Por
Heraldo Pereira
Bastou Bellini quebrar o protocolo e levantar a Jules Rimet acima da cabeça em 1958 para, a cada quatro anos, a gente assumir o compromisso sagrado de entrar em êxtase coletivo.
Escolher o local da concentração para cada jogo e vestir a camisa amarela - ainda não era artigo de luxo -, como se fôssemos entrar em campo para jogar.
Escretes e hinos eram recitados de cor. A paixão pelos clubes era força central óbvia e contaminava cada convocação.
Havia sempre um craque que não podia faltar, mas terminava esquecido pelo treinador. Tempos em que a fertilidade dos campos de várzea gerava talentos em torrente.
Estamos abrindo pela segunda vez nossas portas para receber o mundo da bola.
Na primeira, beijamos a lona no Maracanazo imposto pelo Uruguai. Agora, nem precisamos de Alcides Ghiggia e sua turma.
Há sete anos estamos trabalhando com afinco para construir um possível novo vexame na história do ludopédio. E olha que somos especialistas em vexames, derretemos o nosso diploma exclusivo de mestres do futebol, a taça erguida por Bellini, Mauro e Carlos Alberto.
Recentemente, o jornalista J. R. Guzzo alertou: "Mais alguns dias, começa finalmente essa Copa do Mundo que faz o governo brasileiro exibir a si próprio e ao resto do planeta alguns dos piores momentos de toda a história do Brasil como país de segunda categoria".
Começamos essa ópera-bufa definindo 12 cidades-sede num campeonato de demagogia política, mesmo sabendo que algumas não praticam futebol suficiente para manter estádios faraônicos já apodrecidos pelas suspeitas de superfaturamento.
Desde junho de 2013 encenamos espetáculos deprimentes de vandalismo. De baderna em baderna conseguimos montar praças de guerra, onde até índios flecharam policiais no melhor estilo faroeste caboclo.
Assustamos o mundo e desestimulamos muita gente que pretendia vir para cá festejar o futebol e bafejar nossa economia.
No amistoso preparatório Inglaterra 2 x 2 Equador, estive no meio de torcedores dos dois países na arquibancada do Sun Life Stadium, em Miami.
Decifrada minha origem brasileira, queriam saber das chances da Canarinho e qual o verdadeiro cenário interno do Brasil para a Copa.
Mesmo eu gastando diplomacia, que ninguém se iluda: o mundo está muito bem informado a respeito da corrupção generalizada e do clima de guerra instalado aqui.
Já estamos no vestiário de uma Copa do Mundo tratada com poucas bandeiras, camisetas e apitos. Sem aquela algazarra verde e amarela por todo lado. Cantada em sussurros pelos fiapos de voz de Paulo Miklos e Fernanda Takai pedindo para um Brasil anêmico mostrar uma força que parece exaurida.
Como se nossa paixão pelo jogo da bola estivesse moribunda.
Como se fôssemos aquele jogador que marca um gol contra.
Como se Pelé não fosse brasileiro - não é de hoje, andamos desconfiados até da brasilidade de Deus.
Como se tivesse sido melhor tomar cartão vermelho no delírio populista de 2007, como agora reconhece o escritor Paulo Coelho ao afirmar que "o Brasil poderia ter aproveitado este dinheiro para construir outra coisa que não estádios em um país que necessita de tudo: hospitais, escolas, transporte".
Até a Fifa, acostumada a tudo no mundo e viciada em faturar todas, capitulou à realidade pela voz de um de seus executivos: "Estamos nas mãos deles!".
Que somos nós, mestres do jeitinho brasileiro de não fazer as coisas como elas deveriam ser feitas. Pelo visto, a terra da esperteza devolveu com juros e correção monetária o chute no traseiro recomendado pelos donos da bola.
A Copa virou um festival de coices e o mundo vai conhecer a força de Macunaíma, que deverá comandar a festa montado em seu jegue ensinando que o Brasil não é para amadores.
A população continua tentando achar seu lugar na torcida, doida para gritar gol muitas vezes. Oxalá, os deuses do futebol nos protejam.
Heraldo Palmeira é documentarista e produtor musical
Fonte: Coluna do Ricardo Setti
Bastou Bellini quebrar o protocolo e levantar a Jules Rimet acima da cabeça em 1958 para, a cada quatro anos, a gente assumir o compromisso sagrado de entrar em êxtase coletivo.
Escolher o local da concentração para cada jogo e vestir a camisa amarela - ainda não era artigo de luxo -, como se fôssemos entrar em campo para jogar.
Escretes e hinos eram recitados de cor. A paixão pelos clubes era força central óbvia e contaminava cada convocação.
Havia sempre um craque que não podia faltar, mas terminava esquecido pelo treinador. Tempos em que a fertilidade dos campos de várzea gerava talentos em torrente.
Estamos abrindo pela segunda vez nossas portas para receber o mundo da bola.
Na primeira, beijamos a lona no Maracanazo imposto pelo Uruguai. Agora, nem precisamos de Alcides Ghiggia e sua turma.
Há sete anos estamos trabalhando com afinco para construir um possível novo vexame na história do ludopédio. E olha que somos especialistas em vexames, derretemos o nosso diploma exclusivo de mestres do futebol, a taça erguida por Bellini, Mauro e Carlos Alberto.
Recentemente, o jornalista J. R. Guzzo alertou: "Mais alguns dias, começa finalmente essa Copa do Mundo que faz o governo brasileiro exibir a si próprio e ao resto do planeta alguns dos piores momentos de toda a história do Brasil como país de segunda categoria".
Começamos essa ópera-bufa definindo 12 cidades-sede num campeonato de demagogia política, mesmo sabendo que algumas não praticam futebol suficiente para manter estádios faraônicos já apodrecidos pelas suspeitas de superfaturamento.
Desde junho de 2013 encenamos espetáculos deprimentes de vandalismo. De baderna em baderna conseguimos montar praças de guerra, onde até índios flecharam policiais no melhor estilo faroeste caboclo.
Assustamos o mundo e desestimulamos muita gente que pretendia vir para cá festejar o futebol e bafejar nossa economia.
No amistoso preparatório Inglaterra 2 x 2 Equador, estive no meio de torcedores dos dois países na arquibancada do Sun Life Stadium, em Miami.
Decifrada minha origem brasileira, queriam saber das chances da Canarinho e qual o verdadeiro cenário interno do Brasil para a Copa.
Mesmo eu gastando diplomacia, que ninguém se iluda: o mundo está muito bem informado a respeito da corrupção generalizada e do clima de guerra instalado aqui.
Já estamos no vestiário de uma Copa do Mundo tratada com poucas bandeiras, camisetas e apitos. Sem aquela algazarra verde e amarela por todo lado. Cantada em sussurros pelos fiapos de voz de Paulo Miklos e Fernanda Takai pedindo para um Brasil anêmico mostrar uma força que parece exaurida.
Como se nossa paixão pelo jogo da bola estivesse moribunda.
Como se fôssemos aquele jogador que marca um gol contra.
Como se Pelé não fosse brasileiro - não é de hoje, andamos desconfiados até da brasilidade de Deus.
Como se tivesse sido melhor tomar cartão vermelho no delírio populista de 2007, como agora reconhece o escritor Paulo Coelho ao afirmar que "o Brasil poderia ter aproveitado este dinheiro para construir outra coisa que não estádios em um país que necessita de tudo: hospitais, escolas, transporte".
Até a Fifa, acostumada a tudo no mundo e viciada em faturar todas, capitulou à realidade pela voz de um de seus executivos: "Estamos nas mãos deles!".
Que somos nós, mestres do jeitinho brasileiro de não fazer as coisas como elas deveriam ser feitas. Pelo visto, a terra da esperteza devolveu com juros e correção monetária o chute no traseiro recomendado pelos donos da bola.
A Copa virou um festival de coices e o mundo vai conhecer a força de Macunaíma, que deverá comandar a festa montado em seu jegue ensinando que o Brasil não é para amadores.
A população continua tentando achar seu lugar na torcida, doida para gritar gol muitas vezes. Oxalá, os deuses do futebol nos protejam.
Heraldo Palmeira é documentarista e produtor musical
Fonte: Coluna do Ricardo Setti
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