Por Alexandre Garcia
O jornalista gaúcho Luiz Carlos Prates, mostrando por que
a seleção de 1970 é considerada a melhor de todas, explicou que foi por causa
do governo Médici: o chefe da delegação era um brigadeiro, o preparador físico
um capitão (Cláudio Coutinho) e imperava a disciplina militar - até o Jairzinho
cortou a cabeleira black power. Com organização e disciplina, a seleção ganhou
o tri com futebol bonito, brasileiro no estilo e na raça. Foi, realmente,
a melhor de todas. Mas não foi por causa do Médici. Foi por causa do
clima que envolvia o país em tempos de "Ame-o ou Deixe-o" - adesivo que todos
carregávamos no parabrisa de nossos carros, mensagem destinada aos terroristas
que atrapalhavam a paz da maioria. Por causa do espírito do "Prá Frente
Brasil", um entusiasmo que fez o Brasil crescer a média de 11,2% por três anos
consecutivos, o que ficou conhecido como "o milagre brasileiro". Era um país
organizado, cidades limpas, depois da campanha contra o "Sujismundo", segurança
nas ruas e emprego.
Um jovem jornalista meu admirador mandou-me o mais recente artigo dele, em que
falava no "sanguinário Médici". Expliquei a ele que Médici, cigarrinho na boca
e radinho de pilha no ouvido, era aplaudido quando entrava no Maracanã, que
vaia até minuto de silêncio. Expliquei que havia uma guerra interna,
começada por uma gente que explodiu uma bomba que matou um jornalista. Que de
1964 a 1984 - período em que durou o regime militar, morreram nessa luta menos
de 500 pessoas, de ambos os lados - dá quatro dias de homicídios no Brasil de
hoje. O jovem colega reconheceu que não vivera aquela época e que o "sanguinário" era por conta do professor da faculdade de jornalismo, que assim
se referia a Médici. O professor, pelo jeito, apenas destilava frustração por
não terem conseguido implantar no Brasil uma ditadura como a que perdura há 51
anos em Cuba.
Pois eu vivi aquele período. Tinha 23 anos em 31 de março de 1964, quando o
prefeito de Encantado/RS me convocou para defender a Prefeitura, que seria
atacada por um "grupo dos onze", milicianos criados por Brizola. Anos
depois,fui assaltado por um grupo chamado VAR-Palmares, com vivas a Che
Guevara, no Banco do Brasil Viamão. No auge do governo militar, em 1968, eu fui
presidente do Diretório Acadêmico do jornalismo da PUC/RS. Depois fui repórter
do 'Jornal do Brasil'. Ouvia músicas de protesto ("quem sabe faz a hora, não
espera acontecer"), vibrava com peças teatrais críticas, como "Liberdade,Liberdade",
fazia poemas ("Luther, Kennedy, Guevara - estão matando os heróis do novo mundo - te cuida, dom Hélder").
Lembrei-me disso porque
leio nos jornais que o grupo Dzi Croquetes desafiava o governo militar;
que o Chico fazia letras ironizando Médici e Geisel; que Augusto Boal e outros
teatrólogos caiam de pau no Governo; que o 'Pasquim' satirizava os militares. Foi
uma época em que a Bossa Nova teve sua fase áurea e conquistou o exterior; que
floresceu o teatro engajado (contra o governo); brilharam nos festivais as
músicas de protesto. Hoje acabou o mote, o brilho, a criatividade. Paradoxal.
Aliás, é bom lembrar que a ditadura manteve eleições para tudo. Presidentes
eram eleitos como foi Tancredo: pelo Congresso, onde Ulysses perdeu para
Geisel; o general Euler, da oposição, perdeu para Figueiredo. Houve restrições:
um terço dos senadores eram nomeados; em cidade de fronteira e capitais, os
prefeitos eram eleitos de forma indireta, assim como os governadores. E um dia
terminou. Tal como planejara Geisel, que extinguiu o AI-5, a censura, e deixou
para Figueiredo abrir a camisa de força do bipartidarismo, promover a anistia e
a volta dos exilados e entregar tudo para os civis.
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