Na revista "Veja" desta semana uma retrospectiva do governo Lula e sobre o seu futuro. Reinaldo Azevedo escreve um longo artigo intitulado “A oposição se deixou massacrar".
A seguir, reprodução de um terço do texto:
“Em nosso país, queremos substituir o egoísmo pela moral (…); os costumes pelos princípios; as conveniências pelos deveres; a tirania da moda pelo império da razão; o desprezo à desgraça pelo desprezo ao vício; a insolência pelo orgulho; a vaidade pela grandeza d’alma; o amor ao dinheiro pelo amor à glória (…); a intriga pelo mérito (…); o tédio da volúpia pelo encanto da felicidade; a pequenez dos grandes pela grandeza do homem; um povo cordial, frívolo e miserável por um povo generoso, forte e feliz; ou seja, todos os vícios e ridicularias da Monarquia por todos os milagres da República.”
As palavras acima são parte de um discurso feito por Robespierre, um dos líderes jacobinos, a corrente mais radical da primeira safra dos revolucionários franceses, e foram pronunciadas no dia 5 de fevereiro de 1794. É grande o risco de o leitor ter ouvido de um professor, em algum momento de sua vida escolar, que ali estava um cara batuta, que queria “liberdade, igualdade e fraternidade”. Quem de nós pode ser contra o horizonte que ele propõe? No dia 28 de julho daquele mesmo ano, Robespierre perdeu a cabeça na guilhotina. Ainda retornarei à França do fim do século 18 depois de passar pelo Brasil do começo do século 21.
De volta para o futuro, pois:
Quem contesta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva odeia o país. Quem manifesta contrariedade com a concessão de um prêmio literário a uma celebridade, em um jogo de cartas marcadas, está com inveja. Quem enfrenta a patrulha politicamente correta quer fazer a história marchar para trás. Os dias andam hostis à crítica - a qualquer uma e em qualquer área. Não é a voz do povo que expressa intolerância, mas a dos que se querem seus intérpretes privilegiados. As urnas demonstraram que a massa de eleitores é bem mais plural do que os donos do “Complexo do Alemão” mental da política, da ideologia, da cultura e até de setores da imprensa, que tentam satanizar o dissenso.
Nesse ambiente, fazer oposição ao governo liderado pelo PT, partido que atribui a si mesmo a missão de depurar a história, é tarefa das mais difíceis, especialmente quando a minoria parlamentar será minoria como nunca antes na democracia deste país. Ao longo de oito anos, é preciso convir, os adversários de Lula não conseguiram encontrar o tom e se deixaram tragar pela voragem retórica que fez tabula rasa do passado e privatizou o futuro. O PT passa a impressão de já ter visitado o porvir e estar entre nós para dar notícias do amanhã.
A pergunta óbvia é com que discurso articular o dissenso, sem o qual a democracia se transforma na ditadura do consentimento?
Não existem receitas prontas. Mas me parece óbvio que o primeiro passo consiste em libertar a história do cativeiro onde o PT a prendeu. Isso significa mostrar, e não esconder, os feitos e conquistas institucionais que se devem aos atuais oposicionistas e que se tornaram realidade apesar da mobilização contrária bruta e ignorante do PT. Ajuda também falar a um outro Brasil profundo, que não aquele saído dos manuais da esquerda, sempre à espera de reparações e compensações promovidas pelo pai-patrão dadivoso ou a mãe severa e generosa, à espera da “grande virada”, que nunca virá!
Temos já um Brasil de adultos contribuintes, com uma classe média que trabalha e estuda, que dá duro, que pretende subir na vida, que paga impostos escorchantes, diretos e indiretos, a um estado insaciável e ineficiente. Milhões de brasileiros serão mais autônomos, mais senhores de si e menos suscetíveis a respostas simples e erradas para problemas difíceis quando souberem que são eles a pagar a conta da vanglória dos governos. É inútil às oposições disputar a paternidade do maná estatal que ceva mega-currais eleitorais. Os órfãos da política, hoje em dia, não são os que recebem os benefícios - e nem entro no mérito, não agora, se acertados ou não -, mas os que financiam a operação. Entre esses, encontram-se milhões de trabalhadores, todos pagadores de impostos, muitos deles também pobres!
