José Umberto (à esquerda) e Mush Emmons preparam um take de "Revoada"
Por José Umberto
A direção de fotografia é uma camada fundamental num filme. Ela tem que estar em simbiose absoluta com a direção, a autoria da obra em si. E foi dentro dessa visão ampla e complementar que busquei a aproximação com Mush Emmons, fotógrafo norte-americano da Califórnia que, à época da realização de "Revoada", vivia em Salvador, na Bahia, com uma empresa móvel de equipamentos cinematográficos, sobretudo um parque de iluminação.
Hoje ele está em sua terra natal, de retorno, devido à questão de ausência de trabalho na sua área, no Brasil.
Eu já conhecia um filme de média metragem fotografado por Mush, "No Coração de Skirley", de Edyala Yglesias com a atriz Evelyn Buchegger. Apreciei as zonas cromáticas de claro-escuro que ele experimentara em cor - ainda se filmava em equipamento analógico à época. Ele falava um português fluente com pronunciado sotaque de gringo nos trópicos sul-americanos. A nossa comunicação, no entanto, se fez quase perfeita. Um profissional da terra dos westerns que filmaria o nordestern: um desafio e tanto a se percorrer. Percebi de cara um artista sem barreiras, no entanto.
Logo logo ele leu o roteiro técnico de "Revoada" e passamos a conversar e a nos entender. Indicava para ele minhas intenções cromáticas e de súbito passei a falar com insistência no "chiaroscuro" do barroco, especialmente as experiências de Caravaggio, pintor italiano dos séculos XVI e XVII. Embora eu chamasse a atenção a ele, especialmente, pelos barrocos baiano e mineiro desenvolvidos sobretudo dentro das nossas igrejas católicas coloniais. Enfim, eu estava imbuído desse "espírito" pictórico que se encaixava na dramaturgia cangaceirística que pretendia imprimir nos personagens criados, além da trama elaborada de conflitos externos e interiores.
Mush absorveu num clarão as minhas intenções de tragédia dentro do plano ecológico e arquitetônico das Lavras Diamantinas. Era uma proposta artística desafiadora que ganhou sua cumplicidade imediata: passamos a enveredar pela 'estética do cangaço'.
Havia toda uma armadura e uma simbologia que fundia o regional com o universal, logo de cara. Estávamos diante de figuras do arquétipo do banditismo, cujo tema Cangaço era um capítulo com nuances próprias e particulares. Tínhamos diante do nosso olhar alguns seres humanos (personas) e as suas trajetórias na conhecida "jornada do herói". Eram nordestinos, eram sertanejos, sem dúvida, mas batizados com a perspectiva do preceito poético do romancista João Guimarães Rosa: "Sertão é dentro da gente, do tamanho do mundo."
Assim se foi.
E sobre uma grande pedra na cidade medievalesca de Igatu (Chapada Diamantina), eu e Mush, diante de um crepúsculo róseo, selamos o nosso pacto artístico de realizar um filme barroco baiano. "Revoada" emergiu dessa disposição de enxergar o mundo através dos seus contrastes, das suas sombras e das suas luzes, numa reverberação de cores em perfeita integração com as tensões e as distensões dos personagens na estrada da vida, essa vida de correrias e de descanso, de amor e de ódio, de riso e lágrima sobre aqueles chapadões abruptos das Lavras dos Diamantes.
Hoje, tempos depois, Mush Emmons está lá na distante Califórnia. Pedi a ele, por internet, um depoimento sobre o seu desempenho em "Revoada": ele se mostrou meio arredio ou mesmo desinteressado. Insisti, elaborando questões para que ele me respondesse; afirmou laconicamente que me responderia de forma oral. Fiquei à espera de suas respostas longos dias. Eis o questionário que lhe dirigi:
1. como foi sua experiência no Brasil?
2. como você reagiu diante do roteiro do filme?
3. como você se relacionou com a direção?
4. e a sua relação com a equipe, como foi?
5. qual o seu tratamento para fotografar nas externas e nas internas?
6. foi o último filme baiano a utilizar película, e finalizar em digital: qual a sua percepção dessa mudança tecnológica?
7. você trabalhou a cor de que modo?
8. você se relacionou com o ritmo da dramaturgia do filme de que forma?
*para mim é o suficiente, Mush. se você quiser acrescentar alguma coisa... fique à vontade - conclui assim a enquete.
* ...até o momento não chegaram da Califórnia suas respostas ao questionário. The end.
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