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sábado, 14 de dezembro de 2013

"Para além do esperneio"



Ruy Fabiano
Tão chocante quanto o Mensalão são as reações que provoca por parte da alta cúpula da República. Injuriar a mais alta Corte de Justiça do país - acusando-a de fraude e manipulação - não é pouca coisa. Impressiona o silêncio desta.
A prisão dos mensaleiros petistas, a despeito de todos esses protestos, demonstra que alguma saúde institucional resta ao país. Nem tudo está dominado; se estivesse, não estariam presos. E é essa a razão da revolta.
A afirmação do ministro Luís Roberto Barroso, de que "o Mensalão foi um ponto fora da curva", ainda que dita em contexto diverso e com desconfortável espanto, confirmou-se.
A "curva" é a histórica impunidade, sobretudo em se tratando de gente poderosa. Não é à toa que o PT continua protestando, inconformado por não dispor de meios de reverter o processo. Está claro que não contava com tal desfecho.
Nada mais blasfemas - e provocadoras - que as palavras dirigidas por Lula, Rui Falcão e o próprio João Paulo Cunha (a que a condição de sentenciado não gerou qualquer inibição) contra a Suprema Corte do país e a seu presidente, Joaquim Barbosa.
Tudo isso diante do silêncio eloquente da presidente da República, Dilma Rousseff.
Protestar contra uma sentença é compreensível. Constitui o chamado "juris esperniandi". Mas o que a alta cúpula do PT, na presença da presidente da República, fez, na noite de quinta-feira passada, no 5º Congresso do partido, vai muito além disso.
Veja-se, por exemplo, o que disse o seu presidente, Rui Falcão, a respeito da conduta moral do STF:
- É o típico caso da manipulação realimentando a mentira e da mentira realimentando a manipulação. A história vai provar que nossos companheiros foram condenados sem provas, em um processo nitidamente político, influenciado pela mídia conservadora.
Ou seja, o STF incorreu em crime - nada menos. Condenou inocentes, sem provas e sem obedecer o devido processo legal. Em tais circunstâncias, haveria pleno respaldo a um recurso aos tribunais internacionais, o que, no entanto, não se dará pelo simples motivo de que nada do que foi dito ocorreu.
Os autos da ação penal aí estão - mais de 50 mil páginas - para provar a inocuidade do esperneio. Nenhum tribunal sério acataria recurso sem avaliá-los. Daí porque não há recurso.
Lula, que já abordou ministros do STF para adiar o julgamento - e chegou a ameaçar um deles, Gilmar Mendes, com acusações que se mostraram improcedentes -, optou, mais uma vez, por acusar a imprensa. Disse:
- Se for comparar o emprego do Zé Dirceu no hotel com a quantidade de cocaína no helicóptero, pelo menos houve uma desproporcionalidade na divulgação do assunto.
Referia-se à cocaína encontrada no helicóptero que pertence à família do senador Zezé Perrella (PDT-MG), aliado do senador Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à Presidência da República.
Antes de mais nada, é falso que a imprensa tenha sido indiferente ao tema, que ocupou as manchetes dos jornais e telejornais por vários dias e está sendo objeto de inquérito policial. Nem chegou à Justiça. Mesmo assim, o que têm o Mensalão e o suspeito emprego oferecido ao ex-ministro José Dirceu – tão suspeito que ele se viu instado a recusá-lo – com o caso da cocaína no helicóptero? Ou com o chamado Mensalão de Minas?
Cada caso é um caso e a Justiça não pode tratar a todos de uma só vez. O que não faz sentido, nem moral, nem juridicamente, é tentar atenuar – ou mesmo absolver - um crime recorrendo a outro, praticado por terceiros. O processo de Minas chegou ao STF um ano depois do Mensalão. Será julgado provavelmente ano que vem. Vejamos o que contém.
Aparentemente, é coisa distinta do Mensalão, de proporções bem menores. Mas, sendo crime, saberemos os seus detalhes e não há razão para qualquer condescendência.
O que está em pauta, porém, neste momento, é o Mensalão, que o ministro Ayres Britto considerou "crime contra a democracia", e cujos mentores seu colega Celso de Mello classificou de "quadrilha de bandoleiros de estrada" e "marginais do poder".
Lula, que já pediu perdão em público por aqueles atos, exibiu reiteradas vezes frouxidão moral diante do tema. Prometeu investigá-lo quando deixasse a Presidência (o que é espantoso, já que apenas no cargo disporia de autoridade e meios para fazê-lo), mas depois passou a negá-lo e chegou a denunciá-lo como "tentativa de golpe de Estado", em outra grave acusação ao STF, à Procuradoria da República e à imprensa.
Mais que a mutilação de sua imagem, o PT, para além do esperneio, exibe em público a frustração de constatar que, apesar de todas as tentativas, ainda não tem o poder total.
 Fonte: "Blog do Noblat"

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