Editorial
A proposta de alteração da Lei da Anistia não é nova. Com a
chegada ao poder de ex-perseguidos pela ditadura militar, no Executivo federal
e Legislativo, o tema passou a ser tratado com maior frequência. Até que, no
final da gestão Lula, o assunto foi contrabandeado para a terceira versão do
Programa de Defesa dos Direitos Humanos.
Houve um início de crise no
Ministério da Defesa, contornado pelo então ministro Nelson Jobim, com a ajuda
de Lula e o providencial recuo do governo.
O assunto retorna, agora, por
meio da Comissão da Verdade, criada em 2010 e empossada há um ano pela
presidente Dilma Rousseff, para apurar o paradeiro dos desaparecidos e fatos
ocorridos nos porões da repressão política na ditadura militar.
Embora não seja incumbência da comissão propor alterações na lei, alguns de seus representantes têm dado declarações favoráveis a mudanças para que agentes públicos envolvidos naquela “guerra suja” possam ser processados, julgados e condenados.
Embora não seja incumbência da comissão propor alterações na lei, alguns de seus representantes têm dado declarações favoráveis a mudanças para que agentes públicos envolvidos naquela “guerra suja” possam ser processados, julgados e condenados.
Um avanço de sinal. Os
ministros da Defesa, Celso Amorim, e da Justiça, José Eduardo Cardozo, se
apressaram, em boa hora, a afastar a possibilidade de o governo encaminhar
qualquer proposta ao Congresso neste sentido.
Entre outras consequências
negativas, a medida iria contra um veredicto do Supremo Tribunal Federal, de
2010, segundo o qual improcedia o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) de que a lei não poderia beneficiar torturadores. A Ordem foi derrotada
por sete votos a dois.
Se tentasse rever a lei, o
Executivo cometeria uma ilegalidade, pois foi referendado pela mais alta Corte
do país o caráter amplo, geral e recíproco da anistia, enviada ao Congresso
pelo último governo de generais, o de João Baptista Figueiredo, e aprovada em
1979.
Mesmo elaborada, encaminhada e
aprovada ainda na ditadura, a Lei da Anistia foi fruto de intensa negociação
entre os militares e a oposição. Tem, portanto, uma legitimidade não existente
em leis semelhantes de países vizinhos, também ex-ditaduras.
Nestes, o alcance da anistia
foi calibrado a favor dos militares. Houve contestações, mudanças, e agentes
públicos puderam ser processados e condenados. Caso diferente do brasileiro.
Quando a proposta da lei foi
redigida, o Brasil já se encontrava na última etapa do processo de
redemocratização, formulado e executado na sua parte mais difícil, o início,
pelo antecessor de Figueiredo, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, seu
chefe da Casa Civil.
Os "porões" em que se abrigava
a "tigrada" da repressão foram vencidos no governo Geisel, responsável pela
escolha de Figueiredo.
Houve, então, espaço de
negociação sobre a Lei da Anistia, como parte do processo mais amplo de
redemocratização, a base do atual período de 28 anos de regime estável, de
liberdades garantidas pela Constituição, a fase mais longa ininterrupta de estado
de direito democrático na República.
Se juridicamente já é
impossível, do ponto de vista político e histórico não faria qualquer sentido
reabrir a questão.
Fonte: "O
Globo", edição desta terça-feira, 28
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