Por
Percival Puggina
Antigamente, nas aulas de língua portuguesa,
estudavam-se sinônimos e antônimos. Os sinônimos eram chatos, repetitivos como
certos discursos. Responder corretamente aos exercícios de sinônimos implicava
um esforço dos neurônios para encontrar outras maneiras de dizer a mesma coisa. "Quem se pode interessar por algo tão inútil?", pensava eu. Já com os antônimos
as coisas não se passavam assim. Os antônimos eram divertidos, envolviam um
antagonismo frontal, curto e certo. A professora dizia uma palavra e a gente a
contrariava. Mesmo que ela reservasse os melhores vocábulos para si, era
engraçado responder "burrice" quando ela proclamava "inteligência". Dona Elvira
dizia "estudar", eu respondia "vagabundear" e a turma caía na gargalhada.
Suponho que os exercícios de antônimos
tenham, de algum modo, contaminado a minha geração. Emitimos, ao longo das
décadas, fortíssimos sinais de que nos comprazemos em fazer tudo pelo avesso,
como se a vida fosse uma camiseta "descolada". Organizamos a vida nacional, em
quase tudo que importa, pelo inverso do que é certo. Luciano Huck, de tanto
distribuir caminhões com prêmios em bairros pobres, já dá entrevista como
presidenciável. Há eleitores convencidos de ser isso o que políticos devem
fazer em âmbito nacional. E há congressistas, nestes dias, querendo fazer o
mesmo com o dinheiro do Orçamento. Mas pergunto: você já assistiu uma coisa
dessas fora da América Latina, em país bem organizado?
Bolsonaro quer o antônimo dessa regra. A estrita
confiança em seu Posto Ipiranga o fez reconhecer que essa é uma das causas da
baixa eficiência dos investimentos públicos quando passam pelas mãos dos
políticos. O dinheiro é arrecadado nos municípios e nos estados, em penitente
silêncio dos cidadãos, e segue para Brasília. Lá circula, todo dia, uma espécie
de versão luxuosa do caminhão do Huck, sustentando favores eternos, cardápios,
mordomias, plano de saúde para filhos marmanjos de 30 anos, e tonifica a
maioria parlamentar. Quem, na base da pirâmide dos contribuintes, recebe algo
em retorno (quando retorna), vê seu dinheiro chegar enxugado e apoucado, ao som
das trombetas eleitorais.
Sob o ponto de vista institucional, federativo,
político e jurídico construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para
baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio
da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas
deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as
demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em resumo, a União só age
naquilo que os Estados não possam agir, estes só atuam naquilo para que os
municípios estejam incapacitados de atuar e, dentro do município, a prioridade
das iniciativas flui, pela mesma regra, até o cidadão.
O princípio da subsidiariedade, portanto, é um
princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua
liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece - e estabelece bem - a
ordem das competências. É um princípio político porque delimita - e delimita
bem - a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar - e organizar bem - as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do
dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo
de modo a fazer parcerias com a sociedade.
Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário
disso tudo e ouvir as loas da imprensa à "autonomia do Legislativo". E (mais
absurdo de tudo), elites políticas aplaudirem o retorno, em poucos frascos e
muita publicidade, da dinheirama que parte embarcada em contêineres. Clap,
clap, clap!
Percival
Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas
de jornais e sites no país. Autor de "Crônicas Contra o Totalitarismo", "Cuba, a Tragédia da Utopia", "Pombas e Gaviões", "A Tomada do Brasil". Integrante do grupo
Pensar+.
Fonte:
http://www.puggina.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário