Opção de transferência bancária para a Pessoa Física: Dimas Boaventura de Oliveira, Banco do Brasil, agência 4622-1, conta corrente 50.848-9

Clique na imagem

*

*
Clique na logo para ouvir

Orient CinePlace Boulevard 14 a 20

Orient CinePlace Boulevard 14 a 20
15 - 18 - 21 (Dublado)

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Uma neta recorda a avó

 Há sete anos, em 15 de outubro de 2013, o falecimento de D. Marizete Freire Dias, mãe do cineasta José Umberto, que morava em Feira de Santana.

O jornalista e professor de Cinema André Setaro escreveu no dia 20 de outubro daquele ano no seu "Setaro's Blog":


"Vôo Interrompido", filme de José Umberto, 1970. Marizete Freire Dias, atrás, toda de preto, Sonia Goulart e o grande Carlos Alberto Vaz de Athayde (Foto: Arquivo José Umberto)

"A mãe do cineasta José Umberto Dias, que faleceu na semana passada, Dona Marizete Freire Dias, trabalhou em um filme de seu filho, 'Voo Interrompido', realizado em 1969, e que é considerado por Álvaro Guimarães (o diretor de 'Caveira, My Friend') o primeiro filme marginal baiano. Ela faz a mãe de Sonia Goulart, a personagem principal, uma moça do interior que vai para a cidade grande em busca de melhores oportunidades de vida e acaba como empregada doméstica e, a seguir, torna-se prostituta num processo de decadência vertiginosa. O filme, no entanto, transcende esta sinopse por causa de sua estrutura audiovisual preenchida através de uma linguagem cinematográfica promotora de uma desordem na ordem cronológica para se assemelhar mais a um cinema-poesia em oposição ao cinema-prosa. Esta desordem narrativa é que promove o filme a conter, nele, uma produção de sentidos que transcende o mero relato. 'Voo Interrompido', por sua importância no panorama do cinema baiano, precisa urgente de uma revisão. Transcrevo aqui o que a neta de Dona Marizete, Maíra Vergne Dias, escreveu sobre a sua querida avó, que o tempo, sempre implacável, a levou. Com esta publicação, faço também a minha homenagem a Dona Marizete, que conheci quando das filmagens de 'Voo Interrompido', pois fui um dos assistentes de direção e também figurante nos seus fotogramas."

*

 "Maíra Vergne Dias (neta) escreve sobre a avó Marizete Freire Dias:

'marizete nasceu em um feriado nacional. não deve ter sido por acaso.

só conheci marizete após os seus 50 anos. na verdade, ela que me conheceu de imediato, porque eu a fui desvendando enquanto eu crescia. interessante saber que já havia tanta vida nela antes que pudéssemos compartilhar nossas experiências.  

com o passar do tempo, fui me acostumando a ser mal acostumada por ela, que sempre me fazia todas as vontades, como é costume dos avós fazerem. principalmente avó com neta única (até então) de filho único.

minha infância é carregada de memórias de vó marizete, com quem eu sempre passava as férias escolares. e era com esses encontros que nos aproximávamos, cada vez mais. era tanto apego que, quando eu ia embora, ela sempre chorava, aos soluços.

depois de deixar a infância pra trás, como é da vida, minha frequência de visitas diminuiu. obviamente, ela sentia muito mais minha falta, e sempre deixava isso claro, por ela mesma, por toda a vizinhança e pelos parentes, cujo primeiro comentário ao me ver era frequente: 'sua vó te adora, não para de falar em você'.

a vida foi um pouco injusta com minha vó, que adorava a ideia de ter uma família grande, mas que foi duas vezes viúva e teve apenas um filho. ela apreciava todas as tradições familiares, mas teve o azar de ter filho e netos que não ligam muito pra isso. adorava preparar muitos doces - e comê-los -, mas arrumou uma neta que não é muito fã deles, e que fazia careta quando ela oferecia a sobremesa.

mas ela complementava as faltas familiares com sua popularidade. sim, marizete era pop. conhecida de toda a vizinhança, a casa dela nunca passava um dia sem visita. independente, gostava de ter suas coisas, mandar nelas, fazer o que quisesse quando tivesse vontade. mas, no seu discurso manhoso de saudade de vó, sempre fazia um apelo dramático de solidão.

a energia de minha vó foi sendo diminuída com a velhice, como é natural. no hospital, onde esteve nesses últimos dias para se despedir da vida, era evidente a tristeza do seu olhar. e eu, que pude vê-la nesse cenário, apesar de momentos de forte esperança egoísta de tê-la sempre viva, sempre minha, fui sendo surrada pela razão que insistia em me convencer de que estava próximo o fim de uma vida de deliciosa convivência. o meu até breve, com carinho nos seus cabelos de cachos brancos, era, na verdade, um adeus. eu não sabia, mas ela sim. na longa viagem de volta para a vida que escolhi ter, a razão venceu minha esperança. e, desde então, anestesiada, espero esse momento passar, certa de que essa sensação de que um pedaço que agora me falta, na verdade nunca saiu de mim.

te amo para sempre, vó.

descanse em paz.

7/9/1926 +15/10/2013"

Nenhum comentário: