Na "Revista da História da Biblioteca Nacional",
edição especial nº 100, de janeiro, o artigo "Moça independente", que
segue abaixo
Moça independente
Insubordinada desde nova, Maria Quitéria se vestiu com o uniforme do cunhado para lutar pela independência na Bahia
Por Ronaldo Pelli
Maria Quitéria retratada na pintura de Domenico Failutti (1872-1923) Fundação
Biblioteca Nacional
"Maria de
Jesus é iletrada, mas viva. Tem a inteligência clara e a percepção aguda. Penso
que, se a educassem, viria a ser uma personalidade notável. Nada se nota de
masculino nos seus modos, antes os possuía gentis e amáveis. (...) Nada notei
de peculiar no seu procedimento à mesa, (...) e que fume um cigarro após cada
refeição. No mais, muito moderada". Assim a escritora inglesa Maria Graham,
tutora das filhas de D. Pedro I, descreveu uma das maiores heroínas do Brasil.
Uma mulher que já foi chamada várias vezes de Joana D'Arc brasileira. Uma
guerreira que lutou pela independência e se transformou em nome de ruas no
Brasil inteiro: Maria Quitéria.
A
declaração da Maria inglesa sobre a sua xará, nascida em 27 de julho de 1792 em
um sítio em Cachoeira, na Bahia, aconteceu já depois de a Maria baiana ficar
famosa. Filha de Quitéria Maria de Jesus e Gonçalo Alves de Almeida, a menina
ficou órfã de mãe aos 9 anos. O pai se casou mais duas vezes, e a segunda
madrasta deixava claro que não gostava do jeito “independente” da menina. Era
bonita, sabia montar, caçar, manejar armas de fogo e, petulância, dançava
lundus com os escravos. Não podia.
Essa
semente de liberdade brotou em setembro de 1822. No dia 6, um mensageiro do
Conselho Interino do Governo da Província foi à fazenda de Gonçalo para pedir
voluntários da causa da independência. O pai de Maria Quitéria lamentou não ter
filhos homens na idade de lutar, mas Maria Quitéria se ofereceu. O pai a
censurou: as mulheres são feitas para fiar, tecer, bordar. Não Maria Quitéria.
Fugiu
de casa, pegou a farda do cunhado e se apresentou como soldado Medeiros no
Regimento de Artilharia. Semanas depois, foi descoberta, porque o pai a estava
procurando. Transferida, então, para o outro batalhão, seu uniforme agora era
personalizado: tinha um saiote.
Já
em fevereiro de 1823, mostrou bravura. No confronto em Itapuã, invadiu a
trincheira inimiga e fez vários prisioneiros. Em abril, na barra do Paraguaçu,
avançou mar adentro junto com outras mulheres, com a água na altura dos seios,
e impediu o desembarque de uma tropa portuguesa. Em 2 de julho, o Exército
Libertador entrou em Salvador, aclamado. Houve homenagens aos comandantes e a
Maria Quitéria de Jesus.
Por
conta de sua atuação, foi recebida pelo imperador Pedro I - quando se encontrou
com Maria Graham - ganhando a insígnia imperial da Ordem do Cruzeiro. Até
morrer, em 1853, pobre e quase cega, recebeu um soldo de alferes. Além das
homenagens, Pedro I ainda tentou ajudá-la nos assuntos domésticos. Enviou uma
carta ao seu pai, Gonçalo de Almeida, pedindo que ele a perdoasse. Não é fácil,
mesmo, ter uma filha guerreira em casa.
SAIBA MAIS:
SCHUMAHER,
Schuma & BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário
Mulheres do Brasil - de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2000.
SOUZA,
Bernardino José de. Heroínas baianas.
Lisboa: Paralelo Editora, 1972.
VAINFAS,
Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil
imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
NOTA DO BLOG DEMAIS
O autor diz: "em um sítio em Cachoeira". Podia informar mais
que Maria Quitéria nasceu no sítio do Licurizeiro, propriedade no Arraial de
São José das Itapororocas, na comarca de Nossa Senhora do Rosário do Porto de
Cachoeira, atual município de Feira de Santana, Bahia.
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