Por
Reinaldo Azevedo
A cineasta Tata Amaral decidiu fazer um filme sobre
a vida de José Dirceu. Deve se chamar "O Vilão da República". Em conversa com
jornalistas - ela também é blogueira do
Estadão - Tata mantém uma conversa de documentarista decorosa. Na VEJA São Paulo, encontramos estas palavras da
artista: "Ele foi líder estudantil, viveu na clandestinidade, ajudou a
fundar um dos maiores partidos da América Latina, foi ministro e se transformou
em um vilão. É uma história interessantíssima. O filme é uma investigação isenta." Na Folha de hoje, lá está Tata, que disse
o seguinte por e-mail: "A ideia é acompanhar a intimidade deste
personagem controverso num momento importante de sua vida".
Curioso! Na revista, afirmava há mais de uma semana: "A ideia
é acompanhar a intimidade do personagem controverso num momento importante de
sua vida".
Entendi. Parece que ela redigiu um release.
Prevendo que poderia ter alguma dificuldade para improvisar uma defesa de sua
obra, resolveu apelar a uma resposta pronta. "Personagem controverso", como
vocês sabem, é pau pra toda obra. Hitler e Jesus Cristo foram controversos.
Gandhi e Mao Tse-Tung foram controversos. O seu Manuel da Padaria é,
certamente, um homem controverso. Controverso era o czar naturalista da "Anedota Búlgara", de Drummond, que caçava homens e achava um absurdo que se
pudessem caçar borboletas…
Mas será Tata tão isenta assim? Na quinta-feira,
a cineasta estava presente ao convescote no salão de festas do prédio do chefe
da quadrilha. Lá se reuniam as famílias do herói, alguns amigos, o chefão do
MST, o da CUT etc e tal.
Acho na Internet um relato daquele encontro,
feito pela dirceuzista fanática e pragmática Hildegard Angel, que tem um a
página na Internet. Num post desta madrugada, com uma habilidade muito
característica, ela faz um elenco de supostos erros judiciais havidos no
Brasil. Entre outros, Dirceu é comparado a Tiradentes… Tá! É ali que leio um relato feito
por esta senhora sobre aquele evento de quinta passada. Tata distribuía
autorizações de uso de imagem aos presentes - sinal de que poderão estar no seu
filme. E Hildegard reproduz as palavras da cineasta isenta. Assim (em
vermelho):
A diretora de cinema Tata Amaral fez uma preleção
sobre seu filme "O grande vilão", um documentário sobre esse período da vida de
Dirceu, "o homem mais perseguido da
história da República", e distribuiu termos de autorização de
uso de imagem para que os presentes, que assim o desejassem, assinassem. Pelo
que percebi, todos assinaram.
Como se nota, a personagem já deixou de ser
controversa. Dirceu já rompeu os umbrais de Cristo, Gandhi ou do seu Manuel da
padaria. Na intimidade, lá na turma deles, lá entre os iguais, lá na República
petista, ela pode largar o verbo: "O homem mais perseguido da
história da República". Nada menos! Imaginem a isenção que terá o
filme desta senhora.
Até aí, problema dela! Tem o direito de cantar
as glórias de quem quiser. O problema é que, se for bem-sucedida, vai fazer
isso com o nosso dinheiro. No final do mês passado, a Agência Nacional de
Cinema (Ancine) deu autorização para a cineasta captar R$ 1,53 milhão pela Lei
Rouanet para tocar a obra. Isso quer dizer que grana de renúncia fiscal será
usada para financiar a hagiografia cinematográfica de dona Tata. O filme
sobre a vida de Lula foi um tiro n'água. Por que razão ela acha, além de
confiar em seus próprios dotes artísticos, que o de Dirceu será um sucesso? Vai
ver ela nem pensa nisso e está mesmerizada é pela grandeza de servir - e com
Lei Rouanet!
É um acinte! É um escândalo! É um vexame! Ainda
que o STF escolha o caminho da desmoralização e acate os embargos infringentes,
uma das condenações de Dirceu é irrecorrível: corrupção ativa. Mesmo assim,
Tata Amaral quer levar a sua saga ao cinema com o dinheiro dos desdentados, dos
sem-médico, dos sem-casa, dos sem-esgoto, dos sem-mobilidade…
Jamais, leitor, jamais imagine que eles chegaram
ao limite. Sempre estão na véspera de um opróbrio maior.
Opróbrio? Reproduzo o Houaiss:
1 grande desonra pública; degradação social; ignomínia, vergonha, vexame
2 caráter daquilo que humilha, degrada; estado ou condição que revela alto grau de baixeza, torpeza; abjeção, degradação
3 ação ou dito que desonra, avilta, revela falta de apreço ou consideração; afronta, desprezo
1 grande desonra pública; degradação social; ignomínia, vergonha, vexame
2 caráter daquilo que humilha, degrada; estado ou condição que revela alto grau de baixeza, torpeza; abjeção, degradação
3 ação ou dito que desonra, avilta, revela falta de apreço ou consideração; afronta, desprezo
Vamos ver quantos ministros do Supremo deverão
estar na primeira fileira no dia da avant-première.
Para arrematarO filme é uma afronta ao Supremo, sim. É claro que os cineastas podem exaltar quem lhes der na telha, mas que seja com o seu dinheiro e o de financiadores privados, que não vão mandar as contas para o povo. É inaceitável que recursos públicos sejam usados para cantar as glórias de um condenado. Trata-se de um acinte, de uma provocação. Mais um pouco, e os ministros do Supremo estarão sendo tratados a tapas e pontapés. Aliás, esse filme, com essa fonte de financiamento, já vale por um tapa da cara do tribunal.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"

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