Tabaréu (Oscar Marques), na zona do meretrício. E os
presentes, já madrugada alta, tiveram, uns horrorizados e outros entusiasmados
com a cena, de assistir aos jovens embriagados inteiramente, a lavar a caveira
em vinho e aguardente e, em seguida, cada um deles tomar a sua bebedeira na
mesma, que servia de copo. Houve protestos, mas a maioria dos presentes se
entusiasmou com a coisa: que todos bebessem na própria caveira e fazendo em
seguida dos orifícios oculares cinzeiros, porta-cigarros e nem sabemos que
mais."
Quatro caveiras
Narra mais: "Pela manhã, já
a notícia corria pela cidade. Foram encontradas as quatro caveiras no jardim
público e o provedor da Santa Casa de Misericórdia comprovando a violação dos
túmulos levou o fato ao conhecimento do delegado de Polícia, tenente Heitor de
Sena Gomes. Este foi pessoalmente ao cemitério e constatou a monstruosidade:
lápides partidas, ossadas expostas, pedras tumulares derrubadas, um atentados
dos mais sinistros e dos mais monstruosos. 'Nem Lucas, o bandido famoso da
Feira, era capaz de tamanha miséria', disse mais de um feirense, na sua
indignação. O dono do cabaré foi à polícia e entregou o crânio, ao mesmo tempo
que denunciava os rapazes responsáveis pela profanação. Estes já haviam fugido
e as diligências policiais para os prender têm sido, até hoje, infrutíferas. Se
as famílias estão receosas da represália contra semelhante profanação, há pais
indignados". Um deles declarou ao repórter associados: "Se souber onde esteja
meu filho o entregarei à Polícia".
"Se o direito canônico
atinge os profanadores com a excomunhão, também o direito penal não o faz por
menos. Tanto que, concluídas as diligências e o inquérito, a polícia solicitou
a prisão preventiva para os criminosos, que foi decretada incontinenti pelo juiz
de Direito Dr. Cândido Colombo de Cerqueira, que na sua sentença diz:
'A prova material do delito
está nos autos, está no conhecimento da população. Quem sejam os autores do
atentado, no-lo dizem as testemunhas ouvidas, o público os aponta. Eles próprios,
abandonando o distrito da culpa, denunciam o seu crime, demonstram a
consciência de terem agido contra os deveres culturais, sabido que é ser a
transgressão da norma penal, antes de mais nada, a transgressão das normas
culturais. Ora, se os incriminados, foragindo, denunciam o sentimento de culpa,
demonstram, por outro lado, a consciência da vontade. Se não tivessem agido com
a colaboração da vontade, a estas horas não estariam arrependidos, mordidos
pelo remorso, espavoridos. Os indiciados, pela influência que podem exercer
sobre o ânimo das testemunhas, se em liberdade, prejudicarão a instrução
criminal e a apuração dos fatos em seus pormenores. Condenados, estaria
assegurada de antemão a aplicação da lei penal. E não é só. A custódia
preventiva representa, também, uma garantia da ordem pública, a prevenção
contra outros delitos, porquanto, tal é a revolta da população, que não seria
difícil um atentado à vida de qualquer dos indiciados. A pena cominada na lei é
de reclusão e o 'delito é inafiançável'. Estão, assim, preenchidos os
requisitos legais para a concessão da medida".
A reportagem prossegue: "Dos
mausoléus profanados somente os de Nolenita Gofinho, Aníbel Azevedo, João
Jônatas Muniz Moscoso, Honorato José dos Santos e Pedro Carneiro tiveram os
ossos retirados e as caveiras lavadas para a farra sinistra. Os outros, embora
com as lousas arrebentadas, não tiveram os restos mortais profanados e são os
de Ortência Santos, David Saback, Jesuíno da Silva Lima, Miguel Ribeiro de
Oliveira, Bernardino Barreiro, Álvaro da Silva Lima, Ladislau Alves Cordeiro,
Manuel Antas Parcero, Honorato Alves Caribé e Vicência de Lima e Silva."
E finaliza: "A população de Feira de Santana aguarda confiante a prisão dos profanadores foragidos. 'Não é possível que Feira de Santana passe à história como cenário de tão lamentável acontecimento e estes moços fiquem impunes', dizia-nos um velho morador daquela próspera cidade. 'Basta Lucas da Feira, o grande bandido'."
E finaliza: "A população de Feira de Santana aguarda confiante a prisão dos profanadores foragidos. 'Não é possível que Feira de Santana passe à história como cenário de tão lamentável acontecimento e estes moços fiquem impunes', dizia-nos um velho morador daquela próspera cidade. 'Basta Lucas da Feira, o grande bandido'."
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