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domingo, 22 de janeiro de 2023

Os ladrões de flores


Ilustração de Aimee Resende, artista plástica de Sergipe

Por Jailton Batista

Eles formam um casal quase perfeito, porque chegaram à velhice num estado de alegria e cumplicidade raro de achar em tempos tão frívolos como os que correm.

Aposentados, gastam seu precioso tempo jogando cartas com os amigos, viajando e cozinhando - ela é uma chef especial na cozinha, com seus pratos ancestrais: sabores e aromas que assaltam a memória do Líbano, terra dos seus antepassados. Fazem isso sem pressa, com uma alegria quase juvenil.

Nos últimos anos, já libertados das amarras, convenções sociais e sem as preocupações de qualquer censura, encontraram um outro hobby singular, um jeito prazeroso de colorir a vida e preenchê-la de aventura e vivacidade, como se fossem adolescentes que só pela adrenalina, pelo risco e pelo perigo escalam o muro para roubar frutas no quintal alheio.

Ele se chama Júlio César, é alto e forte como um imperador que carregasse seu império nas costas: mesmo velho, não se dobra. Insiste em manter-se altivo, empertigado e ágil.

Ela se chama Aidelina e tem o olhar atento de quem enxerga longe flores no deserto. Pois bem, sem mais delongas, é hora de revelar o que esse singelo casal faz de tão prosaico: ambos são exímios ladrões de flores na cidade de Goiânia.

Calma aí: não assaltam floriculturas, não usam arma de fogo e nem transpõem muros alheios, naturalmente. Com seu olhar aguçado, o casal descobre durante o dia canteiros públicos, praças floridas, alpendres privados ao alcance das mãos, jardins de prédios viáveis ou qualquer lugar onde vicejam e florescem plantas ornamentais.

E a noite, já com tudo devidamente mapeado e roteiros traçados, se lançam ao florido mundo do crime. Colhem à mancheia os mais belos exemplares de plantas e flores que a natureza produz como um presente de Deus.

De dia, como inocentes transeuntes a perambular pela cidade, passeiam em praças, alamedas, boulevares e recantos onde o bom gosto enfeita a vida com flores.

À noite, quando a paz e o silêncio vão se apossando das ruas, eles, sorrateiros, se põem em ação. Armados de tesoura, afiados objetos cortantes e barbantes, colhem ramalhetes e buquês espetaculares, com os quais decoram majestosamente cada canto da casa e fazem sorrir a vida naquele lar cheio de vida longa.

Aprenderam a se livrar dos olhos vigilantes de guardas e porteiros e dos cães. Agem em dupla e nunca foram apanhados pelas vítimas dessa doce rapinagem. Enquanto ele varre a área com os seus olhos acutilantes para não serem flagrados, recomendando o melhor momento de agir, ela atua direto no corte das flores, até porque é da mulher um certo e exato dom da estética, da delicadeza e da beleza.

Após o ato consumado, entram em seu automóvel e escapam da cena do crime em alta velocidade, às vezes deixando pétalas na calçada como vestígios do crime, porque, como se sabe, não há crime perfeito.

Amam e se deleitam com os antúrios, lírios, begônias, roseiras, mas a preferida mesmo é o bastão do imperador em suas variadas tonalidades: vermelho carmim, cor de sangue, cor de porcelana, roseado e outros tons degradês que ganham a depender do adubo, da umidade e do amor de quem o cultiva.

A predileção pelo bastão do imperador talvez seja em homenagem ao seu Júlio César, o imperador que de fato reina em seu coração há seis décadas.

Eles praticam esses belos furtos geralmente uma vez a cada 15 dias, quando as flores roubadas começam a perder o viço, a pujança, o brilho e o perfume, posto que já é hora do renovo e de sentir a sensação juvenil de uma nova peraltice que depois será compartilhada, às gargalhadas, com os amigos muito íntimos.

Afinal, que sentido teria se não pudessem contar esse pequeno e florido crime? Dia desses, recebi deles uma mensagem no telefone com uma bela fotografia de um jarro florido sobre uma bancada e cujo espelho na parede duplicava a beleza, destacando a exuberância das flores do monarca.

Abaixo da imagem bucólica, uma legenda impagável, e que, pelo lirismo que carregava, preencheu minha tarde de humor: "Acabamos de roubá-las!".

Jailton Batista fez Ciências Sociais na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), foi secretário de Cultura desta cidade, atuou por mais de 30 anos como executivo da indústria farmacêutica brasileira, é jornalista, escritor e fazendeiro em Andaraí, na Chapada Diamantina.

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