Na Gazeta Mercantil desta sexta-feira, 26, uma resenha do livro "O País dos Petralhas", de Reinaldo Azevedo, publicada pelo jornalista Augusto Nunes, que vale a pena ser lida:
O xerife que não rejeita um duelo
Um paulista de Dois Córregos resgatado da seita trotskista por um professor de filosofia criado pelo francês Jean-Paul Sartre já seria uma figura muito interessante se a história parasse por aí. Foi só o começo. O marco zero do caminho que conduziria o jornalista Reinaldo Azevedo ao topo do ranking dos polemistas brasileiros. “Há anos que sou livre à toa”, diz numa página de A Idade da Razão o personagem Mathieu Delarue. Endereçada a um amigo, a frase entrou pelos olhos do jovem comunista já instalado em São Paulo (“Todos têm direito a uma bobagem na vida”, justifica-se) e ali ficou até que se consumasse a conversão. “ Eu era todo engajado, sim — mas queria isso: ser livre à toa”, conta o autor de O País dos Petralhas, coletânea de textos publicados no jornal O Globo e no blog mais movimentado do Brasil.
Sorte de Reinaldo Azevedo, hoje um dos raríssimos intelectuais indiscutivelmente livres. Pensa com independência, traduz sem medo o que pensa em textos sempre impecáveis, conta o caso como o caso foi, descreve as coisas como as coisas são. Azar de Sartre, que entrou na alça de mira do antigo leitor ao se tornar, nos anos 60, um “lacaio intelectual do stalinismo”. A paixão pela verdade proíbe Reinaldo de absolver pecadores mortos. Mas o polemista vocacional prefere guardar as pancadas mais fortes para os muito vivos. Como os grandes boxeadores, grandes polemistas pouco se importam com o primeiro golpe, que abre o combate. Importante é o último, que o encerra.
Lutadores excepcionais combatem por destino e, sobretudo, por prazer. Seja qual for o adversário, Reinaldo não perde o humor, nunca se exalta, não perde a lucidez, é sempre mais ágil, saca primeiro e dispara por último. Especializou-se em desequilibrar oponentes antes de nocauteá-los. É um craque da ironia fina. Mas domina todos os estilos e parece à vontade em qualquer terreno, com qualquer arma. Rebate argumentos com ensaios brilhantes, repele agressões com deboches devastadores, devolve grosserias pinçando o termo exato no repertório assimilado no sertão paulista. Entre um “vagabundo” e um “imbecil” muito pertinentes, cintilam parágrafos exemplarmente refinados, citações oportuníssimas e preciosidades de fabricação caseira.
Uma delas: “Por aqui, nem banco de praça passa incólume ao crivo da `isenção´: se for feito para sentar, não para deitar, ganha a pecha de `antimendigo´, o que faz supor um banco filomendigo, certo?”. Outra: “Crescer é ter direito a preconceitos. Não gosto de aviões, comida japonesa, comunistas, jazz, solo de saxofone, presidentes semi-analfabetos, especialista em vinhos, pão com gergelim e gente que faz passeata pela paz". Como informa o título do livro, tampouco simpatiza com Lula e seus devotos. “Tudo o que é bom para o PT é ruim para o Brasil", vai logo avisando na primeira linha do livro. As 337 páginas seguintes explicam por quê.
Contempla com desdém o espetáculo da cólera protagonizado por militantes petistas indignados com seus textos (15 por dia, em média). Recomenda serenidade à multidão de admiradores que exageram nas mensagens de solidariedade. “Defendo o respeito à Constituição, o cumprimento das leis e o regime democrático”, resume. Reinaldo sabe que, na pátria da impunidade, quem faz isso vive perigosamente.
Guimarães Rosa, aliás, não foi o primeiro a escrever isso, informa no meio de um duelo. Riobaldo só traduziu o que dissera, muitos anos antes, um personagem de Virginia Woolf. Foi uma lição ao oponente. E outro nocaute.
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