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Lançamento nacional - Orient CinePlace Boulevard

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14 - 16h15 - 18h30 - 20h40 (Dublado)

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Não quero que se ensine esta História aos meus netos


Não é compreensível nem aceitável que se queira instilar nas escolas visões da História deformadas, militantes e ignorantes.

Por João Pedro Marques para o Observador

O vídeo circula no Instagram, no X, no Facebook, e mostra um grupo de crianças africanas - do arquipélago de Cabo Verde, ao que tudo indica - declamando uma mensagem patriótica e política. Não é claro se a actuação das crianças decorre numa escola ou num outro espaço, mas é manifesto que resulta de algo que lhes foi ensinado, e que elas estão a aprender, e que é, acima de tudo, uma visão da História profundamente deformada, militante e ignorante. Ou seja, trata-se de ideologia política, no pior sentido da palavra.
Mas vejam e ouçam o vídeo. O primeiro menino diz o seguinte: “Verde é o que simboliza a terra; dourado são as nossas riquezas; vermelho é o sangue derramado na luta contra a escravatura e preto é a cor da pele. Prestando reverência ao original africano e não imitação. Prestando reverência ao ventre preto que gerou todas as nações do mundo. Prestando reverência ao berço e farol da Humanidade, a fundação de toda a espiritualidade, porque a história insiste em negar e a academia eurocêntrica não quer que saibamos quem nós somos.”
Quando esse primeiro menino se cala um segundo menino prossegue com a declamação: “E continua essa blasfémia” - diz. - “Eles continuam a ensinar que um tal Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil. Imagina que prepotência afirmar que descobriu um lugar onde já havia moradores, um lugar onde estava a civilização milénios antes. Além disso o africano já estava nos quatro cantos do mundo muito antes. Não te deixes, não te deixes ser enganado! Melanina não é tua desgraça, mas sim tua glória. Nossa história não começou na escravatura. Escravatura foi a interrupção de nossa história e nossa grandeza”.
O vídeo termina com uma menina a fazer uma espécie de súmula e um apelo final ao combate, ao brio africano, e uma invectiva aos dados da História: “Já chega, já chega de fraude intelectual africana. Vamos acordar, levantar e unir. Lutamos para unir e unimos para lutar. África para os africanos. Hoje e sempre”.
Ora, de onde vem isto? Uma breve investigação permite perceber que se trata de excertos de uma canção chamada “Reverência”, do grupo de música reggae brasileiro GrooVI, cuja versão original pode ser ouvida aqui e cuja letra integral pode ser lida aqui.
No YouTube um comentador escreveu o seguinte a respeito desta canção: “um hino… Se todas as escolas passassem essa música uma vez ao ano, já mudaria muita cabeça”. Ora é justamente aqui que eu quero chegar. É perfeitamente compreensível e legítimo que em Cabo Verde se ensine às crianças de escola este hino reggae e a ideologia que ele veicula. O mesmo se diga no Brasil, ou em grandes regiões do Brasil, cuja maior parte da população é afrodescendente. O que já não é compreensível é ver que há, aqui em Portugal, gente que quer transpor parte desta visão, parte desta mensagem, para as nossas escolas básicas e secundárias, e para o ensino da nossa História. O que já não é compreensível nem aceitável é que se queira injectar nas crianças europeias a rejeição do conceito e da palavra “descobrimento” com o indigente argumento de que as terras descobertas pelos navegadores portugueses, italianos, espanhóis, já tinham habitantes. Saberão essas pessoas o que significa o verbo “descobrir”? Perceberão elas que implica uma acção que não é exactamente a mesma coisa para quem descobre e para quem é descoberto? O dicionário da Porto Editora dá uma ajuda a essas cabeças. “Descobrir” significa “achar ou encontrar o que se ignorava, desconhecia ou estava oculto; pôr à vista, mostrar; avistar”. E é claro que para os portugueses, os europeus e quaisquer outros habitantes do Velho Mundo, a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil implicou um descobrimento. Querer subverter isto ou fazer da história de África aquilo que ela não foi, ensinar às crianças que os africanos lutaram sistematicamente contra a escravidão - o que é falso -, transmitir que a academia e os historiadores brancos estão a omitir maliciosamente a verdade e a esconder dos africanos a sua (suposta) anterior grandeza, dizer que no ano 1500 d.C. os africanos já estavam há muito nos “quatro cantos do mundo”, ou que a África foi a “fundação de toda a espiritualidade” é colaborar numa trama de ficções e mistificações, num encadeado de fraudes históricas, numa mitologia.
É claro que tudo isso é perfeitamente aceitável no plano da arte, no reportório de uma banda musical ou como estímulo ao patriotismo, ao orgulho étnico e civilizacional. Mas já o não é a nível do ensino oficial no nosso país. Ora a insistência para que as coisas caminhem nesse sentido é pública e conhecida. Ainda há dias o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda promoveu na Assembleia da República uma sessão subordinada ao tema “Libertar Portugal do colonialismo: reparações e políticas públicas”, com a audição de cinco supostos especialistas, sendo que um deles, que iria falar sobre políticas públicas para a educação, é Miguel Monteiro de Barros, cujas posições nessa área são bem conhecidas. Essa sessão passou despercebida, não foi a bem dizer noticiada - excepção feita ao jornal Público -, mas revela que as coisas continuam a mover-se. Não tenho qualquer dúvida de que Monteiro de Barros irá continuar a tentar levar a sua carta a Garcia, e o Bloco de Esquerda também, claro. Nada disso surpreende. Estão no seu papel e a exercer os seus direitos e a sua militância política. O que surpreende e inquieta neste contexto é o silêncio ou falta de clareza do ministério da educação. Quais são as linhas com que se cose nesta matéria? Alguém o sabe?

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