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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Prefácio de "Cascalho"

A sétima edição do romance "Cascalho", de Herberto Salles, lançada pela Assembleia Legislativa da Bahia, dentro da Coleção Ponte da Memória, na quarta-feira, 15, na Aliança Francesa, em Salvador, conta com prefácio do acadêmico Ruy Espinheira Filho, da Academia de Letras da Bahia.
Eis o texto, enviado pelo autor:
UM CLÁSSICO
Ao preparar sua edição revista de Os pareceres do tempo, Herberto Sales me encomendou o texto das orelhas. Encaminhada a apresentação à editora, ficou ele sabendo que o volume, devido a características de impressão, sairia sem orelhas. Quando me comunicou o fato, eu lhe disse que não havia problema, o volume estaria muito bem sem o que eu escrevera, mas Herberto insistiu: fazia questão das minhas palavras no livro - e assim eu acabei como autor de um brevíssimo posfácio. O qual, se não honra a obra, honra-me imensamente.
Recordo o episódio porque iniciei aquele texto com algumas palavras que serviriam muito bem como abertura deste prefácio. Leiamos: "São raríssimos os escritores que iniciam sua carreira literária publicando uma obra definitiva - um clássico. E foi exatamente o que aconteceu com Herberto Sales, que estreou, em 1944, com Cascalho, definido pelo crítico Wilson Martins como admirável interpretação romanesca de uma cruel realidade." E, no terceiro parágrafo, escrevi: "Comecei afirmando que Herberto Sales estreou com um clássico. E o que vem a ser um clássico? Ezra Pound nos ensina: Um clássico é clássico não porque esteja conforme a certas regras estruturais ou se ajuste a certas definições (das quais o autor clássico provavelmente jamais teve conhecimento). Ele é clássico devido a uma certa juventude eterna e irreprimível."
Neste conceito cabe perfeitamente a obra inaugural de Herberto Sales: lançado há 65 anos, Cascalho permanece um livro jovem. Se aquela "cruel realidade" se modificou, transformando-se em outras realidades (com, sem dúvida, suas crueldades próprias), que não encontramos no romance, a alta e sofisticada literatura do autor mantém em plena juventude aquela história de áspera e trágica condição humana.
São muitas as peripécias contadas neste livro - e o próprio livro viveu também várias peripécias. Pelo que lemos no Subsidiário, Cascalho foi escrito por um jovem ainda não preparado para exercer a arte literária, sendo muito mais um intuitivo (o que, aliás, é uma virtude, a intuição é indispensável à criação artística) do que um autor com domínio de seu ofício. Tratava-se, inicialmente, de um imenso volume (850 páginas, segundo Marques Rebelo, em seu discurso acadêmico de saudação a Herberto; 650, segundo o próprio Herberto). Sua primeira aventura foi, em forma de vasto pacote, ser enviado ao Rio de Janeiro para Matilde Garcia Rosa, mulher de Jorge Amado, que tentou inscrevê-lo num concurso. O que aconteceu a seguir é contado no Subsidiário (p. 30/31):
"Matilde conseguiu com seu prestígio inscrever o livro sem as cópias exigidas. Prometeu entregá-las em tempo hábil. Não entregou, mas o concurso andou. E Cascalho ficou de fora. Ela foi pegar de volta os originais. E aconteceu que nesse dia (incrível coincidência!) encontrou Marques Rebelo. Não se viam fazia muito tempo. Ela sabia que nós nos correspondíamos, eu lhe dissera. Conversaram sobre mim. E eis que ela fala de Cascalho. Afinal eu nunca lhe pedira que não dissesse a Rebelo que eu escrevera um romance. Me esquecera de lhe pedir. E Matilde me dá notícias do encontro e da conversa com Rebelo. Ele ficou muito interessado no meu romance. Me escreveu depois falando da surpresa que teve com a nova de Cascalho. Um romance! Eu não lhe dissera nada antes... Por quê? Pois bem, quisesse ou não quisesse o autor - ele ia ler os originais! Depois daria a sua opinião. Mas, como Rebelo teria chegado aos originais que Matilde não encontrou mais, quando