Por Contardo Calligaris, na "Folha de S. Paulo":
Domingo, numa conversa sobre filhos e netos, um amigo, pai de dois meninos que já têm mais de 20 anos, declarou que, graças a Deus, estava saindo da tormenta. Todos entendemos o que ele quis dizer: a relação entre pais e filhos adolescentes pode ser uma tormenta - e, às vezes, um tormento.
Essa tempestade se alimenta numa espécie de mal-entendido fundamental: 1) os adolescentes menosprezam a experiência dos adultos, 2) os adultos menosprezam a experiência dos adolescentes. Explico. 1) Para os adolescentes, em regra, os adultos (a começar pelos pais) são seres resignados (e talvez um pouco covardes), que desistiram de seus sonhos. A existência dos adultos sendo uma longa renúncia, entende-se que os entusiasmos e os sentimentos dos mesmos sejam quase sempre fingidos, inautênticos: uma encenação para um "ersatz" de vida.
Será que os adolescentes inventaram essa visão cruel e, de fato, sumária da experiência dos adultos? Nada disso: os adolescentes apenas acreditam em nossas próprias palavras. Como assim? Simples: estamos sempre prontos a salientar que a "época maravilhosa" que eles estão vivendo logo chegará ao fim e aí eles deverão se render à "triste realidade" (que seria a nossa), ou seja, eles conhecerão a desistência e o fracasso que seriam próprios da idade adulta.
Resultado: os adolescentes se surpreendem ou mesmo se revoltam quando um adulto, de repente, manifesta seu desejo. Um adolescente pode achar a mãe e o pai indignamente acomodados e chatos que nem zumbis vivendo numa sinistra rotina de deveres; o mesmo adolescente tacha de inconsequente e traidor do lar a mãe ou o pai que decide se separar para correr atrás de um amor. 2) Para os adultos, em regra, o adolescente é um ser provisório, inacabado: ele é apenas a promessa de um futuro no qual, enfim, ele viverá "de verdade".
Sobretudo na classe média, essa convicção é confirmada pelo fato de que os adultos bancam a longa adolescência dos filhos, e isso demonstraria que os adolescentes, sem independência, vivem uma época de formação, durante a qual a experiência é apenas um ensaio.
Um adolescente sofre por amor? Nosso olhar condescendente não é muito diferente do que seria se uma criança de oito anos nos dissesse estar apaixonada. Não é nada sério, é coisa de adolescente. O que um adolescente deve fazer para ser levado a sério? Nos últimos anos, em escolas dos Estados Unidos e da Europa, uma triste série de jovens saíram atirando, matando e se matando: "Será que, se eu assassinar dez colegas e três professores, alguém vai me levar a sério?", "e se eu me suicidar?". Quase todos esses jovens anunciaram seu desespero e seus planos, não em diários secretos, mas em blogs e sites que qualquer um podia acessar. Pois é, ninguém levou à sério.
Talvez a gente desvalorize a experiência dos adolescentes para compensar a inveja que nos inspiram suas vidas jovens e ainda para trilhar. Seja como for, os adolescentes retribuem nosso pouco caso considerando que somos apagados e previsíveis como o mobiliário da casa de família. Contra essa cegueira, pela qual ninguém enxerga a experiência do outro, um remédio: que você seja adulto ou adolescente, assista a "As Melhores Coisas do Mundo", o filme de Laís Bodanzky que estreou na sexta-feira passada (está em cartaz em Feira de Santana, no Orient Cineplace). E, se for possível vencer a eventual resistência de todos, adultos e jovens, contra qualquer programa de família, melhor ainda: assista ao longa em bando. Garanto que o filme vai dar umas conversas boas e bem-vindas entre pais e filhos.
Os jovens gostarão de constatar que seu cotidiano vale a pena ser contado: o filme é um retrato milagrosamente exato da experiência adolescente (aliás, como a adolescência, ele consegue ser bem-humorado, divertido e, ainda, absolutamente sério).
Alguns comentaristas disseram que o tema do filme é o "bullying" na época da Internet. Pode ser, embora eu prefira pensar que, simplesmente, não é fácil ir para a escola, a cada dia. E não é preciso que aconteça algo de extraordinário ou extremo para que a escola seja uma selva: para isso, basta a tarefa básica (e obrigatória para todos os adolescentes) de construir, inventar e preservar uma identidade sob o olhar impiedoso dos outros.
Mas, aquém ou além disso tudo, para mim, "As Melhores Coisas do Mundo" é um filme para os adolescentes descobrirem que os adultos ainda não desistiram de viver, e os adultos descobrirem que os adolescentes já estão vivendo, para valer.
