Por
Reinaldo Azevedo
Aparelhos
de TV se tornaram coisas muito complexas. Deu um problema no que tem aqui em
casa. Como é mesmo? A peça que se conecta com o sistema Wi-Fi pifou,
provavelmente em razão de variação de corrente elétrica — esta já remete à
crise mais geral, de infraestrutura. Também é complexa, mas deriva do atraso
tecnológico, não do avanço.
Dois
técnicos da empresa saíram daqui agora há pouco. Negros, por volta dos 25 anos.
Conversaram sobre a manifestação. Um se mostrou entusiasta do protesto contra
Dilma e já prometeu que estará presente no dia 12 de abril. O outro não
estava nem aí. Nem para os que aderem nem para os que rejeitam. Também não fez
a defesa do governo. Essas coisas simplesmente não parecem lhe dizer respeito.
O outro o censurou por isso: “Você quer só reclamar, não quer lutar pra
melhorar”. O que foi provocado respondeu: “Quem disse que eu tou reclamando? Já
me ouvi reclamar? Eu tou é cuidando da minha vida. Se eu não garantir o meu,
ninguém garante!”. E assim segue a vida. Agora ao ponto que vai além da crônica
ligeira.
Para o
PT, “negro de verdade”, nenhum dos dois é. Um pertence, segundo os critérios da
fina sociologia desenvolvida nos botecos do Complexo Pucusp pela companheirada,
à “elite branca”, embora seja negro. O outro é um alienado. Um alienado negro.
O segundo tem salvação ideológica; o primeiro está condenado a ser um
trânsfuga, um “preto de alma branca”. Não foi esse o ataque que dirigiram ao
jornalista Heraldo Pereira, da Globo?
Os
esquerdistas, de maneira geral, acham que os negros ainda não se libertaram da
escravidão. Hoje, eles teriam de servir a outros senhores: os que pretendem
fazer do racismo, no Brasil, um botão quente a ser acionado, já que esse papo
de luta de classes anda meio pelo avesso. É o que chamo há muito tempo de “racismo
de segundo grau”. A elite supostamente pensante — só lê os livros, quando os
lê, que endossam seus preconceitos —, pouco importa a cor de sua pele, acha que
negros só têm uma “consciência verdadeira” quando adotam a pauta estabelecida
por seus mestres mal lidos. Assim, um negro só será livre se gritar “viva o
socialismo!”, “abaixo o racismo!”, “fica Dilma!”, “impeachment é golpe!”.
Logo, os
milhares de negros e mestiços que estavam nos protestos contra Dilma neste
domingo não merecem usar o que passa a ser um traço distintivo: “É negro!”. Ou
eles se subordinam a uma das centenas de ONGs que confundem política pública
com rancor ou serão execrados como traidores.
Alguém
poderia indagar: “Mas eles não fazem o mesmo com os brancos? Ser progressista é
aderir à pauta racialista; ser reacionário e opor-se às suas teses”. É fato,
mas existe uma diferença importante: a adesão dos brancos seria só um primado
político e moral; a dos negros, uma obrigação biológica.
A tese é
um lixo, mas prosperou. Há brancos e negros racialistas que têm a ambição de
ensinar a um negro como deve se comportar um “verdadeiro negro”. Há héteros e
gays do sindicalismo gay que fazem a mesma coisa com os homossexuais. Há homens
e mulheres de certo feminismo rombudo que fazem o mesmo com as mulheres. E isso
vale para qualquer das minorias sociológicas do catálogo politicamente correto.
No fim
das contas, para essa gente, a situação real das pessoas — ou de sua
“categoria” — é o que menos importa. A única coisa que interessa é que
carreguem bandeira e sirvam a um projeto de poder que satisfaça as
ambições e os rancores daqueles que se apresentam como donos da causa, sejam
héteros ou gays, homens ou mulheres, brancos ou negros.
Neste
domingo, na rua, vimos os brasileiros sem canga. A militância partidária, de
oposição a Dilma, foi convidada a não ser muito saliente. Tratou-se, em suma,
de uma manifestação entre iguais de pessoas diferentes. Assim é a República. Os
petistas tenta destruí-la. Mas não conseguirão.
Fonte:
“Blog Reinaldo Azevedo”
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