foi buscá-los? Primeiro houve um susto. Como os originais não aprovados não eram devolvidos (era uma das normas do concurso), tratavam de lhes dar rapidamente fim, literatura convertida em lixo. Não havia mais nenhum original no escritório. Desolado, Rebelo já ia embora, quando baixou no escritório da editora o anjo em pessoa Aurélio Buarque de Holanda, com o esclarecimento providencial. Cascalho? um romance sobre garimpos? Ele levara os originais para casa, estava interessado nos regionalismos, no vocabulário do romance, que pretendia aproveitar no dicionário que então revia e refazia de ponta a ponta para a Civilização Brasileira - o Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa, que fez escola e história. Estava salvo Cascalho."
Sim, depois de perigosíssimas peripécias. E mais: não fossem as associações de acasos (encontro de Matilde com Rebelo, interesse linguístico de Aurélio Buarque), teria sido mesmo o fim de Cascalho. Porque a outra cópia, tirada pelo autor... Deixemos que ele mesmo conte a história:
"Quando datilografei Cascalho, tive o cuidado de tirar uma cópia a carbono. Não dava trabalho, era só aquela chateaçãozinha de ajustar o carbono ao papel, ensanduichar o carbono e pronto. Mas um dia, atacado de uma dessas depressões que até hoje me são comuns, peguei a cópia de Cascalho, fui para o quintal com ela. Sentei-me debaixo de um jasmineiro, com todo aquele cheiro de jasmim no ar, e comecei a rasgar a cópia. Era papel demais. (...) Em pequenos maços dispostos em rigorosa ordem, as pontas das folhas acertadas, me pus a rasgar a cópia, rasgando em quatro pedaços as folhas. (...) Por fim, risquei o fósforo a ateei fogo ao monte dilacerado de papéis(...) Eu 'suicidara' Cascalho. Tudo terminado. Foi como a projeção do suicídio que eu nunca tive coragem de cometer."
Cascalho fora incinerado, mas a outra cópia escapara da incineração do concurso. E Marques Rebelo iria lê-lo e fazer-lhe uma revisão de meses, com grandes cortes e alterações. E, enfim, o romance foi publicado, um sucesso construído à força de intensa publicidade. Sucesso que não enganou Herberto Sales, atento às críticas negativas, como as de Adonias Filho e Sérgio Milliet , e resolveu reescrever toda a obra. Ele mesmo conta: "E foi o que fiz. A segunda edição de Cascalho, que considerei definitiva, só foi mesmo sair depois de sete anos de obstinado silêncio." (Subsidiário, p 39) Mas Herberto ainda não estava satisfeito: "Atribuí à 2ª edição de Cascalho o caráter de edição definitiva. Agora, sim! Sim? Que esperança... Ainda lhe retoquei o texto com várias emendas ou correções para a 3ª edição que saiu com a óbvia indicação de - edição revista. Da 4ª edição em diante não saiu mais indicação nenhuma. Não mexi mais nele, nem nele mexerei mais." (idem, p. 77)
A estas aventuras vividas por Cascalho, somam-se muitas outras, como - além da consagração crítica - as reedições e traduções (para países como Romênia, Itália, Polônia, Argentina, Rússia, China, Coréia, Japão, por exemplo, e edição em Portugal). E ainda outras aventuras, incontáveis, que são as da leitura, que chegam aos milhares, centenas de milhares (só a edição russa foi de 50 mil exemplares), por quase todo o mundo. E, atualmente, sua presença nas salas de cinema, através do filme Cascalho, dirigido por Tuna Espinheira, também autor do roteiro, o qual foi aprovado, com entusiasmo, pelo próprio romancista, que, infelizmente, não viveu para vê-lo na tela.
E aqui está, mais uma vez, Cascalho, em sua "juventude eterna e irreprimível" de clássico, numa edição que surge como justa homenagem a um autor baiano que figura entre os maiores ficcionistas brasileiros de século XX: Herberto Sales, escritor maior, nosso semelhante, nosso irmão.
Salvador/Busca Vida, agosto de 2009.

Um comentário:

Tuna Espinheira disse...

Ruy,
Este é o Link do Blog Demais, onde já foi postado o seu prefácio. Acesse e confira.
Tuna
Já vi, saiu legal. Um abraço,
Ruy.