Essa tempestade se alimenta numa espécie de mal-entendido fundamental: 1) os adolescentes menosprezam a experiência dos adultos, 2) os adultos menosprezam a experiência dos adolescentes. Explico. 1) Para os adolescentes, em regra, os adultos (a começar pelos pais) são seres resignados (e talvez um pouco covardes), que desistiram de seus sonhos. A existência dos adultos sendo uma longa renúncia, entende-se que os entusiasmos e os sentimentos dos mesmos sejam quase sempre fingidos, inautênticos: uma encenação para um "ersatz" de vida.
Será que os adolescentes inventaram essa visão cruel e, de fato, sumária da experiência dos adultos? Nada disso: os adolescentes apenas acreditam em nossas próprias palavras. Como assim? Simples: estamos sempre prontos a salientar que a "época maravilhosa" que eles estão vivendo logo chegará ao fim e aí eles deverão se render à "triste realidade" (que seria a nossa), ou seja, eles conhecerão a desistência e o fracasso que seriam próprios da idade adulta.
Resultado: os adolescentes se surpreendem ou mesmo se revoltam quando um adulto, de repente, manifesta seu desejo. Um adolescente pode achar a mãe e o pai indignamente acomodados e chatos que nem zumbis vivendo numa sinistra rotina de deveres; o mesmo adolescente tacha de inconsequente e traidor do lar a mãe ou o pai que decide se separar para correr atrás de um amor. 2) Para os adultos, em regra, o adolescente é um ser provisório, inacabado: ele é apenas a promessa de um futuro no qual, enfim, ele viverá "de verdade".
Sobretudo na classe média, essa convicção é confirmada pelo fato de que os adultos bancam a longa adolescência dos filhos, e isso demonstraria que os adolescentes, sem independência, vivem uma época de formação, durante a qual a experiência é apenas um ensaio.
Um adolescente sofre por amor? Nosso olhar condescendente não é muito diferente do que seria se uma criança de oito anos nos dissesse estar apaixonada. Não é nada sério, é coisa de adolescente. O que um adolescente deve fazer para ser levado a sério? Nos últimos anos, em escolas dos Estados Unidos e da Europa, uma triste série de jovens saíram atirando, matando e se matando: "Será que, se eu assassinar dez colegas e três professores, alguém vai me levar a sério?", "e se eu me suicidar?". Quase todos esses jovens anunciaram seu desespero e seus planos, não em diários secretos, mas em blogs e sites que qualquer um podia acessar. Pois é, ninguém levou à sério.
Talvez a gente desvalorize a experiência dos adolescentes para compensar a inveja que nos inspiram suas vidas jovens e ainda para trilhar. Seja como for, os adolescentes retribuem nosso pouco caso considerando que somos apagados e previsíveis como o mobiliário da casa de família. Contra essa cegueira, pela qual ninguém enxerga a experiência do outro, um remédio: que você seja adulto ou adolescente, assista a "As Melhores Coisas do Mundo", o filme de Laís Bodanzky que estreou na sexta-feira passada (está em cartaz em Feira de Santana, no Orient Cineplace). E, se for possível vencer a eventual resistência de todos, adultos e jovens, contra qualquer programa de família, melhor ainda: assista ao longa em bando. Garanto que o filme vai dar umas conversas boas e bem-vindas entre pais e filhos.
Os jovens gostarão de constatar que seu cotidiano vale a pena ser contado: o filme é um retrato milagrosamente exato da experiência adolescente (aliás, como a adolescência, ele consegue ser bem-humorado, divertido e, ainda, absolutamente sério).
Alguns comentaristas disseram que o tema do filme é o "bullying" na época da Internet. Pode ser, embora eu prefira pensar que, simplesmente, não é fácil ir para a escola, a cada dia. E não é preciso que aconteça algo de extraordinário ou extremo para que a escola seja uma selva: para isso, basta a tarefa básica (e obrigatória para todos os adolescentes) de construir, inventar e preservar uma identidade sob o olhar impiedoso dos outros.
Mas, aquém ou além disso tudo, para mim, "As Melhores Coisas do Mundo" é um filme para os adolescentes descobrirem que os adultos ainda não desistiram de viver, e os adultos descobrirem que os adolescentes já estão vivendo, para valer.
Um comentário:
Ainda não o vi, mas pretendo vê-lo. O tema é realmente muito especial e delicado.
Está tudo muito mudado; não é regra geral, claro, mas muitos filhos querendo dar ordens em casa, muitos pais que não se fazem respeitar, muitos jovens que descartam facilmente os conselhos dos mais velhos e por aí vai.
Dimas, não sei quem foi o culpado, ou os culpados por estarmos vivendo tantos dêsses problemas como os temas do filme, mas me dá uma saudade danada do tempo em que meus pais impunham horário prá chegarmos em casa e ATÉ apareciam de surprêsa prá ver com quem estávamos...hoje, seria um "mico". Agora, tanto os filhos como muitos desses pais querem mais liberdade e quanto mais a teem, mais as famílias estão se desmanchando.
Postar um comentário