Por Marco Antônio
Villa
O gigante voltou a
adormecer. Seis meses depois das manifestações de junho, o Brasil continua o
mesmo. Nada mudou. É o Brasil brasileiro de sempre. Mais uma vez, os fatores de
permanência foram muito mais sólidos do que os frágeis fatores de mudança.
As instituições
democráticas estavam - e continuaram - desmoralizadas. Basta observar as
instâncias superiores dos Três Poderes. O Supremo Tribunal Federal chegou ao
cúmulo de abrir caminho para a revisão das sentenças dos mensaleiros.
Mais uma vez - e raramente
na sua história esteve na linha de frente da defesa do Estado Democrático de
Direito - cedeu às pressões dos interesses políticos.
O ministro Luís Roberto
Barroso - o "novato" - descobriu, depois de três meses no STF, que o volume de
trabalho é irracional. Defendeu na entrevista ao GLOBO que o Supremo legisle
onde o Congresso foi omisso. E que o candidato registre em cartório o seu
programa, o que serviria, presumo, para cobranças por parte de seus eleitores.
Convenhamos, são três conclusões fantásticas.
Mas o pior estava por vir:
disse que o país não aguentava mais o processo do mensalão. E o que ele fez? Ao
invés de negar a procrastinação da ação penal 470, defendeu enfaticamente a
revisão da condenação dos quadrilheiros; e elogiou um dos sentenciados
publicamente, em plena sessão, caso único na história daquela Corte.
O Congresso Nacional
continua o mesmo. São os "white blocs".
Destroem as esperanças populares, mostram os rostos - sempre alegres - e o
sorriso de escárnio. Odeiam a participação popular. Consideram o espaço da
política como propriedade privada, deles. E permanecem fazendo seus negócios...
Os parlamentares, fingindo
atentar à pressão das ruas, aprovaram alguns projetos moralizadores, sob a
liderança de Renan Calheiros, o glutão do Planalto Central - o que dizer de
alguém que adquire, com dinheiro público, duas toneladas de carne? Não deu em
nada. Alguém lembra de algum?
E os partidos políticos?
Nos insuportáveis programas obrigatórios apresentaram as reivindicações de
junho como se fossem deles. Mas - como atores canastrões que são - fracassaram.
Era pura encenação.
A poeira baixou e voltaram
ao tradicional ramerrão. Basta citar o troca-troca partidário no fim de
setembro e a aprovação pelo TSE de mais dois novos partidos - agora, no total,
são 32. Rapidamente esqueceram o clamor das ruas e voltaram, no maior
descaramento, ao "é dando que se recebe."
E o Executivo federal? A
presidente representa muito bem o tempo em que vivemos. Seu triênio
governamental foi marcado pelo menor crescimento médio do PIB - só perdendo
para as presidências Floriano Peixoto (em meio a uma longa guerra civil) e
Fernando Collor.
A incompetência
administrativa é uma marca indelével da sua gestão e de seus ministros. Sem
esquecer, claro, as gravíssimas acusações de corrupção que pesaram sobre vários
ministros, sem que nenhuma delas tenha sido apurada.
Tentando ser simpática às
ruas, fez dois pronunciamentos em rede nacional. Alguém lembra das propostas?
Vestiu vários figurinos, ora de faxineira, ora de executiva, ora de chefe
exigente. Enganou quem queria ser enganado. Não existe sequer uma grande
realização do governo. Nada, absolutamente nada.
As manifestações acabaram
empurrando novamente Luiz Inácio Lula da Silva para o primeiro plano da cena
política. Esperto como é, viu a possibilidade de desgaste político da
presidente, que colocaria em risco o projeto do PT de se perpetuar no poder.
Assumiu o protagonismo sem nenhum pudor. Deitou falação sobre tudo. Deu ordens
à presidente de como gerir o governo e as alianças eleitorais. Foi obedecido. E
como um pai severo ameaçou: "Se me encherem o saco, em 2018 estou de volta."
Seis meses depois, estamos
no mesmo lugar. A política continuou tão medíocre como era em junho. A pobreza
ideológica é a mesma. Os partidos nada representam. Não passam de uma amontoado
de siglas - algumas absolutamente incompreensíveis.
Política persiste como
sinônimo de espetáculo. É só no "florão da América" que um tosco marqueteiro é
considerado gênio político - e, pior, levado a sério.
A elite dirigente mantém-se
como o malandro do outro Barroso, o Ary: "Leva a vida numa flauta/ Faz questão
do seu sossego/ O dinheiro não lhe falta/E não quer saber de emprego/ Vive
contente sem passar necessidade/ Tem a nota em quantidade/ Dando golpe
inteligente."
Estão sempre à procura de
um "golpe inteligente." Mas a farsa deu o que tinha de dar. O que existe de
novo? Qual prefeito, por exemplo, se destacou por uma gestão inovadora? Por que
não temos gestores eficientes? Por que não conseguimos pensar o futuro? Por que
os homens públicos foram substituídos pelos políticos profissionais? Por que,
no Congresso, a legislatura atual é sempre pior que a anterior? Por que o
Judiciário continua de costas para o país?
Não entendemos até hoje que
a permanência desta estrutura antirrepublicana amarra o crescimento econômico e
dificulta o enfrentamento dos inúmeros desafios, daqueles que só são lembrados - oportunisticamente - nas campanhas eleitorais.
O gigante continua
adormecido. Em junho, teve somente um espasmo. Nada mais que isso. Quando
acordou, como ao longo dos últimos cem anos, preferiu rapidamente voltar ao
leito. É mais confortável.
No fundo, não gostamos de
política. Achamos chato. Voltamos à pasmaceira trágica. É sempre mais fácil
encontrar um salvador. Que pense, fale, decida e governe (mal) em nosso nome.
Marco Antonio
Villla é historiador
Fonte: "O Globo"
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