Bravo, ainda existe noção de decência e exposição na prefeitura de Paris cheia de antiquado deslumbramento leva lambadas da elite do pensamento
Por
Vilma Gryzinski
Como na São Bernardo dos velhos
tempos, Anne Hidalgo, a prefeita de Paris que entrou para a lista das cinco
personalidades políticas mais odiadas do país, resolveu botar a boina na cabeça
e babar ovo para Che Guevara.
Há uns vinte ou trinta anos atrás,
até que passaria, principalmente entre o pessoal que não quer cultivar inimigos
e muito menos polêmicas nos círculos frequentados pelo "tout le monde", as
elites políticas e intelectuais que vão aos mesmos lugares e sugam nas mesmas
fontes de infinitas benesses.
"A capital presta homenagem a uma
figura da revolução que se tornou ícone militante e romântico", escreveu alguém
que ama clichês, talvez até a própria prefeita.
A paixão pelo lugar comum trabalhou
em dobro diante da saraivada de críticas e Anne Hidalgo mandou dizer que era
tudinho culpa da "instrumentalização da direita". Além do mais, "Ela não diz
que ele é um ícone do romantismo, mas que se tornou um ícone do romantismo",
escreveu uma porta-voz. Valha-nos os santos protetores da embromação.
Saindo da vanguarda do atraso, a
triste posição a que tantos intelectuais franceses se relegaram, muitos
desceram a língua na prefeita.
Luc Ferry, ensaísta, filósofo e
ex-ministro da Educação do governo Sarkozy (além de ex-namorado de Carla
Bruni), quase sufocou na pashmina.
"Anne Hidalgo celebra o romantismo
do Che, um crápula sanguinário que torturou e matou pessoalmente 130 infelizes
no campo de concentração e tortura que dirigia. Quando é que vamos ver uma
homenagem a Pol Pot, Beria e Mao?", tuitou.
"As vítimas do Che contam alguma
coisa em relação a uma homenagem a seu carrasco?", perguntou Raphaël Enthoven,
escritor, professor de filosofia e apresentador de um programa cabeça no canal
ARTE (e ex-namorado de Carla Bruni, além de pai do filho mais velho dela,
Aurélien, de 16 anos).
"É estonteante ler da parte de uma
dirigente democrata que o Che é uma figura romântica. Trata-se de um homem que
matou em nome de uma ideologia liberticida. Que romantismo tem nisso?",
perguntou o jornalista Jean-Michel Aphatie, que é do Partido Socialista,
o mesmo da prefeita.
A Síndrome de Havana, que mantém
seres humanos decentes em estado de negação há avançados 58 anos sobre a
natureza da ditadura cubana, pode até ser relevada entre os inocentes
inconsequentes, mas não entre os que têm obrigação não só de ser informados
como de informar.
Se não fosse bonito em vida e, na
morte, retratado como um tragicamente belo Cristo renascentista, Che teria
muito menos fãs apaixonados. Sem contar que todas as ditaduras de direita que
ajudaram a insuflar convicções de esquerda entre várias gerações acabaram há
muito tempo. Só Raúl Castro ainda está, aos 86 anos, empurrando a aposentadoria
e o ridículo com a barriga.
Anne Hidalgo, filha de espanhóis
refugiados da ditadura franquista, certamente tem suas ilusões, como tantos
outros. Mas não o direito de propagar uma enganação.
Apesar da administração desastrosa
em vários aspectos, em grande parte pela obsessão esquerdista de tratar donos
de carros como criminosos, Anne, nascida Ana María, tem razoáveis perspectivas
políticas.
Ficar à esquerda dentro do Partido
Socialista é uma de suas estratégias. Nenhum dirigente do partido quer ser
identificado com o governo insosso de François Hollande. Por sorte, já se foi o
tempo da boataria de que Hollande era o pai do filho mais novo de Anne Hidalgo.
A prefeita é casada com Jean-Marc
Germain, seu segundo marido e pai do rapaz. Como prefeita de Paris, tem uma
plataforma para ambições mais altas, como a presidência. Quem sabe um dia não
acabe convidando o presidente Raúl Castro para um encontro de cúpula?
Fonte: "Veja"
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