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quarta-feira, 9 de março de 2016

"Como a guerra ao 'politicamente correto' explica ascensão de Trump"



Questionados sobre as maiores qualidades de Donald Trump, muitos eleitores do empresário costumam citar sua recusa em ser "politicamente correto".
"O grande problema deste país é ser politicamente correto", disse o pré-candidato Republicano em 2015 quando indagado sobre declarações ofensivas que havia feito contra mulheres.
Em sua campanha, o empresário já afirmou que imigrantes mexicanos eram "estupradores", defendeu impedir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e insinuou que uma jornalista havia lhe tratado com rispidez porque estaria menstruada.
Na mesma medida em que inflama seus críticos, as posturas lhe rendem elogios entre seus apoiadores, para quem Trump apenas "diz as coisas como elas são". Segundo eles, ao se posicionar sobre os mais variados assuntos, o empresário não se curva a sensibilidades e patrulhas linguísticas que dificultam o combate de problemas reais dos Estados Unidos, como a criminalidade e o terrorismo.
Análises indicam, porém, que a cruzada de Trump contra o politicamente correto se insere numa batalha política e cultural mais ampla, que vai bem além da linguagem. O embate muitas vezes põe direita e esquerda em lados opostos e se reproduz em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil.
Da Guerra Fria à cultura
Em artigo recente no The Washington Post, Philip Bump analisou o emprego da expressão "politicamente correto" ao longo da história americana. Ele diz que a expressão ganhou popularidade durante a Guerra Fria, quando era normalmente associada ao comunismo.
Naquela época, diz o articulista, "politicamente correto" era o que o regime soviético considerava correto. Ele cita uma reportagem de 1985 sobre uma importadora de discos. "Atualmente o jazz é politicamente correto na União Soviética", dizia o texto.
Nos anos 90 e com a implosão do regime soviético, Bump diz que a expressão passou a ser mais usada no campo cultural, ligada a práticas ou expressões que deveriam ser evitadas por ofender certos grupos.
É nesse contexto que muitos passam a associar o "politicamente correto" a uma postura cerceadora e que muitas vezes beiraria o ridículo.
Alguns críticos costumam citar, ao exemplificar o que consideram exageros dessa atitude, o cancelamento da peça 'Diálogos da Vagina' por uma faculdade de Massachusetts em 2015.
Tida como um manifesto feminista ao ser criada nos anos 90, a peça foi rejeitada pela faculdade Mount Holyoke por não ser inclusiva o suficiente: estudantes avaliaram que ela ignorava a experiência de mulheres transexuais sem vagina.
Um artigo recente na Chronicles Magazine, publicação de um instituto conservador americano, diz que o pensamento politicamente correto cala ou torna objeto de ódio e escárnio todos que se recusam a seguir seus códigos.
O objetivo da prática, segundo a revista, é exercer um controle social que "torne impossível a pessoas comuns manifestar suas queixas publicamente de uma maneira aceitável, de modo que suas objeções possam ser facilmente rejeitadas como expressões de preconceituosos ignorantes".
Para alguns, esse comportamento põe em risco a própria comunicação e se choca com a Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão.
No outro lado da disputa, muitos avaliam que ser "politicamente correto" significa apenas tratar as pessoas com respeito, e que a oposição aos códigos é alimentada por grupos que se recusam a rever privilégios ou deixar de usar expressões racistas.
Um artigo no Christian Science Monitor diz que, para as gerações que cresceram sob essa filosofia, "o discurso é uma arma, e suprimir palavras que possam ser vistas como ofensivas ou odiosas é a nova fronteira dos direitos civis".
Etiquetas
Diante desse embate, há quem veja argumentos válidos nos dois campos.
Em artigo na revista 'The Atlantic', Conor Friedersdorf diz que alguns códigos politicamente corretos - como a crença de que americanos muçulmanos merecem ser tratados como os demais cidadãos - ajudam a impedir que pessoas inocentes sofram injustiças.
Por outro lado, ele afirma que algumas práticas são "etiquetas arbitrárias que pessoas formadas em faculdades concorridas usam para se sentir superiores a outras".
"Entre as normas chave que são vitais à democracia e as demandas mais frívolas por correção política há muitos territórios em disputa", afirma o autor. Para ele, a ascensão de Trump mostra que pessoas que rejeitam os caprichos da elite intelectual estão ganhando espaço nesse embate.
Friedersdorf diz que críticos do "trumpismo" devem estudar os danos causados pelos exageros dessas normas, identificar quais delas merecem ser defendidas e convencer os americanos a adotá-las voluntariamente, e não sob a ameaça de humilhação pública.
Mas os contornos que o debate vem ganhando nos últimos anos sugerem que a pacificação da disputa está bem distante.
Para Philip Bump, do 'Washington Post', a expressão "politicamente correto" virou um guarda-chuva para várias ideias associadas à esquerda, como a defesa do casamento gay, da igualdade de gêneros e de ações afirmativas em prol de minorias.
Não por acaso, outros políticos que concorrem ou concorreram com Trump nas prévias Republicanas também condenaram práticas "politicamente corretas".
Seu principal oponente, o senador Ted Cruz (Texas), disse que a "correção política está matando pessoas", pois impediria o governo de investigar a comunicação de potenciais extremistas muçulmanos. Para o neurocirurgião Ben Carson, que deixou a corrida há poucos dias, a "correção política está arruinando nosso país".
No Brasil, políticos conservadores também têm se insurgido contra essas normas. O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos principais expoentes do grupo, costuma dizer que "estamos vivendo a ditadura do politicamente correto".
Tanto no caso americano como no brasileiro, o discurso ganha força após vários anos de governos mais à esquerda, que assumiram bandeiras em favor de minorias.
Curiosamente, Philip Bump nota que o sentido da expressão tem se reaproximado do que tinha na Guerra Fria.
"'Politicamente correto' hoje é em grande medida um sinônimo para 'o modo como a esquerda age'", diz ele.
Fonte: G1 - Da BBC Brasil, em Washington, EUA




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