Por Merval
Pereira
Agora mesmo em Berlim, perguntado se
havia se surpreendido com as revelações da operação Porto Seguro, o
ex-presidente, sempre tão falante, saiu-se com uma resposta lacônica: "Não, não
fui surpreendido", que tanto pode significar que considera normal esse tipo de
ação da Polícia Federal, como que sabia o que estava acontecendo na
representação da Presidência em São Paulo, que ele frequentava com assiduidade.
Pelo noticiário internacional, vê-se
que o combate à corrupção tem sido um dos pontos de destaque a favor do país
nos últimos dias, e já não há quem, interessado pelas coisas do Brasil, não
esteja devidamente informado sobre o que realmente aconteceu por aqui no
primeiro governo Lula, e ainda acontece, mais uma vez dentro do círculo mais
íntimo da Presidência da República.
Muito embora só reste aos petistas a
tentativa de desqualificar a chefe de gabinete da Presidência em São Paulo,
Rosemary Noronha, o fato é que, mesmo sem qualificação, ela foi instalada em um
cargo estratégico na hierarquia de poder, a ponto de ter acesso a ministros e
altos dirigentes para nomeações diversas de parentes, amigos e agregados.
A corrupção também é vista como um
dos entraves ao desenvolvimento brasileiro, e fator de insegurança jurídica
para os investidores, pois há muitos momentos em que não se sabe se o que vale
nas negociações é a letra da lei ou os arranjos pessoais com figuras pouco
conhecidas do público, mas bastante conhecidas dos que sabem os caminhos mais
curtos para atingir os objetivos.
Relações
As relações do PT com a imprensa são
conflituosas na retórica partidária, mas não encontram eco na realidade do
governo Dilma Rousseff, o que é uma das suas boas facetas.
No mesmo dia em que a presidente
Dilma respondeu meio sem jeito a críticas da revista britânica "The Economist"
à performance de seu governo, ressalvando sempre que a liberdade de imprensa
permite que qualquer meio de comunicação faça críticas, o partido da presidente
soltou uma nota em que defende mais uma vez uma nova legislação de controle dos
meios de comunicação no Brasil, elogiando a Ley de Medios da Argentina, que
está sendo contestada na Justiça daquele país.
Na Argentina, uma disputa política
entre o governo Kirchner e os meios de comunicação culminou com a edição dessa
lei, que tem o evidente sentido de reduzir a capacidade de ação do maior grupo
jornalístico argentino, o "Clarin".
São posições completamente
divergentes, sendo que a do PT tem a ver com diretrizes regionais combinadas
entre governantes de esquerda da América Latina que têm o mesmo sentimento em
relação aos meios de comunicação: consideram-nos inimigos dos governos
populares, a serviço de interesses golpistas.
Isso com relação aos veículos
independentes que cumprem sua função de fiscalizar os governos em nome da
opinião pública. Os veículos chapa-branca, muitos custeados por verbas
oficiais, estes são tolerados.
A presidente Dilma até o momento
mantém-se firme na defesa da liberdade de imprensa como básica para a
democracia, e chega ao ponto de responder às críticas da "The Economist" como
se ela refletisse uma opinião oficial da comunidade europeia.
Certamente, devido a sua
respeitabilidade, a revista ao mesmo tempo espelha uma situação e influencia
posições com as teses que defende. Mas não passa disso, sem que seja necessário
dar às críticas uma conotação política, como a presidente Dilma fez quando
sugeriu que o país estaria sendo alvo de uma espécie de conspiração dos
investidores estrangeiros devido à redução dos juros, que teria afetado os seus
interesses.
De qualquer maneira, assim como a
presidente diz que prefere o ruído da imprensa livre ao silêncio das ditaduras,
é também preferível uma resposta democrática, mesmo equivocada, às críticas dos
meios de comunicação à edição de uma legislação que cerceie a liberdade de
imprensa.
Se o ex-presidente Lula distribuir no
exterior a nota oficial em que o Diretório Nacional do PT critica o STF pelo
resultado do julgamento do mensalão, como anunciou o partido ontem, estará
assumindo uma crítica que ainda não fez publicamente no Brasil, e terá que
responder a muitas perguntas, o que tem evitado desde que o julgamento começou.
Fonte: "O Globo"
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