Por Pedro Dutra
E ressurgem as propostas de
"regulação" da mídia - na verdade, de regulação do pensamento. "Livre pensar, é
só pensar", dizia Millôr Fernandes. A síntese é perfeita porque remete a
proposição à sua essência.
O ato de pensar é bastante em si,
dispensa adjetivação, e contém, ínsito a ele, o traço individual e único do seu
agente. A liberdade está no ato, desobrigado, de pensar. Ou de não pensar.
A Lei deve servir a essa faculdade do
homem exclusivamente para assegurar-lhe o direito de pensar como desejar; e de
não pensar, isto é, de não considerar ou de não formular opinião sobre qualquer
assunto.
Igualmente, deve a Lei garantir-lhe o
direito de pensar, a estender-se este sobre qualquer tema, sob qualquer
orientação.
Se o não pensar encerra-se em uma
inação, o ato de pensar pede a sua expressão. E esta a ele deve corresponder e
assim ser igualmente livre, achando o seu limite, exclusivamente, em igual
liberdade, assegurada a terceiro. Ao não pensar é garantida, em Lei, a
correspondente reserva, assim como ao ato de pensar é assegurada a sua
expressão.
A preceituação da liberdade de
pensamento só pode servir à sua proteção, para preservar a sua integridade e
manifestação. O desafio político às democracias está em resistir à regulação
que a submeta ao interesse do Estado - do governo.
Se a liberdade de pensamento não é
plenamente assegurada em Lei, e exercida pelo cidadão, não há regime
democrático.
Não há arma mais poderosa à
disposição do homem do que o ato de pensar, cuja expressão transmuda-se nas
formas superiores da inteligência, em palavras, imagens, formas e sons. Por
essa razão, agravos à democracia não resistem à plena manifestação do
pensamento livre. Se esta é reprimida - e é contra ela que se dirige
diretamente a censura em qualquer forma -, o pensamento é recalcado
violentamente à sua fonte, para secá-la.
A censura atinge, sempre, o ato de
pensar; atinge, portanto, ao surto da inteligência, que o processa e gera o
conhecimento, que constrói a cultura de um povo. Não por acaso tirano e
tiranetes investem contra o livre pensar, buscando, por diversos meios, calar a
mídia independente, que o amplifica.
Agem não apenas para suprimir
críticas que lhes ameacem o poder, mas também para extrair louvores dos que se
submetem em uma genuflexão intelectual, receosa ou interessada. Esquecidos de
que a insubmissão intelectual é o traço distintivo do homem civilizado.
Pedro Dutra é advogado
Fonte:
"O Globo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário