O cineasta confiou à instituição a tutela
de arquivos raros, entre eles a gravação inédita de uma entrevista de André
Setaro e João Ubaldo Ribeiro com o pai do Cinema Novo
Texto e fotos de Joseane Guedes
Pesquisadores, estudantes e
profissionais ligados ao segmento audiovisual terão em breve uma nova fonte
para mergulhar no universo de Glauber Rocha. O cineasta e crítico
cinematográfico José Umberto Dias assinou, nesta quarta (08/09), o termo de
doação de seu acervo sobre o cineasta e jornalista baiano à Associação Bahiana
de Imprensa (ABI). O conjunto doado é composto por recortes de jornais e de
revistas, filmes, fotografias, livros e outros materiais com referência ao
cinema glauberiano, além de entrevistas inéditas, como a que Glauber concedeu
ao crítico de cinema e professor André Setaro e ao escritor João Ubaldo
Ribeiro.
Natural do sul de Sergipe, José Umberto Dias nasceu na
cidade de Boquim, conhecida como "Terra da Laranja". Aos sete anos, ele veio
para a Bahia e passou a morar em Feira de Santana. Foi lá que ele começou a
guardar tudo que dizia respeito ao futuro colega conquistense, ainda em sua
adolescência. O acervo reunido ao longo de mais de quatro décadas ocupava um
armário em sua casa, na capital baiana. As relíquias foram devidamente
embaladas e removidas pela técnica em restauro Marilene Rosa, e pela museóloga
Renata Ramos, ambas da equipe do Laboratório de Conservação e Restauro da ABI.
O material passará pelos cuidados das profissionais, antes de seguir para a
reserva técnica do Museu de Imprensa e para a Biblioteca de Comunicação Jorge
Calmon, a exemplo de outros acervos sob a guarda da Associação - João Falcão, Ruy Barbosa, Walter da Silveira, Sérgio Mattos, Jorge Calmon e Berbert de Castro.
Ao lado do professor, jornalista e poeta Florisvaldo
Mattos, José Umberto Dias participou, no último dia 17, da live que comemorou
os 91 anos da ABI e lembrou os 40 anos da morte de Glauber. Na ocasião, foi anunciada a
doação concretizada.
O jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, comemora
a formalização da doação. "O valor deste acervo está precisamente na sua
originalidade: não é um mero compilado de coisas sobre Glauber, é o recorte
meticuloso e sob o olhar especial de um outro cineasta, influenciado por
Glauber", afirma. Ele destaca as gravações cujas matrizes jamais foram
executadas, com longas horas de Glauber por ele mesmo, instigado por André
Setaro e João Ubaldo Ribeiro. "Compartilhar tudo isso é o nosso principal
compromisso com Zé Umberto, a quem nós agradecemos pela confiança depositada na
ABI", completa o dirigente.
Confira
a seguir a entrevista concedida por José Umberto Dias no ato da doação:
O que esse acervo sobre Glauber Rocha
representa para você?
Esse
acervo tem uma conotação histórica e muito afetiva. Glauber foi um dos
primeiros críticos de cinema por quem logo me interessei. Quando comecei a ler
sobre ele, eu era um menino, em Feira de Santana, onde cheguei por volta de
sete anos. Participei do Clube de Cinema de Feira de Santana e me interessei
pela arte cinematográfica. Comecei a buscar assuntos ligados ao cinema,
ensaios, notícias. O cinema era uma linguagem muito poderosa. Glauber logo se
destacou, não só através dos seus filmes, mas através do jornalismo, da
crítica, da ensaística e da historiografia do cinema brasileiro. Ele começou a
questionar o cinema brasileiro, assim como fizeram Walter da Silveira, Paulo
Emílio Sales Gomes e todo um movimento que já começava a desabrochar em vários
pontos do país e veio a se chamar Cinema Novo.
Isso
ocorreu na Paraíba, com um curta chamado "Aruanda", no Rio, Nelson Pereira dos
Santos, com "Rio 40 Graus", e outros. Aí estão as raízes do Cinema Novo, que
Glauber, aqui na Bahia, começa a teorizar, principalmente com o lema dele "Uma
câmera na mão e uma ideia na cabeça" - um slogan da Nouvelle vague francesa.
Anteriormente à nouvelle, já tínhamos o neorrealismo italiano, com a presença
de Rossellini [Roberto], Vittorio De Sica, e outros. Tem várias outras origens,
como por exemplo o cinema soviético, de 1917 em diante, principalmente com duas
figuras fundamentais: Eisenstein [Serguei Mikhailovitch] e Dziga Vertov.
Glauber já começava a ver esses filmes que começavam a provocar uma
revolução.
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