Por Reinaldo Azevedo
A cobertura que a imprensa
ocidental fez da morte de Hugo Chávez, a nossa também - e vocês conhecem as
exceções -, foi asquerosa. Mais uma vez se voltou àquela fraude moral e
intelectual que consiste em opor como termos ou permutáveis ou mutuamente
compensáveis a ditadura e a melhoria das condições de vida da população. Assim,
não estava claro se alguns coleguinhas consideravam que "Chávez era um
ditador, mas melhorou a vida dos mais pobres" ou se "Chávez
melhorou a vida dos mais pobres, mas era um ditador". O sujeito que
diz a primeira frase é só um admirador ainda envergonhado de ditaduras. Um dia
perde a vergonha e solta a louca chavista que existe em seu interior. O segundo
é só um crítico envergonhado de ditaduras. Teme que a patrulha de vagabundos o
tome por reacionário, então fica com essas adversativas compensatórias, com
receio de dizer claramente que ditadura, como método de governo, é injustificável
e ponto final.
O primeiro tipo é, sem dúvida,
mais asqueroso, de convivência impossível, com quem não se pode partilhar nem
mesmo um café. O segundo já passa por boa-praça; é, na verdade, até
bem-intencionado. Mas é também inútil para a causa democrática. Tenho, em
verdade, mais desprezo intelectual pelo segundo do que pelo primeiro. Aquele
que, sabendo mais e tendo mais clareza do processo, condescende com regimes de
força e acaba se esforçando para buscar neles alguma virtude é pior do que o
idiota que nem sabe direito o nome do que defende.
É por isso que, entre certos
bananas e oportunistas, este escriba ficou com a fama ou de "exagerado" ou de "radical
demais". Radical em quê? Na defesa da democracia, na defesa da pluralidade, na
disposição de chamar ditadura de "ditadura", mesmo quando vem com o embrulho da
consulta democrática? A grande desgraça, a grande porcaria, também no nosso
jornalismo, é que ele está de tal sorte contaminado pelo pensamento
politicamente correto que alguns tontos nem se dão mais conta do que escrevem.
Já volto à Venezuela. Antes, algumas outras considerações.
Vimos a imprensa brasileira
espalhar, por exemplo, a calúnia asquerosa do jornalista Horacio Verbitsky, um
palhaço do kirchnerismo, contra o papa Francisco. Ele não tem nenhuma evidência,
prova ou indício de que o agora Sumo Pontífice colaborou com a repressão. Há não
mais do que a impressão e o achismo de um jesuíta então preso. Ao contrário: o
que está devidamente evidenciado é que o Jorge Bergoglio atuou para tentar
libertar alguns encarcerados. E isso ensejava contatos com a cúpula militar - o
mesmo aconteceu no Brasil. Muito bem! A esmagadora maioria dos veículos que
tratou do assunto omitiu o fato - NOTEM: É FATO, NÃO BOATO - de que Verbitsky
foi um terrorista montonero. Um pouco de honestidade intelectual lhe resta:
admite o fato - até porque não teria como negá-lo. Foi apresentado como "próximo"
da Cristina Kirchner, a Louca da Casa Rosada. Errado! É um propagandista do
governo, do regime. Mais do que isso: é um assessor informal da presidente que
persegue abertamente a imprensa.
Mas quê… O suposto passado
colaboracionista do agora papa é exposto, ainda que a informação seja atribuída
a Verbitsky, mas sobre o passado do próprio jornalista, nada! Que critério é
esse? Então a vida pregressa do terrorista e o presente do áulico têm de ser
escondidos dos leitores, dos internautas? O que aconteceu com os editores de
alguns grandes veículos? Passam o dia tomando café, pensando na morte da
bezerra, administrando borderôs? Estou cobrando apenas apreço aos fatos. Por
que é assim? Só pode ser porque, no fim das contas, se considera que ser
montonero era estar "do lado certo da batalha". A explicação alternativa é a
burrice pura e simples. Mas, como sempre se é burro de um lado só, considero
que é método demais para tão pouca inteligência. A burrice metódica vira uma
escolha ideológica - além de ser uma sabotagem aos interesses do leitor, do
telespectador, do ouvinte, do internauta.
