Por Reinaldo Azevedo
Quem não sabe para onde vai
nunca erra o caminho. É o caso do governo Dilma. Reportagem de Ana Clara Costa
publicada na VEJA.com sobre o programa do governo para a construção e reforma
de aeroportos regionais é impressionante. Corrijo-me: não é exatamente um "programa". Está em curso um misto explosivo de voluntarismo, ignorância e
irresponsabilidade com o dinheiro público.
Dilma decidiu sair
construindo aeroportos por aí. A iniciativa envolve municípios e estados, que não
foram ouvidos - um hábito na gestão da governanta. Pra quê? Nem a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) conseguiu dar um pitaco. Nos bastidores, gente do
próprio governo aponta o despropósito, mas quem se atreve a contestar? Leiam a
reportagem.
Em um país sério, qualquer
plano de investimentos elaborado pela Presidência da República que envolva a
participação de estados, municípios e empresas privadas é amplamente discutido
e ajustado com as partes envolvidas, antes de ser divulgado. A sensatez nos gastos
públicos dita que o dinheiro da população não pode ser despejado a rodo em
obras de infraestrutura que correm o risco de se tornar inúteis. Mas não no
Brasil. Exemplo de tal prática é o pacote de investimentos no setor
aeroportuário anunciado pela presidente Dilma Rousseff pouco antes do Natal. O
plano prevê o aporte de 7,3 bilhões de reais em recursos do Fundo Nacional de
Aviação Civil (Fnac) para turbinar 270 aeroportos pequenos, que servem cidades
com população inferior a um milhão de habitantes. Um olhar mais detalhado sobre
o projeto descortina erros e indícios de mau planejamento. Há cidades pequenas,
com menos de 100 mil habitantes, que receberão recursos para reformar seus
aeroportos - e que ficam separadas por distâncias inferiores a 50 quilômetros
de outros municípios também beneficiados pelo pacote do governo.
A distância mínima sugerida
entre dois aeroportos em áreas que possuem demanda média de passageiros é de
100 quilômetros, segundo normas da Comissão Europeia que são adotadas por
grande parte dos países. Em locais de difícil acesso rodoviário, sem pavimento
ou estradas, o regulamento europeu admite uma distância de 75 quilômetros.
Porém, no plano elaborado pelo governo, municípios de pouca relevância
econômica e próximos de metrópoles já servidas por grandes aeroportos passarão
a ter aeródromos aptos à operação de voos regulares. A expectativa do Palácio
do Planalto é de que a existência de um aeroporto seja suficiente para trazer
desenvolvimento a regiões carentes de infraestrutura. "Efetuamos uma análise de
cobertura territorial para mais de 94% da população brasileira. Fizemos
consultas ao Ministério do Turismo, IBGE, governo e empresas aéreas. O objetivo
é beneficiar a população", afirmou o secretário-executivo da Secretaria de
Aviação Civil (a SAC), Guilherme Ramalho.
Contudo, as coisas não
ocorreram exatamente assim. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão
que regula o setor e dispõe de conhecimento técnico para abastecer a SAC,
sequer participou da elaboração do plano. As companhias aéreas foram avisadas
menos de uma semana antes da divulgação do pacote. Elas foram chamadas a
Brasília para uma reunião com membros da Casa Civil, da SAC e, em alguns casos,
até mesmo com a presença do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin - que
tem funcionado como uma espécie de "banqueiro" do Palácio do Planalto,
financiando a maior parte dos pacotes de bondades da gestão petista. Durante a
reunião, as empresas apenas ouviram dos interlocutores da presidente que
haveria um pacote para estimular a aviação regional. Seus executivos não foram
convidados a opinar, dar contribuições ou manifestar qualquer interesse nos
destinos que seriam beneficiados pelo governo. "O governo não pré-define rotas.
Vamos prover infraestrutura para que elas sejam criadas. O plano é fomentar
voos para localidades ainda não atendidas", afirmou Ramalho.
O governo sustenta a tese de
que a descentralização da economia garantirá o sucesso dos aeroportos. A crença
no fato de empresas migrarem dos grandes centros em direção a cidades médias em
busca de mão de obra barata e menores custos é o argumento utilizado para
explicar a escolha de cidades como Lages, em Santa Catarina, como destino de
recursos do pacote. Com cerca de 160 mil habitantes, o município está a 32,8 quilômetros
de distância de Correia Pinto - outro local que receberá dinheiro público para
seu aeródromo. Correia Pinto tem 14 mil habitantes. "Essa tese do
desenvolvimento regional é uma falácia. É como se o deslocamento dos
investimentos para cidades de porte médio e pequeno fizesse com que os
aeroportos, da noite para o dia, se tornassem estruturas essenciais", afirma um
interlocutor do governo que preferiu não ter seu nome citado.
O site de VEJA conversou com
funcionários de órgãos envolvidos na elaboração do plano – e, mesmo dentro
governo, poucas são as vozes que não têm restrições ao pacote. "Essas medidas
ignoram aspectos técnicos. É como distribuir uma infinidade de impressoras sem
a menor garantia de que haja cartuchos para que elas sejam usadas. É a ideologia
que se sobrepõe à razão", afirmou uma das fontes. O governo parece
desconsiderar que, depois de prontos, tais aeroportos terão de ser geridos por
prefeituras e estados - e poderão se converter em fardo, caso não sejam
lucrativos. "A construção ou reforma de um aeroporto é o menor problema. O mais
caro é a manutenção e a operação. Se o plano não prevê um aeroporto que se
sustente, alguém tem de pagar essa conta", afirma o consultor de aviação João
Eduardo Tabalipa.
O governo de Minas Gerais,
que desde 2003 executa seu próprio programa aeroportuário (o ProAero), destacou
que alguns aeroportos contidos no pacote do Governo Federal já estão sendo
ampliados ou reformados pelo Estado - o que mostra o nível superficial de
conversas entre as duas esferas na elaboração do plano. Há cerca de duas
semanas, o governador Antonio Anastasia (PSDB-MG) anunciou mais 235 milhões de
reais para o ProAero e ainda afirmou que tentará ajustar melhor a lista de
aeroportos mineiros que constam no pacote. A ideia é direcionar os recursos
liberados pelo Fnac para aeródromos que não estejam sendo reformados pelo
programa estadual de investimentos.
O Governo Federal ainda não
detalhou como tornará os aeroportos atrativos para as companhias aéreas
nacionais. Afirmou, sem dar muitos detalhes, que subsidiará tarifas
aeroportuárias e, até mesmo, assentos em voos, como forma de incentivá-las.
João Eduardo Tabalipa se junta ao outros especialistas do setor que enxergam a
medida como uma forma de protecionismo que poderá, em vez de beneficiar,
dizimar as empresas de aviação. "Muitos acreditam que as companhias aéreas
brasileiras, como a Varig, não sobreviveram justamente por causa disso. Havia a
obrigatoriedade de ter rotas regionais e os subsídios prometidos nem sempre
chegavam".
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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