Esse Brasil profundo também tem valores - e valores se transformam em política. O que pensa esse outro país? O debate sobre a descriminação do aborto, que marcou a reta final da disputa de 2010, alarmou a direção do PT e certa imprensa “progressista”. Descobriu-se, o que não deixou menos espantados setores da oposição, que amplas parcelas da sociedade brasileira, a provável maioria, cultivam valores que, mundo afora, são chamados “conservadores”, embora essas convicções, por aqui, não encontrem eco na política institucional - quando muito, oportunistas caricatos os vocalizam, prestando um desserviço ao conservadorismo.
Terão as oposições a coragem de defender seu próprio legado, de apelar ao cidadão que financia a farra do estado e de falar ao Brasil que desafia os manuais da “sociologia progressista”? Terão as oposições a clareza de deixar para seus adversários o discurso do “redistributivismo”, enquanto elas se ocupam das virtudes do “produtivismo”? Terão as oposições a ousadia de não disputar com os seus adversários as glórias do mudancismo, preferindo falar aos que querem conservar conquistas da civilização? Lembro, a título de provocação, que o apoio maciço à ocupação do Complexo do Alemão pelas Forças Armadas demonstrou que quem tem medo de ordem é certo tipo de intelectual; povo gosta de soldado fazendo valer a lei. Ora, não pode haver equilíbrio democrático onde não há polaridade de idéias. Apontem-me uma só democracia moderna que não conte com um partido conservador forte, e eu me desminto.
(…)
Leia a íntegra do texto na edição impressa da "Veja", páginas 244 a 250.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
“Em nosso país, queremos substituir o egoísmo pela moral (…); os costumes pelos princípios; as conveniências pelos deveres; a tirania da moda pelo império da razão; o desprezo à desgraça pelo desprezo ao vício; a insolência pelo orgulho; a vaidade pela grandeza d’alma; o amor ao dinheiro pelo amor à glória (…); a intriga pelo mérito (…); o tédio da volúpia pelo encanto da felicidade; a pequenez dos grandes pela grandeza do homem; um povo cordial, frívolo e miserável por um povo generoso, forte e feliz; ou seja, todos os vícios e ridicularias da Monarquia por todos os milagres da República.”
As palavras acima são parte de um discurso feito por Robespierre, um dos líderes jacobinos, a corrente mais radical da primeira safra dos revolucionários franceses, e foram pronunciadas no dia 5 de fevereiro de 1794. É grande o risco de o leitor ter ouvido de um professor, em algum momento de sua vida escolar, que ali estava um cara batuta, que queria “liberdade, igualdade e fraternidade”. Quem de nós pode ser contra o horizonte que ele propõe? No dia 28 de julho daquele mesmo ano, Robespierre perdeu a cabeça na guilhotina. Ainda retornarei à França do fim do século 18 depois de passar pelo Brasil do começo do século 21.
De volta para o futuro, pois:
Quem contesta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva odeia o país. Quem manifesta contrariedade com a concessão de um prêmio literário a uma celebridade, em um jogo de cartas marcadas, está com inveja. Quem enfrenta a patrulha politicamente correta quer fazer a história marchar para trás. Os dias andam hostis à crítica - a qualquer uma e em qualquer área. Não é a voz do povo que expressa intolerância, mas a dos que se querem seus intérpretes privilegiados. As urnas demonstraram que a massa de eleitores é bem mais plural do que os donos do “Complexo do Alemão” mental da política, da ideologia, da cultura e até de setores da imprensa, que tentam satanizar o dissenso.
