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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"Ponto de Ruptura", por Tuna Espinheira


André Setaro postou nesta segunda-feira, 16, em seu "Setaro's Blog":
Tuna Espinheira acaba de concluir as filmagens de Leonel Mattos em vinte e quatro quadros por segundo, um curta documentário sobre o artista, cujo roteiro foi premiado em concurso recente. Mas, antes das filmagens, leu "O Ponto de Ruptura" (ilustração), romance de Stephen Koch (Difel, 2008), e ficou impressionado com certas revelações contidas no livro. Entre elas, a revelação de que o famoso documentarista holandês Jori Ivens fora agente stalinista. Trata-se de um dos maiores cineastas de todos os tempos e, na área do documentário, talvez tenha sido o maior, a superar, inclusive, Robert Flaherty (na minha opinião). Espinheira escreveu uma resenha sobre o livro que tomo a liberdade de publicá-la.
"A agônica Guerra Civil na Espanha é o grande cenário. O misterioso sumiço de José Robles, tragado pela teia sinistra armada por Stalin, é o pivô da discórdia que corrói e destrói a amizade siamesa entre Hemingway e Dos Passos. Estes dois escritores, figuras que já gozavam de fama e reconhecimento pela sua arte. Sendo que, Dos Passos chegava a ser citado e nivelado a James Joyce, o Papa da literatura, naqueles dias em que o incêndio nas plagas de Espanha comovia e atraia idealistas de todo mundo para suas trincheiras na resistência ao avanço das tropas faschistas do generalíssimo Franco.
Alguns personagens, gente de carne e osso, são coadjuvantes importantíssimos no desenrolar do enredo, dentre estes, o mítico documentarista holandês: Joris Ivens. Surpreendentemente retratado como um apparatchik, ou seja, um ativo e coroado agente do Comintern, para assuntos ligados a arte e cultura até onde, também, Stalin estendia os seus tentáculos.
Ivens, além do enorme talento na captação de imagens; era destacado e admirado pelo desassombro e coragem pessoal nos inúmeros contratos de risco como um metteur- en-scène, normalmente no calor da hora, exposto aos perigos, sobretudo nos conflitos de guerra, exatamente iguais aquela missão cinematográfica, em parceria com os dois notáveis norte-americanos. Possuía aquele holandês um carisma hipnótico. Arma esta que soube usar com maestria para ganhar a confiança dos parceiros. Hemingway, aventureiro, caçador, familiarizado com o perigo, estava à vontade naquela praça de guerra. Em várias cenas relatadas o vemos em meio ao fogo cerrado, impassível diante de bombardeios. Dos Passos era um ardoroso admirador da pátria de Cervantes e sua gente, fora apresentado àquela terra justamente pelo amigo Robles, com ele aprendera a decifrar o jeito de ser e a alma espanhola.
Escritor engajado, familiarizado com as hostes esquerdistas. Naqueles dias tumultuosos ele procurava saber, em vão, do paradeiro do amigo que fora aprisionado por uma milícia que não deixara rastro que desse as pistas dos mandantes daquele seqüestro. Desesperado por informações, onde quer que fosse, ouvia mentiras e palavras cínicas.
Numa trama macabra, vai caber a Hemingway, informado por uma amiga comum aos dois, esta uma apparatchik militante devota do Comintern, (os dois, então amigos, desconheciam esta faceta, e, provalvelmente, nunca viriam a saber) contar a Dos a notícia do fuzilamento de Robles com a acusação de traidor da revolução. O pior de tudo é que o autor do Velho e o Mar, passaria a acreditar nesta história infamante, um enredo típico da malha criminosa de Stalin.
Como os personagens, como já foi dito, eram verdadeiramente de carne e osso e a história e estórias pertenciam a fatos vividos. O autor, cioso da verdade do lastro histórico, mexendo nos cordéis, conseguiu aglutinar aqueles acontecimentos narrados com a luminosidade de um estilista, e, como não poderia deixar de ser, com o tempero de uma certa licença poética, numa saga com uma grata estrutura do gênero romance, eivado de suspense, drama, diálogos convincentes, brilhante radiografia psicológica dos personagens que, como visgo, prendem o leitor da primeira a última página.
O filme "Terra e Liberdade", de Ken Loach, produzido em 1995
(“este cineasta inglês renovou o cinema britânico na segunda metade do século passado”, informação do crítico André Setaro), já havia, de forma contundente, descrito ao longo das suas belíssimas seqüências, o desserviço do ditador russo, na Guerra Civil da qual estamos falando.
O filme é guiado por um personagem que se alista no POUM, uma sigla que aglutina guerreiros, comandados por Andreu Nin, que não seguiam a cartilha do Kremlin. Dos Passos entrevistou este comandante. Pouco tempo depois ele seria seqüestrado, torturado, e fuzilado sumariamente, pelos stalinistas. O POUM contou em suas fileiras com o George Orwel, exatamente aquele que mais tarde iria escrever um livro emblemático, '1984'. Ele esteve com Dos Passos quando este se preparava para sair da Espanha. Orwel, recuperando-se de sérios ferimentos em batalha, já era um homem desiludido e conhecedor do ninho de serpentes que era o stalinismo. 1984 tem tudo a ver com o 'circo de horrores stalinista'.
Tanto o livro, 'O Ponto de Ruptura', como o filme, de Ken Loach, são peças obrigatórias para quem se interessa pela gloriosa luta da Guerra Civil Espanhola, que mexeu com corações e mentes de muitos e muitos, redundando num trágico desfecho.
Hoje sabe-se que Stalin, depois de destroçar o POUM, não demorou em ordenar a retirada dos soldados russos e seus armamentos, entregando a Espanha ao famigerado generalíssimo Franco. Consta que, Stalin, à guisa de uma explicação, teria perpetrado esta jóia de humor negro: 'Ordenei a retirada das forças russas convicto que Hitler faria o mesmo com as forças alemãs'... Vade retro...
Leiam o livro, vejam o filme..."
Tuna Espinheira é cineasta, roteirista, autor de mais de uma dezena de curtas metragens e do longa "Cascalho", adaptação do livro homônimo de Herberto Salles.

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