O jornal "Tribuna Feirense" publica em sua edição desta sexta-feira, 20, artigo atualizado do jornalista Dimas Oliveira, que acompanhou Juraci Dórea em Veneza, documentando em vídeo a participação do artista na Bienal, também produzindo artigos, como este que saiu na edição do jornal "A Tarde", de 20 de julho de 1988.
Perto do final de século passado, quando tudo já havia sido experimentado, o artista feirense Juraci Dórea apareceu na XLIII Exposição Internacional de Arte - a Bienal de Veneza, com sua obra aberta, de uma singularidade significativa que se ocupava em buscar a afirmação de uma identidade brasileira e as raízes culturais. Sua obra esteve exposta nos jardins de Veneza, entre 26 de junho e 25 de setembro. Obra de cor, cheiro e alma.
Juntamente com o escultor paulista José Resende, Juraci foi escolhido pela curadora Lélia Coelho Frota para representar o Brasil no grande evento internacional e conseguiu transpor um pouco do pardo requeimado das caatingas, ambientando na cosmopolita Veneza o cenário para suas quatro esculturas de couro e madeira. Espinhos, cascalho, bosta de vaca foram componentes da instalação no pavilhão brasileiro, sendo que este último causou certo frisson na considerada bem-comportada Bienal, pois sendo polemizado, ganhando espaço em jornais como “Il Gazzettino” e “Corriere Della Sera”, conseqüentemente aumentando o número de visitantes. Em tudo ficou a constatação de um equívoco: os sensíveis narizes europeus não conseguiram entender que o cheiro era do couro curtido utilizado nas esculturas e não do estrume que compunha o ambiente.
Para o artista importa ter quebrado o isolamento cultural, pois em contato com a criação estética e a crítica internacional surgiram as conseqüências imediatas: convites para exposições na Suíça e nos Estados Unidos, além da muito provável participação na Bienal de Cuba, no ano seguinte, o que se confirmou. O crítico francês Pierre Restany, um dos jurados da Bienal, afirmou então que Juraci tem um “trabalho de consciência nacional, com sensibilidade ecológica e antropológica. Interessa-me muitíssimo”. Já Belgica Rodriguez, presidente da Associação Internacional dos Críticos de Arte, disse na época que o artista tem “uma obra incomum, de uma singularidade impressionante na recuperação de material fora de órbita não-tradicional”. Para a curadora Lélia Coelho Frota, a obra de Juraci Dórea “é um retrato possível entre os retratos possíveis do Brasil”.
CONFRONTO
A Bienal de 1988 ocupou 60 mil metros quadrados, com 258 artistas de 45 países. Nos dias 22, 23 e 24 de junho ela foi aberta aos artistas, críticos, jornalistas, aos coquetéis. Até então tinham sido credenciados exatamente 1.323 jornalistas, 757 estrangeiros de 41 países (incluindo o autor deste artigo). Um recorde de presença nos últimos anos. Essa foi a 19ª participação do Brasil, que desde 1950 - só esteve ausente em 1974 - diz presente, a partir de 1964 com seu próprio pavilhão. No domingo, 26 de junho de 1988, a Bienal foi inaugurada, com a premiação. Naquele dia, excepcionalmente, o público teve entrada gratuita. Foram estimados em oito mil visitantes que percorreram todos os pavilhões nacionais.
A primeira Bienal, há 93 anos, teve mais de 200 mil visitantes. Em 1976, o recorde com 692 mil visitantes. Hoje centenária, a Bienal de Veneza concorre em importância com a Documenta de Kassel. A Bienal de São Paulo é totalmente relegada pelos italianos. Achille Bonito Oliva, por exemplo, prefere que ela seja definitivamente fechada, pois considera que o evento é copiado e sem importância. Mas, num levantamento feito, além de Juraci Dórea que participou da 19ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1987, e participou da 43ª edição do evento veneziano, outros 13 artistas, que estiveram nesse ano passado em São Paulo, estão agora em Veneza, praticamente com o mesmo trabalho: Barbara Steinman (Canadá), Duba Sambolec (Iuguslávia), George Lappas (Grécia), Guy Rombouts (Bélgica), Isabella Gustowska (Polônia), Juan Carlos Savater (Espanha), Kari Caven (Finlândia), Motti Mizrachi (Israel), Patricia Lipperti (Luxemburgo), Peer Veneman (Holanda), Roland Brener (Canadá), Susana Solano (Espanha) e Leon Tarasewicz (Polônia).
