Por J. R. Guzzo
E
se de repente, um dia desses, ficasse demonstrado por A + B que o grande
problema do Brasil, acima de qualquer outro, é a burrice?
Ninguém
está aqui para ficar fazendo comentários alarmistas, prática que esta
revista desaconselha formalmente a seus colaboradores, mas chega uma
hora em que certas realidades têm de ser discutidas cara a cara com os
leitores, por mais desagradáveis que possam ser.
É
possível, perfeitamente, que estejamos diante de uma delas
neste momento: achamos que a mãe de todos os males deste país é a boa
e velha safadeza, que persegue cada brasileiro a partir do minuto em que
sua certidão de nascimento é expedida pelo cartório de registro
civil, e o acompanha até a entrega do atestado de óbito, mas a coisa pode
ser bem pior que isso.
Safadeza
aleija, é claro, e sabemos perfeitamente quanto ela nos custa -
basicamente, custa todo esse dinheiro que deveria estar sendo
aplicado em nosso favor mas que acaba se transformando em fortunas
privadas para os amigos do governo, ou é jogado no lixo por incompetência,
preguiça e irresponsabilidade.
Mas
burrice mata, e para a morte, como também se sabe, não existe cura.
Ela está presente pelos quatro cantos da vida nacional. Um país que
tem embargos infringentes, por exemplo, é um país burro - não pode existir
vida inteligente num sistema em que, para cumprir a lei, é preciso
admitir a possibilidade de processos que não acabam nunca.
Também
não há atividade cerebral mínima em sociedades que aceitam como fato
normal trens que viajam a 2 quilômetros por hora, a exigência de firma
reconhecida, o voto obrigatório e assim por diante. A variedade a
ser tratada neste artigo é a burrice na vida política. Ela é
especialmente malvada, pois age como um bloqueador para as funções vitais
do organismo público - impede a melhora em qualquer coisa que precisa
ser melhorada, e ajuda a piorar tudo o que pode ser piorado.
A
manifestação mais maligna desse tipo de estupidez é a imposição, feita
pelo governo, e a sua aceitação passiva, por parte de quase todos os participantes da
atividade política brasileira, da seguinte ideia: no Brasil de hoje só
existem dois campos.
Um
deles, o do governo, do PT, da presidente Dilma Rousseff e do
ex-presidente Lula, é o campo do "bem"; atribui a si próprio as virtudes
de ser a favor da população pobre, da verdadeira democracia, da
distribuição de renda, da independência nacional e tudo o mais que possa
haver de positivo na existência de uma nação.
É,
em suma, a "esquerda".
O
outro, formado automaticamente por quem discorda do governo e dos seus
atuais proprietários, é o campo do "mal". A ele a máquina de
propaganda oficial atribui os vícios de ser a "elite", defender a volta da
escravidão, conspirar para dar golpes de Estado, brigar contra a
redução da pobreza e apoiar tudo o mais que possa haver de horrível
numa sociedade humana.
É,
em suma, a "direita".
O
efeito mais visível dessa prática é que se interditou no Brasil a
possibilidade de haver um centro na vida política. Ou você está com
Lula-Dilma ou vai para o inferno; "crê ou morre", como insistia a
Inquisição da Santa Madre Igreja.
Essa
postura é um insulto à capacidade humana de pensar em linha reta, que
continua sendo a distância mais curta entre dois pontos. O Brasil não
é feito de extremos; isso simplesmente não existe em nenhum país
democrático do mundo.
Abolir
o espaço para um centro moderado é negar às pessoas o direito de pensar
com aquilo que lhes parece ser apenas bom-senso, ou a lógica comum.
Por que o cidadão não poderia ser, ao mesmo tempo, a favor do Bolsa
Família e contra a conduta do PT no governo?
É
dinheiro de imposto; melhor dar algum aos pobres do que
deixar que roubem tudo. (O programa, aliás, foi criado por Fernando
Henrique; de Júlio César para cá, passando por Franklin Roosevelt, dar
dinheiro ou comida direto ao povão é regra básica de qualquer manual
de sobrevivência política.)
Qual
é o problema em defender a legislação trabalhista e, ao mesmo tempo, achar
que quem rouba deve ir para a cadeia? O que impediria alguém de ser a
favor do voto livre e contra o voto obrigatório? Nada, a não ser a burrice
que obriga todos a se ajoelharem diante do que o PT quer hoje,
para não serem condenados como hereges.
É
por isso que no Brasil 2013 Fernando Gabeira, Marina Silva e tantos
outros que querem pensar com a própria cabeça são de "direita", segundo os
propagandistas do governo. Já Paulo Maluf, José Sarney etc. são de
esquerda.
Vida
inteligente?
Fonte: Revista "Veja"
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