Por JR Guzzo
O Brasil está divido por uma guerra cada vez mais
aberta, indigna e agressiva entre dois países. Na verdade, só um país move essa
guerra; o outro, sem defesa, apenas sofre as misérias que vêm dela.
Basicamente, o país agressor, que se recusa a qualquer trégua, é o Brasil onde
habitam, prosperam e mandam os membros das nossas "instituições". O país
agredido é aquele onde você, e cerca de 200 outros milhões de brasileiros, têm
de trabalhar todos os dias para viver e sustentar suas famílias; sua única
função, para o outro Brasil, é pagar impostos que vão sustentar cada um dos
seus confortos, necessidades e caprichos. Neste ano de 2020, antes da epidemia,
estava previsto que o total a ser pago seria de 3,4 trilhões de reais - isso
mesmo, trilhões, arrancados do seu bolso a cada chamada de celular, cada litro
de gasolina comprado no posto, cada real que você ganha, num arco que só acaba
no infinito.
A última agressão vem do Supremo Tribunal Federal,
que tem a folha corrida que todos conhecem, e do "Tribunal Superior Eleitoral" - um desvairado cabide de empregos que só existe no Brasil e não tem função
lógica nenhuma no serviço público. Suas Excelências, justo numa hora dessas, em
que o Brasil sofre um dos mais chocantes dramas de saúde de sua história e se
desespera em busca de recursos para combatê-lo, tiveram a ideia de pagar com o
dinheiro do contribuinte suas vacinas contra a gripe e o coronavírus. Não só
eles: eles, seus filhos e funcionários da nossa corte suprema. Serão, pelos
cálculos iniciais, 4.000 vacinas, a um custo de R$ 140.000. O TSE, de imediato,
copiou os colegas e já está se preparando para comprar 1.100 vacinas para si
próprio; devem queimar nisso mais uns R$ 75.000.
O dinheiro é uma mixaria, dizem eles, mas a atitude
moral dos ministros é uma calamidade. Com todos os privilégios que já têm, por
que não pagam eles mesmos esses trocados? A resposta é um retrato perfeito dos
dois Brasis descritos acima: não pagam porque podem meter a mão no seu bolso,
de onde sai o dinheiro de todos os impostos, e tirar o dinheiro de lá. Não vai
acontecer nada, vai? Então porque gastar, mesmo um centavo, se existe um país
inteiro para pagar as suas contas?
A um certo momento, nessa crise toda, foi sugerido,
imaginem só, que deputados e senadores, dessem para o combate ao coronavírus
uma parte dos bilionários Fundos Eleitoral e Partidário que criaram para doar
dinheiro a si próprios - tirado, é óbvio, dos impostos pagos por você. Santa
inocência. Não deram, é claro, um tostão furado para combater doença nenhuma. Estás
na fila do SUS há 12 horas esperando um atendimento que pode vir ou não vir,
bonitão? Problema seu. No nosso ninguém tasca. E tratem de dar graças a Deus
porque ainda não tivemos a ideia de lhe tomar mais uns trocos para fazermos
nosso estoque de vacinas - como fizeram as maravilhosas instituições
judiciárias aí do lado.
Este Brasil que está em guerra com os brasileiros é
hoje um dos maiores concentradores de renda do mundo. Não são os "ricos", os "empresários", "o 1% do topo", etc. que constroem a miséria nossa de cada dia.
Não são eles os promotores da desigualdade em estado extremo no País. Não são
eles que os impõem a ditadura dos privilégios. É essa gente que não admite,
sequer, pagar a própria vacina. A imprensa faz esforços inéditos, todos os dias,
para defender essa gente, pois são eles que compõem as "instituições". E o que
os jornalistas recebem em troca de congressistas e magistrados? Atos de
crocodilagem explicita, um atrás do outro. Fica cada vez mais difícil achar
alguma virtude nesse baixo mundo.
JR Guzzo é jornalista
Artigo publicado no "Estadão", edição de domingo, 22 de março
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