PREMIAÇÃO
A Bienal colocou em questão o seu prestígio: mercado de idéia ou idéia para o mercado? De certo que o venerando evento é útil à afirmação comercial do artista expositor. O americano Jasper Johns, que na Bienal de 1958 passou despercebido com sua Pop Art, ganhou o Leão de Ouro, premiação que foi mais um reconhecimento à Fundação Guggenheim, curadora do pavilhão dos Estados Unidos. Johns, mesmo em Veneza, não se deu ao luxo de comparecer ao evento. Nem mesmo para receber o prêmio ele pisou nos jardins. O lobby americano foi intenso e mesmo antes de ser anunciada a premiação, todos já contavam como certa. À Itália coube outro Leão de Ouro como melhor representação, numa patriótica premiação. O pavilhão do Brasil nem sonhou com o prêmio, que depende de muita influência nos bastidores. Nem mesmo Volpi, que chegou a ser tentado para também representar o país, teria chance. Sua obra não esteve presente pelo alto custo de seguro e não houve quem bancasse a fatura. Entre a indicação e a abertura da Bienal, o grande artista faleceu. O evento somente premia artista vivente. Os artistas Juraci Dórea e José Resende ainda sofreram o descaso da Embaixada Brasileira na Itália que praticamente abandonou-os à própria sorte. Os artistas e amigos é que montaram o espaço, pois operários italianos não foram contratados para tal fim. Para a inauguração do pavilhão constava na programação oficial dirigida à imprensa que seria servido um cafezinho. Nem isso a Embaixada providenciou.
Com sua participação em Veneza, a carreira de Juraci Dórea se tornou mais que feita e consagrada. Choveram elogios e também críticas. Há os que criticavam a sua excessiva introspecção. Ele quase não circulava socialmente. Armava-se de defesas para que seu atelier não vire um salão de tietagem. Sempre foi assim e ele que não pretendia mudar, até que mudou um pouco. O fazer artístico de Juraci é convincente, dedicado, experimentado, técnico, trabalhado, sério. Apesar de tudo, seu limite ainda não está traçado, pois é um artista que pode aventurar-se por outros caminhos. Sua obra tridimensional é de grande contribuição e está sendo cada vez mais reconhecida, desde 1988 internacionalmente, mesmo continuando em Feira de Santana. Para ele é importante estar aqui, mas olhando para o mundo.
Perto do final de século passado, quando tudo já havia sido experimentado, o artista feirense Juraci Dórea apareceu na XLIII Exposição Internacional de Arte - a Bienal de Veneza, com sua obra aberta, de uma singularidade significativa que se ocupava em buscar a afirmação de uma identidade brasileira e as raízes culturais. Sua obra esteve exposta nos jardins de Veneza, entre 26 de junho e 25 de setembro. Obra de cor, cheiro e alma.
Juntamente com o escultor paulista José Resende, Juraci foi escolhido pela curadora Lélia Coelho Frota para representar o Brasil no grande evento internacional e conseguiu transpor um pouco do pardo requeimado das caatingas, ambientando na cosmopolita Veneza o cenário para suas quatro esculturas de couro e madeira. Espinhos, cascalho, bosta de vaca foram componentes da instalação no pavilhão brasileiro, sendo que este último causou certo frisson na considerada bem-comportada Bienal, pois sendo polemizado, ganhando espaço em jornais como “Il Gazzettino” e “Corriere Della Sera”, conseqüentemente aumentando o número de visitantes. Em tudo ficou a constatação de um equívoco: os sensíveis narizes europeus não conseguiram entender que o cheiro era do couro curtido utilizado nas esculturas e não do estrume que compunha o ambiente.
Para o artista importa ter quebrado o isolamento cultural, pois em contato com a criação estética e a crítica internacional surgiram as conseqüências imediatas: convites para exposições na Suíça e nos Estados Unidos, além da muito provável participação na Bienal de Cuba, no ano seguinte, o que se confirmou. O crítico francês Pierre Restany, um dos jurados da Bienal, afirmou então que Juraci tem um “trabalho de consciência nacional, com sensibilidade ecológica e antropológica. Interessa-me muitíssimo”. Já Belgica Rodriguez, presidente da Associação Internacional dos Críticos de Arte, disse na época que o artista tem “uma obra incomum, de uma singularidade impressionante na recuperação de material fora de órbita não-tradicional”. Para a curadora Lélia Coelho Frota, a obra de Juraci Dórea “é um retrato possível entre os retratos possíveis do Brasil”.
