Por Reinaldo Azevedo
É claro que
pego carona em "Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do
mal", de Hannah Arendt, que registra a sua percepção sobre o carrasco
nazista durante o seu julgamento em Israel, depois de ter sido
sequestrado na Argentina, em 1960, para onde havia fugido, e conduzido a
julgamento. Não estou, é evidente, estabelecendo uma comparação na
escala do horror. Seria um absurdo. Meu ponto é outro.
O livro de Hannah Arendt gerou algumas
incompreensões - despropositadas, como todas. Alguns entenderam que ela
deitou um olhar condescendente sobre o monstro que estava no banco dos
réus. Bobagem! O que a espantava era o fato de que, à sua frente, não
estava o que parecia ser um gênio do mal, um ser bilioso ou
atrabiliário. Também não era um ideólogo, um prosélito, um convicto, um
belicoso. Tratava-se, em suma, de um homem comum, medíocre, de um
burocrata do mal. E só.
Aquele que seria o defeito do livro - os
relevos pobremente humanos de Eichmann - resumia, na verdade, o seu
real valor. As sociedades livres são permeáveis a essa degeneração. Os
que servem aos piores regimes não estão necessariamente comprometidos
com as suas teses. Por isso, meus caros - e aqui sou eu, não Hannah
Arendt -, é preciso cuidar da educação das elites políticas. E, nesse
caso, não emprego "elite" no sentido miseravelmente deturpado por Lula e
a escória de pensadores que o justificam.
Volto agora a Barusco. Acompanho o seu
depoimento na CPI. Um senhor com aparência respeitável. Ali está um
homem comum. É possível que tenha senso de decoro para as pequenas
coisas do cotidiano. Quem sabe goste de animais… Se flagrar uma
injustiça no seu caminho, talvez intervenha. Suponho que um conhecido
seu em dificuldades pode merecer a sua ajuda.
Mas com que fluidez, com que precisão
burocrática, com que sem-cerimônia que parece rotineira, quase
cartorial, ele vai desfiando as irregularidades, listando-as, mostrando
como funcionava o esquema criminoso. A sem-vergonhice já havia sido
metabolizada pelo sistema, como se nada de mau ocorresse por lá; como se
fosse natural que a Petrobras servisse a um esquema de poder e fizesse a
felicidade material daqueles que estavam associados à quadrilha.
Talvez os vizinhos de Barusco
alimentassem alguma dúvida sobre o seu progresso material - embora ele
guardasse no exterior a imensa fortuna amealhada com o roubo. Alguns
devem tê-lo convidado para o churrasco no fim de semana, ignorando que
ele era peça de um esquema que sangra os cofres públicos, de maneira
determinada, desde 2003. Ele próprio, confessou, entrou no ramo um pouco
antes: em 1997. Mas servindo, nesse caso, apenas a si mesmo.
Entenderam, leitores, por que precisamos
de instituições sólidas? É claro que os homens fazem as suas escolhas. É
claro que os indivíduos podem fazer a diferença. No mais das vezes,
delinquir ou não delinquir é matéria de escolha pessoal, sim. Ocorre que
é impossível um tribunal público investigar o fundo de cada
consciência. Por essa razão, precisamos ter modelos de gestão pública
que diminuam a margem de arbítrio de pessoas e grupos organizados.
É por isso que as instituições têm de
ser imparciais. É por isso que elas não podem ser assaltadas por grupos
organizados. É por isso que elas não podem ser aparelhadas. Para que os
justificadores do mal não contem com a colaboração interessada de
funcionários como Pedro Barusco. Ele é a banalidade da corrupção.
Dilma voltou a ser vaiada, desta feita
em São Paulo. Os que protestavam gritavam "Fora PT". Parece que os
brasileiros estão aprendendo alguma coisa. Parecem compreender que, tão
importante como responsabilizar o criminoso em si, é denunciar o esquema
que o suporta. Temos de buscar uma sociedade em que banal seja cumprir
as leis democraticamente pactuadas.
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