O general da reserva falou sobre as mudanças geopolíticas pós-invasão russa à Ucrânia e a atuação da Defesa nas eleições
Por
Cristyan Costa
Poucas pessoas têm o privilégio de descobrir a sua vocação logo cedo. O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva [foto] encaixa-se nesse grupo seleto. Desde pequeno, já queria seguir carreira militar. "Vim desse meio porque meu pai já servia ao país", disse o homem com semblante sério, cabelos grisalhos e óculos cuja armação discreta faz com que as lentes quase desapareçam em seu rosto. O tom de voz suave adquire entonação bem diferente ao tratar de questões de Estado.
A relação
com a carreira militar também está impressa em sua certidão de nascimento: o
general veio ao mundo em 7 de setembro de 1951, em Niterói (RJ). “Foram chamar
o meu pai, e, quando ele chegou, por volta de 12 horas, minha mãe não havia me
dado à luz”, lembrou o general. "Acho que eu estava esperando a hora da
Independência (declarada às 16 horas e 30 minutos)."
Durante a
trajetória acadêmica, Rocha Paiva acumulou vários títulos, entre eles, o de
doutor em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares pela Escola de Comando e
Estado–Maior do Exército e de mestre em Aplicações Militares pela Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais. Na reserva desde 2007, especializou-se em
geopolítica e estratégia militar. Entre outros assuntos, foram abordadas as
mudanças no mundo no pós-invasão russa à Ucrânia, a atuação da Defesa nas
eleições e as manifestações populares de 7 de Setembro.
Confira os
principais trechos da entrevista.
Qual
avaliação o senhor faz das manifestações de 7 de Setembro? Qual foi o recado
das ruas?
Uma
demonstração de patriotismo, de que o Hino Nacional e as cores da bandeira do
Brasil são nossa identidade, e não a Internacional Socialista e o vermelho do
PT. O recado que as ruas deram foi um protesto contra a velha liderança
patrimonialista, fisiológica e corrupta do país. Essa elite ocupa grande parte
dos Três Poderes e defende interesses que vão na contração do que deseja o
país. Os brasileiros estão cansados disso. E esse establishment é combatido
pelo atual governo, que tenta estabelecer uma nova forma de fazer política. A
nação quer um Brasil democrata, com todas as liberdades garantidas, e uma
Justiça que atenda aos interesses e aos anseios da população.
Em agosto
de 2021, o então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, chamou a
Defesa para fiscalizar o processo eleitoral. Como o senhor vê a atuação dos
militares pouco mais de um ano depois do convite?
Por falar
em voto auditável, qual avaliação o senhor faz desse mecanismo?
Como
cidadão, não confio na inviolabilidade das urnas eletrônicas e no processo de
transmissão de votos. O comprovante impresso é um meio de assegurar mais
credibilidade e transparência, porque ele materializa o voto. Para ter ideia,
as barreiras "impenetráveis" do Pentágono já foram violadas no passado, assim
como da CIA e da antiga KGB. Problemas semelhantes são registrados com
frequência em computadores e aplicativos de celular. Por que esse tipo de coisa
não aconteceria nas urnas? Não estou insinuando que seja algo patrocinado por
alguém do TSE, mas é possível que venha de fora. Isso ocorre nos principais
órgãos de Inteligência do mundo. Temos de resgatar a confiança do nosso
processo eleitoral.
Como o
senhor vê uma possível vitória do ex-presidente Lula?
Vai ser a
falência moral do país. Não é possível votar em uma pessoa que se envolveu em
corrupção e que foi julgada e condenada em três instâncias. Mesmo tendo sido "descondenado", os crimes ocorreram, e as provas não vão desaparecer. Durante
um pronunciamento, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz
Fux, disse que a Lava Jato acabou por meras formalidades. Ele reconheceu,
contudo, que os crimes cometidos por corruptos, além do dinheiro devolvido,
existiram. Se Lula voltar ao Palácio do Planalto, será uma tristeza e uma
lástima para o país.
De que
maneira o senhor enxerga a atuação do STF e do TSE nos últimos quatro anos?
Ativismo
político resume o que eu penso. Para ter ideia, desde que o presidente Jair
Bolsonaro assumiu o governo, o STF interferiu mais de 120 vezes no Executivo.
Além disso, volta e meia, um ministro da Corte vai ao exterior manifestar-se
contra o Brasil. Conduzido por membros do STF, também o TSE vem adotando uma
posição que leva o brasileiro a se preocupar com o sistema eleitoral. Parece-me
que os juízes desses tribunais estão em busca de holofotes. O Poder Judiciário
tem de ter o máximo de discrição. Antigamente, não se sabiam os nomes dos
ministros do STF, mas, hoje, as pessoas os têm na ponta da língua. Há uma série
de declarações políticas de quem deveria ser isento.
