Por Lya Luft
Nestes dias é
impossível não se deprimir, se indignar, se preocupar, a não ser fechando olhos
e ouvidos, e pegando o tamborim, pois é Carnaval. Mas eu, aqui, me entristeço.
De um lado, os habituais horrores da falta de segurança (quantos policiais
vemos nas nossas ruas nestes tempos?), a banalização dos assassinatos, o pouco
valor da vida, o crime dominando, nós ratos assustados dentro de casa,
esperando que aqui dentro não nos matem as balas perdidas.
De outro lado, a pavorosa chacina de quase 300
vidas jovens na boate de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e as discussões a
respeito, quando não importa tanto se um músico acendeu um tipo de fogo
pirotécnico, mas as condições da casa: ao que parece, extintores de incêndio
vazios, sem porta de emergência, sem sinalização luminosa, excesso de lotação,
labirinto de paredes e grades lá dentro. E o jogo de empurra do “não fui eu,
foi ele" dos interessados. Alguém chega a culpar os jovens, que,
desmaiados, mortos ou tentando salvar vidas (muitos morrendo assim), seriam os
responsáveis: estavam atrapalhando a saída. Autoridades se eximem numa
discussão inútil, pois alvará vencido, falsificado ou suspenso significa: casa
fechada. Outras, muitas pelo país, vimos agora, funcionam através de liminar da
Justiça: em caso de uma tragédia como essa, que juiz se responsabiliza,
juntamente com proprietários e outros, pela matança insana? Vamos esperar para
ver os resultados. Não estou otimista.
E, de outro lado ainda, o incrível panorama da
política brasileira, em que pessoas suspeitas assumem altíssimos cargos, e nós
aqui do vale dos comuns mortais não sabemos o que dizer, o que pensar, o que
esperar; que esperança, aliás, deveríamos ter? Quem vai nos socorrer, nos confortar,
quem nos comanda? Que autoridades controlam nosso país, que deputados e
senadores, que ministros? Serão todos altamente corretos, altamente
experientes, competentes, conhecedores das atribuições e do alcance do seu
cargo? Ou muitos são medíocres, sem noção do que fazem, amedrontados e de
cabeça abaixada, sem saber direito o que fazem ali?
Que fim levaram ética, responsabilidade, seriedade
aqui entre nós? O que acontece com a educação, em que cada vez mais jovens
despreparados entram por portas dos fundos ou laterais em universidades cujo
nível se reduz drasticamente para que acompanhem os demais, enquanto o ensino
elementar está em situação quase trágica, escolas inexistentes, professores
com salários miseráveis, salas de aula sem cadeiras, sanitários destruídos ou
imundos, instalações condenadas, bibliotecas inexistentes? (Sim, estou me
repetindo.) Desprezamos a energia eólica, algumas instalações não funcionam
por falta de elementos essenciais; aguardamos entusiasticamente a Copa e a
Olimpíada - e a grana dos turistas -, mas o quadro dos estádios, transportes e
o mais não é nada animador.
Tudo tem a ver com a confiança a depositar em
nossos líderes. "Nunca foi diferente", diz um amigo que me julga romântica demais.
Nunca fomos perfeitos, respondo, mas já estivemos em melhor situação, alguns
líderes muito respeitados, estudando para valer, buscando segurança e
construindo nossa vida. Os males eram menos escrachados, nós, menos
tolerantes, não esquecíamos tão depressa. Hoje temos de correr, comprar,
consumir, nos endividar até o limite da loucura. E temos de nos divertir, ora
essa! Esqueci o Carnaval! Fechados à chatice dos temas sérios, saímos aos
pulinhos, fantasias, suor e alegria. Ninguém é de ferro! Nada contra a
alegria, mas (talvez bobagem minha) é meio indecente ver multidões
saracoteando enquanto nem se enterraram todos os mortos da boate e
sobreviventes sofrem nos hospitais. Incomoda-me, por antiquada ou pessimista,
estarmos requebrando ladeira abaixo ao som de músicas animadas, e quando a
festa acabar talvez a gente nem volte a si procurando saber se estamos no
caminho certo quanto ao progresso material, à segurança pessoal, à economia
saudável. Mais que isso: onde esconderam os alvarás da moral e da ética por
aqui?
Fonte: "Veja", edição que está nas bancas
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