CONFRONTO
A Bienal de 1988 ocupou 60 mil metros quadrados, com 258 artistas de 45 países. Nos dias 22, 23 e 24 de junho ela foi aberta aos artistas, críticos, jornalistas, aos coquetéis. Até então tinham sido credenciados exatamente 1.323 jornalistas, 757 estrangeiros de 41 países (incluindo o autor deste artigo). Um recorde de presença nos últimos anos. Essa foi a 19ª participação do Brasil, que desde 1950 - só esteve ausente em 1974 - diz presente, a partir de 1964 com seu próprio pavilhão. No domingo, 26 de junho de 1988, a Bienal foi inaugurada, com a premiação. Naquele dia, excepcionalmente, o público teve entrada gratuita. Foram estimados em oito mil visitantes que percorreram todos os pavilhões nacionais.
A primeira Bienal, há 93 anos, teve mais de 200 mil visitantes. Em 1976, o recorde com 692 mil visitantes. Hoje centenária, a Bienal de Veneza concorre em importância com a Documenta de Kassel. A Bienal de São Paulo é totalmente relegada pelos italianos. Achille Bonito Oliva, por exemplo, prefere que ela seja definitivamente fechada, pois considera que o evento é copiado e sem importância. Mas, num levantamento feito, além de Juraci Dórea que participou da 19ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1987, e participou da 43ª edição do evento veneziano, outros 13 artistas, que estiveram nesse ano passado em São Paulo, estão agora em Veneza, praticamente com o mesmo trabalho: Barbara Steinman (Canadá), Duba Sambolec (Iuguslávia), George Lappas (Grécia), Guy Rombouts (Bélgica), Isabella Gustowska (Polônia), Juan Carlos Savater (Espanha), Kari Caven (Finlândia), Motti Mizrachi (Israel), Patricia Lipperti (Luxemburgo), Peer Veneman (Holanda), Roland Brener (Canadá), Susana Solano (Espanha) e Leon Tarasewicz (Polônia).
PREMIAÇÃO
A Bienal colocou em questão o seu prestígio: mercado de idéia ou idéia para o mercado? De certo que o venerando evento é útil à afirmação comercial do artista expositor. O americano Jasper Johns, que na Bienal de 1958 passou despercebido com sua Pop Art, ganhou o Leão de Ouro, premiação que foi mais um reconhecimento à Fundação Guggenheim, curadora do pavilhão dos Estados Unidos. Johns, mesmo em Veneza, não se deu ao luxo de comparecer ao evento. Nem mesmo para receber o prêmio ele pisou nos jardins. O lobby americano foi intenso e mesmo antes de ser anunciada a premiação, todos já contavam como certa. À Itália coube outro Leão de Ouro como melhor representação, numa patriótica premiação. O pavilhão do Brasil nem sonhou com o prêmio, que depende de muita influência nos bastidores. Nem mesmo Volpi, que chegou a ser tentado para também representar o país, teria chance. Sua obra não esteve presente pelo alto custo de seguro e não houve quem bancasse a fatura. Entre a indicação e a abertura da Bienal, o grande artista faleceu. O evento somente premia artista vivente. Os artistas Juraci Dórea e José Resende ainda sofreram o descaso da Embaixada Brasileira na Itália que praticamente abandonou-os à própria sorte. Os artistas e amigos é que montaram o espaço, pois operários italianos não foram contratados para tal fim. Para a inauguração do pavilhão constava na programação oficial dirigida à imprensa que seria servido um cafezinho. Nem isso a Embaixada providenciou.
Com sua participação em Veneza, a carreira de Juraci Dórea se tornou mais que feita e consagrada. Choveram elogios e também críticas. Há os que criticavam a sua excessiva introspecção. Ele quase não circulava socialmente. Armava-se de defesas para que seu atelier não vire um salão de tietagem. Sempre foi assim e ele que não pretendia mudar, até que mudou um pouco. O fazer artístico de Juraci é convincente, dedicado, experimentado, técnico, trabalhado, sério. Apesar de tudo, seu limite ainda não está traçado, pois é um artista que pode aventurar-se por outros caminhos. Sua obra tridimensional é de grande contribuição e está sendo cada vez mais reconhecida, desde 1988 internacionalmente, mesmo continuando em Feira de Santana. Para ele é importante estar aqui, mas olhando para o mundo.
2 comentários:
O jornalista continua mostrando que tem memória, lembrando de feito ocorrido há 20 anos.
O jornal Tribuna Feirense merece parabéns por colocar tão importante material memorial.
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