Nesse ambiente, fazer oposição ao governo liderado pelo PT, partido que atribui a si mesmo a missão de depurar a história, é tarefa das mais difíceis, especialmente quando a minoria parlamentar será minoria como nunca antes na democracia deste país. Ao longo de oito anos, é preciso convir, os adversários de Lula não conseguiram encontrar o tom e se deixaram tragar pela voragem retórica que fez tabula rasa do passado e privatizou o futuro. O PT passa a impressão de já ter visitado o porvir e estar entre nós para dar notícias do amanhã.
A pergunta óbvia é com que discurso articular o dissenso, sem o qual a democracia se transforma na ditadura do consentimento?
Não existem receitas prontas. Mas me parece óbvio que o primeiro passo consiste em libertar a história do cativeiro onde o PT a prendeu. Isso significa mostrar, e não esconder, os feitos e conquistas institucionais que se devem aos atuais oposicionistas e que se tornaram realidade apesar da mobilização contrária bruta e ignorante do PT. Ajuda também falar a um outro Brasil profundo, que não aquele saído dos manuais da esquerda, sempre à espera de reparações e compensações promovidas pelo pai-patrão dadivoso ou a mãe severa e generosa, à espera da “grande virada”, que nunca virá!
Temos já um Brasil de adultos contribuintes, com uma classe média que trabalha e estuda, que dá duro, que pretende subir na vida, que paga impostos escorchantes, diretos e indiretos, a um estado insaciável e ineficiente. Milhões de brasileiros serão mais autônomos, mais senhores de si e menos suscetíveis a respostas simples e erradas para problemas difíceis quando souberem que são eles a pagar a conta da vanglória dos governos. É inútil às oposições disputar a paternidade do maná estatal que ceva mega-currais eleitorais. Os órfãos da política, hoje em dia, não são os que recebem os benefícios - e nem entro no mérito, não agora, se acertados ou não -, mas os que financiam a operação. Entre esses, encontram-se milhões de trabalhadores, todos pagadores de impostos, muitos deles também pobres!
Esse Brasil profundo também tem valores - e valores se transformam em política. O que pensa esse outro país? O debate sobre a descriminação do aborto, que marcou a reta final da disputa de 2010, alarmou a direção do PT e certa imprensa “progressista”. Descobriu-se, o que não deixou menos espantados setores da oposição, que amplas parcelas da sociedade brasileira, a provável maioria, cultivam valores que, mundo afora, são chamados “conservadores”, embora essas convicções, por aqui, não encontrem eco na política institucional - quando muito, oportunistas caricatos os vocalizam, prestando um desserviço ao conservadorismo.
Terão as oposições a coragem de defender seu próprio legado, de apelar ao cidadão que financia a farra do estado e de falar ao Brasil que desafia os manuais da “sociologia progressista”? Terão as oposições a clareza de deixar para seus adversários o discurso do “redistributivismo”, enquanto elas se ocupam das virtudes do “produtivismo”? Terão as oposições a ousadia de não disputar com os seus adversários as glórias do mudancismo, preferindo falar aos que querem conservar conquistas da civilização? Lembro, a título de provocação, que o apoio maciço à ocupação do Complexo do Alemão pelas Forças Armadas demonstrou que quem tem medo de ordem é certo tipo de intelectual; povo gosta de soldado fazendo valer a lei. Ora, não pode haver equilíbrio democrático onde não há polaridade de idéias. Apontem-me uma só democracia moderna que não conte com um partido conservador forte, e eu me desminto.
(…)
Leia a íntegra do texto na edição impressa da "Veja", páginas 244 a 250.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Um comentário:
A política do petralhismo foi tão bem elaborada, que basta a oposição abrir a boca prá relatar e delatar as imoralidades dessa gente governista petralha (e aliados)ou propor algo bom para o povo, que o petralhismo vem logo com seu rôlo compressor prá desmontar qualquer projeto da oposição. Torço prá que nossos gatos pingados, que realmente sabem qual é a sua função como oposicionista não desanimem e não se deixem intimidar.
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