Por Reinaldo Azevedo
Há gente no Brasil achando que só manifestações das esquerdas são
democráticas - justamente as da turma que é inimiga teórica e prática da…
democracia! Mais: há espertinhos lendo pelo avesso uma pesquisa Datafolha
publicada nesta segunda pela Folha. Já chego lá. Antes, algumas considerações.
O esforço para matar os protestos de rua contra a corrupção é
indecente e junta, como não poderia deixar de ser, os petistas, e parte
expressiva da imprensa. A má vontade dos jornalistas - e não adianta tentar
atribuir apenas à linha editorial dos veículos - chega a ser eticamente
asquerosa. Se eu dispusesse de tempo para isto, não ficaria difícil demonstrar
que os black blocs mereceram tratamento bem mais respeitoso. Façam o trabalho
vocês mesmos. Recuperem as notícias sobre os mascarados, que chegaram a ser
tratados até como estetas. Já os que se manifestam contra a roubalheira na
Petrobras são jogados na vala dos golpistas. O mal que a petização das redações
fez à inteligência é bem mais grave do que parece e será mais duradouro. Mas
espero que os manifestantes não desanimem. Para tanto, não podem ficar ao
relento. Já chego lá.
No sábado, cerca de 5 mil pessoas - segundo estimativas da PM -
foram às ruas em São Paulo para protestar contra o assalto ao Estado
brasileiro. Os que organizaram a manifestação fizeram tudo certo:
distinguiram-se dos idiotas que pedem intervenção militar e os isolaram,
deixando claro que o impeachment de Dilma está condicionado, como não poderia
deixar de ser, à comprovação de que ela sabia de tudo. Ou por outra: os que
protestavam levavam à rua um discurso afinado com a democracia e com o estado
de direito.
Mas quê… Os manifestantes estão sendo tratados com ironia,
desprezo e sarcasmo. Chega a ser nojento. Nesta segunda, a Folha publica
números de uma pesquisa Datafolha indicando que, para 66%, a democracia é
sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. Dizem não se importar com
o regime 15%. Apenas 12% sustentaram que, sob certas circunstâncias, uma
ditadura pode ser melhor. E 7% afirmam não saber.
Maliciosos estão querendo ver uma dissonância entre esses números
e os que vão protestar. Ou por outra: os que vão às ruas contra Dilma estariam
na contramão dos 66% que defendem a democracia. Na melhor das hipóteses, é uma
bobagem. Na pior, uma canalhice. O que essa gente sustenta? Que a democracia é
boa desde que não seja posta em prática? Ora…
É preciso tomar cuidado com ligeirezas. Em artigo na Folha de
domingo, Mauro Paulino, diretor geral do Datafolha, e Alessandro Janoni,
diretor de pesquisas, produziram um parágrafo que não honra a especialidade de
ambos. Lá está escrito:
"Quanto às mobilizações populares da oposição, sua ocorrência localizada e regional - assim como o ruído em suas intenções - têm servido muito mais para fixar a ideia de provincianismo na empreitada do que propriamente para gerar fato político relevante para a população".
"Quanto às mobilizações populares da oposição, sua ocorrência localizada e regional - assim como o ruído em suas intenções - têm servido muito mais para fixar a ideia de provincianismo na empreitada do que propriamente para gerar fato político relevante para a população".
Epa! Aí não! Pergunto à dupla: isso é pesquisa ou é só
preconceito? Os pesquisados estão dizendo que os protestos são "provincianos", "localizados" e "regionais"? A propósito: como é que surge uma manifestação
universalista, generalizado e nacional? Assim, não, rapazes! Isso não e
pesquisa, é chute; não é nem análise nem opinião técnica, mas só uma visão
preconceituosa da mobilização.
Ah, sim: a pesquisa também aponta que, para a maioria, a miséria
do sistema de saúde é um problema mais grave do que a corrupção. E daí? Isso
quer dizer que as pessoas se importem pouco com a roubalheira? Não! Isso apenas
quer dizer que a saúde consegue ser ainda pior do que a… corrupção! Entenderam?
Para encerrar: o senador eleito por São Paulo, José Serra (PSDB),
compareceu ao protesto do sábado. Fez bem! Aliás, é o que deveriam fazer todos
os líderes tucanos. Nem que houvesse apenas 50 pessoas nas ruas. E tanto mais
devem fazê-lo num momento em que antigos defensores das "manifestações
populares" deram agora para achar os que protestam golpistas ou provincianos. A
menos que estes carreguem a universalista bandeira vermelha nas mãos. O
vermelho? Ok, serve de alusão aos milhões que morreram ao longo da história
para realizar a utopia desses bananas.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
Nenhum comentário:
Postar um comentário