Por Marco Antonio Villa
O julgamento do mensalão atingiu duramente o
Partido dos Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente
o figurino construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e
defensor dos mais pobres.
Agora é possível entender as razões da sua
liderança de tentar, por todos os meios, impedir a realização do julgamento.
Não queriam a publicização das práticas criminosas, das reuniões clandestinas,
algumas delas ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto, caso único
na história brasileira.
Muito distante das pesquisas acadêmicas -
instrumentalizadas por petistas - e, portanto, mais próximos da realidade, os
ministros do STF acertaram na mosca ao definir a liderança petista, em 2005,
como uma sofisticada organização criminosa e que, no entender do ministro
Joaquim Barbosa, tinha como chefe José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro
da Casa Civil de Lula.
Segundo o ministro Celso de Mello: "Este
processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho
de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e
desonesta de poder." E concluiu: "É macrodelinquência governamental." O
presidente Ayres Brito foi direto: "É continuísmo governamental. É golpe."
O julgamento do mensalão desnudou o PT, daí o
ódio dos seus fanáticos militantes com a Suprema Corte e, principalmente,
contra o que eles consideram os "ministros traidores", isto é, aqueles que
julgaram segundo os autos do processo e não de acordo com as determinações
emanadas da direção partidária.
Como estão acostumados a lotear as funções
públicas, até hoje não entenderam o significado da existência de três poderes
independentes e, mais ainda, o que é ser ministro do STF.
Para eles, especialmente Lula, ministro da
Suprema Corte é cargo de confiança, como os milhares criados pelo partido desde
2003. Daí que já começaram a fazer campanha para que os próximos nomeados, a
começar do substituto de Ayres Brito, sejam somente aqueles de absoluta
confiança do PT, uma espécie de ministro companheiro. E assim, sucessivamente,
até conseguirem ter um STF absolutamente sob controle partidário.
A recepção da liderança às condenações
demonstra como os petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a
democracia.
Primeiramente, logo após a eclosão do
escândalo, Lula pediu desculpas em pronunciamento por rede nacional. No final
do governo mudou de opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como
e com quais instrumentos, pois seria um ex-presidente.
Em 2011 apresentou uma terceira explicação:
tudo era uma farsa, não tinha existido o mensalão. Agora apresentou uma quarta
versão: disse que foi absolvido pelas urnas - um ato falho, registre-se, pois
não eram um dos réus do processo. Ao associar uma simples eleição com um
julgamento demonstrou mais uma vez o seu desconhecimento do funcionamento das
instituições - registre-se que, em todas estas versões, Lula sempre contou com
o beneplácito dos intelectuais chapas-brancas para ecoar sua fala.
As lideranças condenadas pelo STF insistem em
dizer que o partido tem que manter seu projeto estratégico. Qual? O socialismo
foi abandonado e faz muito tempo. A retórica anticapitalista é reservada para
os bate-papos nostálgicos de suas velhas lideranças, assim como fazem parte do
passado o uso das indefectíveis bolsas de couro, as sandálias, as roupas
desalinhadas e a barba por fazer.
A única revolução petista foi na aparência
das suas lideranças. O look guevarista foi abandonado. Ficou reservado somente
à base partidária. A direção, como eles próprios diriam em 1980, "se aburguesou".
Vestem roupas caras, fizeram plásticas, aplicam botox a três por quatro. Só
frequentam restaurantes caros e a cachaça foi substituída pelo uísque e o
vinho, sempre importados, claro.
O único projeto da aristocracia petista -
conservadora, oportunista e reacionária - é de se perpetuar no poder. Para isso
precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental
que passaram a falar em controle social da imprensa e… do Judiciário. Sabem que
a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores
obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma
oposição político-partidária.
A estratégia petista conta com o apoio do que
há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários
inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de
saquear o Estado.
O PT acabou virando o instrumento de uma
burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma
burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que
encontrou no partido - depois de um século de desencontros, namorando os
militares e setores políticos ultraconservadores - o melhor instrumento para a
manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na
defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se
movimentou em direção a eles foi o PT.
Vivemos uma quadra muito difícil. Remar
contra a corrente não é tarefa das mais fáceis. As hordas governistas estão
sempre prontas para calar seus adversários.
Mas as decisões do STF dão um alento, uma
esperança, de que é possível imaginar uma república em que os valores
predominantes não sejam o da malandragem e da corrupção, onde o desrespeito à
coisa pública não se torne uma espécie de lema governamental e a mala recheada
de dinheiro roubado do Erário não se tenha transformado em símbolo nacional.
Fonte: "O Globo"
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