O mesmo se dá com a
cobertura, que já ultrapassou o limite da baixaria, da pressão contra o
deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Duvido que alguém faça a ele mais restrições
de natureza intelectual, política e até bíblicas do que eu. Não penso o que ele
pensa. Não comungo de suas ideias. Mas é uma barbaridade, um acinte ao bom
senso, uma ofensa aos fatos, afirmar que ele foi racista ou homofóbico em suas
declarações. A acuação de racismo consegue ser a mais exótica. E se ele tivesse
certado na referência bíblica e se referido aos cananeus, descendentes de Canaã,
amaldiçoado por Noé? Quem deveria estar acusando o pastor de "racista"? Santo
Deus! A mãe deste senhor é negra. Ele próprio é negro segundo os critérios dos
racialistas. Seria contemplado pela lei das cotas que esses ditos "progressistas"
defendem.
Lamento! A cobertura de certa
imprensa lembra uma matilha hidrófoba. Do que é mesmo que acusam o deputado? De
intolerante? Por isso não o deixam falar? De agressivo? Por isso não aceitam
seu pedido de desculpas? De resto, se a Comissão existe apenas para homologar
as reivindicações dos grupos militantes, que seja dada, então, por extinta e as
matérias aprovadas sem exame. Esse tipo de procedimento emburrece gerações. Não
são poucos os veículos de comunicação que estão abrindo mão, de forma clara e
lastimável, da pluralidade e até do direito de defesa. EU SEMPRE SOU MUITO
CLARO E MUITO DURO COM O PENSAMENTO QUE REPUDIO. MAS JAMAIS ATRIBUO, MESMO À
PESSOA MAIS DETESTÁVEL, O QUE ELA NÃO FEZ OU DISSE. SE DETESTÁVEL MESMO,
CERTAMENTE ENCONTRAREI RAZÕES PARA CONTESTÁ-LA POR AQUILO QUE FEZ E DISSE. "Ah,
é que você pega leve com os evangélicos." Pego? Perguntem a Edir Macedo.
Não é assim, não! Há uma
perda quase generalizada de referências. Este blog existe porque a Internet está
aí. Mas a imprensa não pode ser mera caudatária desse processo, até porque, há
muito tempo, também as redes sociais não são livres. Estão sendo monitoradas
por grupos organizados, por difamadores profissionais, por militantes a soldo.
O que entendemos por democracia? É a força de quem grita mais? Ninguém precisa
testar a sua tolerância com pessoas com as quais concorda, não é mesmo?
Quais são, no fim das contas,
os valores que orientam esse jornalismo?
Volto à Venezuela
Sempre fico muito irritado quando leio um tonto ou outro a afirmar que, afinal, a Venezuela não pode ser considerada uma ditadura porque há oposição, porque funciona um Parlamento, porque há eleições… Bem, então não houve ditadura militar no Brasil. Simples assim. Não houve???
Sempre fico muito irritado quando leio um tonto ou outro a afirmar que, afinal, a Venezuela não pode ser considerada uma ditadura porque há oposição, porque funciona um Parlamento, porque há eleições… Bem, então não houve ditadura militar no Brasil. Simples assim. Não houve???
Nicolás Maduro, ex-motorista
de ônibus, resolveu voltar a seu passado de "trabalhador". Afinal, o
marqueteiro de Lula e Dilma, João Santana, está lá e é seu orientador. Conduziu
pessoalmente um grupo de eleitores para uma solenidade de entrega de 352 casas.
Também estreou num programa de televisão. A oposição, evidentemente, não tem
acesso à TV e não pode participar da entrega de prebendas. "Quase ditadura"? "Democracia
diferente?" Não! A Venezuela é uma ditadura, e são, portanto, delinquências políticas
estas duas frases:
"Chávez era um ditador, mas melhorou a vida dos mais pobres";
"Chávez melhorou a vida dos mais pobres, mas era um ditador".
Até porque essa melhoria
consistiu na distribuição de alguns caraminguás do petróleo. Cobrou um preço
por isso: o controle do Legislativo, o controle do Judiciário, o fim da
imprensa livre - décadas serão necessárias para recuperar o país desse
desastre. "E as elites antigas, que nunca distribuíram nem os caraminguás?",
poderá indagar alguém. Sua estupidez não justifica a miséria política a que o
ditador conduzir o país.
Encerro assim
Em matéria de defesa da democracia, só um ponto de vista é moral: o extremista.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo" Em matéria de defesa da democracia, só um ponto de vista é moral: o extremista.
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