Ao falar em
crise entre os Poderes, discute-se o papel das Forças Armadas como o Poder
Moderador. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
O Poder
Moderador não existe de direito, mas de fato. Ele entra em ação em situações de
anomia e convulsão social. Sua função é restaurar os Poderes, e não assumir um
deles. Não vejo esse mecanismo sendo usado pelas Forças Armadas com a
finalidade de tomar o comando. Se acontecer uma ruptura institucional e houver
perda de autoridade de modo a provocar uma instabilidade social, aí, sim, os
militares intervêm. No entanto, agirão para restabelecer o Poder, e não para
ocupá-lo. De 1964 até agora, uma das medidas tomadas pelas próprias Forças
Armadas foi afastar a política dos quartéis. Os militares fortaleceram o regime
democrático. Isso tem de continuar assim.
A imprensa
tradicional tem cumprido o seu papel corretamente?
Não. Ela
deixou de informar e descambou na militância. A maior parte da imprensa está
engajada com a esquerda. Isso vem desde a formação universitária, intoxicada
por marxismo e gramcismo. A estratégia dos "progressistas" no Brasil de 1960
foi ocupar espaços até sobrar apenas a Presidência, ou seja, a “cereja do
bolo”. Aqui, vivemos algo assim. A mídia quer impedir que o atual governo
exerça o seu mandato. Nunca nos esqueçamos da frase do ex-ministro Zé Dirceu
(PT): "Vamos tomar o poder, e isso não tem nada a ver com ganhar as eleições".
O governo
do presidente Jair Bolsonaro tem sido bom?
Embora haja
dificuldades na área de educação, tem sido um ótimo governo. Não sou
bolsonarista, mas vejo as coisas como as coisas são. A economia está aí para
provar que a gestão federal tem atuado para cuidar do povo. É uma pena que as
boas coisas que o governo tem feito não aparecem na imprensa. Quando são
publicadas, há uma adversativa "mas" para atenuar o impacto de algo positivo.
A América
Latina deu uma guinada à esquerda. Por quê?
Confesso
que foi uma surpresa para mim. A Argentina eu já esperava, até porque seu povo
pensa muito com o fígado, mas o Chile e a Colômbia deixaram-me espantado. Não
sei o que ocorreu nesses países, porém, pode ter relação com os rumos
equivocados que as administrações de direita seguiram. Isso pode ter
decepcionado as pessoas, muitas delas ávidas por soluções rápidas que resolvam
as coisas no curto prazo.
O ministro
da Economia, Paulo Guedes, disse que a Europa está ficando irrelevante para o
Brasil em termos comerciais. Como o senhor vê isso?
A Europa
está pagando o preço por sua prolongada decadência em termos de poder mundial,
acentuado pela saída do Reino Unido da União Europeia (UE). A cada dia que
passa, a UE vai perdendo relevância, principalmente agora que está passando por
uma crise energética, em virtude da dependência do gás russo, ao passo que
impôs sanções contra aquele país por causa da invasão à Ucrânia. Apesar da
relevância de o Brasil assinar um acordo comercial com o bloco, precisamos
olhar para além do horizonte, e isso inclui China e Rússia. O Brasil tem de
diversificar suas parcerias, ser um ator global importante, e não negociar de
modo a ficar preso, sem liberdade de ação. Nossa política externa tem de ser
pautada pelo interesse nacional. Quanto mais autonomia tivermos, melhor.
Como a
invasão da Ucrânia pela Rússia pode impactar a ordem global?
Vamos ter
um mundo multipolar: de um lado, a Otan, liderada pelos Estados Unidos; do
outro, a aliança russo-chinesa e seus satélites. Uma terceira força é a elite
globalista, composta de multibilionários que procuram influenciar os Estados a
seu bel-prazer, como o empresário e filantropo George Soros. Há alguns cenários
nesse tabuleiro de xadrez. A parceria entre o secretário-geral do Partido
Comunista, Xi Jinping, e o presidente Vladimir Putin pode se abalar, caso o
domínio da Sibéria (no leste da Rússia) seja reivindicado por um dos países. A
outra possibilidade é a China e a Rússia continuarem avançando por sobre os
países de modo a enfraquecer cada vez mais a Otan. Os EUA estão mais
fragilizados sob Biden. A retirada norte-americana do Afeganistão foi
humilhante. Em termos de autoridade global, os EUA ficaram mal na fita.
Quais
mudanças esperar para o mundo daqui para a frente?
Aumento de
tensão e de conflitos. O Brasil precisa saber jogar. Países mais fortes têm
condições de influenciar os menores que poderiam estar do nosso lado. Não
podemos permitir que a China tenha tanta influência na Argentina, por exemplo.
Temos de nos fortalecer em campos do poder onde somos fracos. Quando as nações
fortes entram em disputa, há reflexos em outros países. Entretanto, quando
entram em um acordo, repartem territórios, como na África. Precisamos ver que
nosso ponto estratégico não é só a Amazônia, mas, sim o continente e o
Atlântico Sul.
Fonte: https://www.caoquefuma.com/
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