Por Reinaldo Azevedo
Polônio, personagem de Shakespeare, via método na loucura de
Hamlet, o príncipe destrambelhado. Já fui tentando a apontar certo rigor nas
maluquices que Dilma anda dizendo ultimamente. Mas desisti. O conjunto
simplesmente não faz sentido e reflete os descaminhos de quem, afinal de
contas, não sabe para onde vai nem o que virá. O discurso sobre o papel
fundador da mandioca na civilização brasileira entrará como emblema jocoso de
um momento em que o país raspa o chão. Há quatro dias, foi a vez de ela fazer
poesia com a tocha olímpica, que, segundo disse, "é muito bonita, é
verdadeiramente fantástica e vai ser sentida em vários municípios, desde a
distante Amazônia, passando pelo Centro-Oeste, até São Paulo, Rio de Janeiro…" Santa Bárbara!!!
Nesse discurso, afirmou que "dentre todos os processos tecnológicos que a humanidade criou, destacam-se a
cooperação e o fogo". O que quer dizer? Nem Prometeu, que roubou do Olimpo o
fogo para dar aos homens, seria capaz de explicar. Como diz uma amiga, Dilma
anda lendo antropologia antes de dormir. Na melhor das hipóteses. Confesso que
intuí ser em outro momento… Adiante. A presidente concedeu uma entrevista à
Folha, que está na edição desta terça. A coisa não está bem.
Dilma voltou a atacar a Lei
12.850, que ela própria sancionou em agosto de 2013, que trata da delação
premiada. Mais uma vez, associou as práticas hoje em curso com o período do
regime militar. Reproduzo a sua fala ao jornal: "Eu conheço interrogatórios. Sei
do que se trata. Eu acreditava no que estava fazendo e vi muita gente falar
coisa que não queria nem devia. Não gosto de delatores. Não gosto desse tipo de
prática. Não gosto. Acho que a pessoa, quando faz, faz fragilizadíssima. Eu vi
gente muito fragilizada [falar]. Eu não sei qual é a reação de uma pessoa que
fica presa, longe dos seus, e o que ela fala. E como ela fala. Todos nós temos
limites. Nenhum de nós é super-homem ou supermulher. Mas acho ruim a
instituição, entendeu? Transformar alguém em delator é fogo".
Vocês sabem que tenho, sim,
muitas restrições à Operação Lava Jato e que acho que não se está cumprindo
rigorosamente a lei em muitos aspectos, mas a associação que Dilma faz é
estupefaciente. Até porque a Polícia Federal é um órgão funcionalmente
subordinado ao Ministério da Justiça. Uma coisa é apontar eventuais atropelos à
ordem legal, e há; outra, distante, é tratar o que está em curso como atos de
exceção de uma ditadura. Se fossem, tratar-se-ia, então, de um ditadura sob a
égide do PT.
Num dado momento, afirma um
entrevistador da Folha: "Parece que está todo mundo querendo derrubar a
senhora". E Dilma responde:
"O que você quer que eu faça? Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso é moleza, isso é luta política. As pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou. Não tem base para eu cair. E venha tentar, venha tentar. Se tem uma coisa que eu não tenho medo é disso. Não conte que eu vou ficar nervosa, com medo. Não me aterrorizam."
"O que você quer que eu faça? Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso é moleza, isso é luta política. As pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou. Não tem base para eu cair. E venha tentar, venha tentar. Se tem uma coisa que eu não tenho medo é disso. Não conte que eu vou ficar nervosa, com medo. Não me aterrorizam."
É uma fala de vários modos
imprudente. Em primeiro lugar, ela não vai cair se não houver lei que a
derrube. E não se deve afirmar: "Venha tentar, venha tentar". Quem é o sujeito
oculto da frase? Que "você" é esse ao qual Dilma está se referindo? Ela está
desafiando a Justiça? Ela está desafiando o Congresso?
Não houvesse temor, não teria
convocado uma reunião de emergência com presidentes e líderes de partidos da
base, como fez nesta segunda, exortando a todos a defender o governo. Os
próprios convocados chamaram o encontro de "reunião anti-impeachment". Ali se
disse que o governo não cometeu ilegalidade nenhuma nas contas em 2014, embora
um dos convidados tenha confessado que, hoje, há a avaliação de que o TCU vai,
sim, recomendar a rejeição. A presidente tem até o dia 21 para prestar
esclarecimentos. Se o tribunal recusar as contas e se o parecer for endossado
pelo Congresso, abre-se o caminho para a denúncia por crime de responsabilidade.
Situação igualmente grave é a
vivida no TSE, que apura se a campanha de Dilma usou recursos ilegais. No
âmbito da delação premiada, homologada pelo STF, o empreiteiro Ricardo Pessoa
disse ter repassado R$ 7,5 milhões oriundos do propinoduto da Petrobras para a
campanha à reeleição da presidente. E aí? O TSE já cassou mandato por muito
menos. Dilma sabe muito bem que está na corda bamba, não é? Se o STF homologou
a delação de Pessoa, será que o TSE pode simplesmente ignorar o que diz?
Comprovada a doação ilegal, a presidente pode ter cassada a sua diplomação - isto é, perder o mandato. Então conviria que ela deixasse para a lei resolver a
questão.
Uma resposta de Dilma não deixa
de ter um tom intrigante. Os entrevistadores perguntam o que acontecerá se
resolverem mexer com a sua biografia. Ela responde:
"Ô, querida, e vão mexer como? Vão reescrever? Vão provar que algum dia peguei um tostão? Vão? Quero ver algum deles provar. Todo mundo neste país sabe que não. Quando eles corrompem, eles sabem quem é corrompido."
"Ô, querida, e vão mexer como? Vão reescrever? Vão provar que algum dia peguei um tostão? Vão? Quero ver algum deles provar. Todo mundo neste país sabe que não. Quando eles corrompem, eles sabem quem é corrompido."
Duas observações relevantes. A
lei não pune apenas quem rouba para si, para o enriquecimento pessoal. O roubo que
financia um partido é também criminoso. Logo, Dilma não precisa ter enchido os
bolsos de dinheiro. Basta que se demonstre que Pessoa fala a verdade, e ela
cai. De acordo com a lei. O segundo ponto: diz ela que, "quando eles corrompem,
eles sabem quem é corrompido".
A presidente tem alguma
sugestão?
Dilma perdeu mais uma chance de
ficar calada. Quando um presidente da República diz "não vou cair", é porque
sabe que cresceu enormemente a chance de… cair. E a sua biografia de
ex-militante de um grupo terrorista não tem nada com isso. Pode perder o
mandato por lambança fiscal ou por lambança eleitoral. Ainda não é o pior dos
mundos. Se Rodrigo Janot não fosse tão generoso, poderia ser por causa dos
descalabros na Petrobras.
Presidente, está sobrando
loucura e faltando método.
Fonte: "Blog Reinaldo
Azevedo"
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