Por Augusto Nunes
Às
vésperas da posse no Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Roberto Barroso
disse a dois amigos dos tempos de estudante que nada faria em favor dos
condenados no julgamento do mensalão. A um deles, deputado federal e promotor
público licenciado, explicou que rejeitaria o exame dos embargos infringentes
para não adiar o desfecho de um processo que se arrasta com exasperante
lentidão desde agosto de 2007. A outro, advogado criminalista, alegou que não
se sentia à vontade para anular com seu voto as decisões de Ayres Britto, o
ministro que lhe coube substituir.
"O país e
o próprio Supremo estão fartos desse caso, é hora de virar a página",
argumentou Barroso na semana passada em mais um encontro com o amigo deputado.
Nesta quarta-feira, o ministro repetiu a frase para, depois de uma ligeiríssima
pausa, votar pela aceitação dos embargos infringentes, poupar os condenados de
temporadas na cadeia e prorrogar por tempo indeterminado o epílogo do maior
escândalo político-policial da história do Brasil. Figurões do governo federal
e mensaleiros condecorados sempre acreditaram que o caçula do STF não deixaria
de estender-lhes a mão. Nunca revelaram os motivos da previsão confirmada nesta
tarde. Devem ser bastante sólidas.
A mudança
de rota de Barroso reduziu a bancada contrária aos embargos infringentes a
cinco ministros. Formado desde sempre por Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar
Mendes e Marco Aurélio, o grupo foi encorpado recentemente por Celso de Mello.
Até dezembro passado, quando o STF anunciou as punições reservadas aos
mensaleiros, o decano do STF defendia a aceitação dos embargos infringentes.
Também em conversas com colegas de faculdade, Celso de Mello contou que as
circunstâncias especialíssimas do caso do mensalão o haviam aconselhado a mudar
de ideia.
Não se
tratava de um processo qualquer, ponderou. Durante anos, o STF acumulara provas
veementes de que lidava com o que o próprio Celso de Mello, em 22 de outubro de
2012, qualificou de "um dos episódios mais vergonhosos da história do nosso
país". Naquela sessão, depois de condenar José Dirceu por ter comandado o
esquema criminoso, o ministro não escondeu a perplexidade com o atrevimento dos
acusados:
"Em
mais de 44 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei um caso em que o
delito de formação de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado.
Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do Direito, um
estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum
desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo
espúrio por eles estabelecidos: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo
nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar,
transgredir, lesionar a paz pública".
Nas
conversas com ex-colegas de turma, Celso de Mello observou que, aos olhos da
sociedade, a aceitação dos embargos infringentes equivaleria à absolvição dos
culpados. Como fora ele o autor dos votos condenatórios mais contundentes,
seria difícil explicar duas decisões claramente conflitantes. É o que terá de
fazer se, confirmando as suspeitas provocadas por observações favoráveis ao
acolhimento dos recursos espertos, ajudar a livrar do merecidíssimo castigo
quadrilheiros que enquadrou, em dezembro de 2012, amparado em justificativas
que lavaram a alma do Brasil decente. Uma delas:
"Os
elementos probatórios expõem aos olhos um grupo de delinquentes que degradou a
atividade política. Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir
aqueles que não se mostraram capazes de exercer com honestidade e interesse
público".
Na
prática, 11 fora-da-lei condenados por envolvimento na roubalheira colossal
estão a um passo de escapar do acerto de contas com a Justiça. Já socorridos
por Roberto Barroso, Rosa Weber, Teori Zavascki e Dias Toffoli, sabem que nunca
lhes faltará o ombro companheiro de Ricardo Lewandowski, e contam com a
solidariedade de Cármen Lúcia. Animados com os acenos de Celso de Mello,
contemplam o decano com o deslumbramento de quem testemunha uma aparição de
Nossa Senhora.
Se Carmen
Lúcia e Celso de Mello virarem as costas ao Brasil decente, o julgamento vai
recomeçar do zero, talvez com um relator menos obediente ao Código Penal e com
um tribunal deformado pelo Planalto com a infiltração de gente de confiança.
Nessa hipótese, os condenados de dezembro passado serão beneficiários da
clemência cúmplice dos juízes, de mecanismos que reduzem penas, da prescrição
de prazos e da infinita imaginação de chicaneiros juramentados. Alguns jamais
saberão o que é dormir num catre. Outros se safarão depois de alguns meses de
prisão provisória. E os deputados meliantes continuarão exercendo ao mandato,
com direito ao tratamento de Vossa Excelência.
Doze anos
depois do 11 de Setembro de 2001, alvejado por palavrórios do pelotão da toga,
o Estado Democrático de Direito ainda em construção está ameaçado por profundas
rachaduras. Dois juízes podem salvá-lo da implosão.
Fonte: "Direto ao Ponto"

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