Por Ricardo Setti
Amigos, escreverei mais sobre o ressentimento de Lula
ao longo desta semana, como fiz ontem. Por hoje, convido-os a ler o editorial
do Estadão, em sua sempre rica, variada e inteligente seção de Opinião.
Mais velho, mais sofrido – e nem por isso mais sábio
-, o ex-presidente Lula levou para a Câmara Municipal de São Paulo, onde
receberia na segunda-feira o título de Cidadão Paulistano, as suas obsessões e
os seus fantasmas: as elites e o mensalão.
Ao elogiar no seu discurso a gestão da prefeita Marta
Suplicy, ele se pôs a desancar a "parte da elite" de cujo preconceito ela teria
sido vítima "porque ousou governar para os pobres". Marta fez os CEUs (centros
educacionais unificados), exemplificou, para acolher crianças de favelas, algo
inaceitável para aqueles que não querem que os outros sejam "pelo menos iguais"
a eles.
O ressentimento de que Lula é prisioneiro o impede de
aceitar que, numa megalópole como esta, há de tudo para todos os gostos e
desgostos - e não apenas no topo da pirâmide social. Os que nele se situam, uma
população que o tempo e as oportunidades de ascensão de há muito tornaram
heterogênea, não detêm o monopólio do preconceito de classe.
Durante anos, até eleitores mais pobres, portadores,
quem sabe, do proverbial complexo de vira-lata, refugaram a ideia de votar em
um candidato presidencial que, vindo de onde veio e com pouco estudo, teria as
mesmas limitações que viam em si para governar o Brasil.
Lula tampouco admite, ao menos em público, que
dificilmente teria chegado lá se o destino não o tivesse levado a viver na mais
aberta sociedade do País - que também abriga, repita-se, cabeças egoístas e
retrógradas, mas onde o talento, o trabalho e a perseverança são os mecanismos
por excelência de equalização social.
Em 1952, quando a sua mãe o trouxe com alguns de seus
irmãos para cá, estava em pleno andamento, aliás, a substituição das
tradicionais elites políticas paulistas por nomes que expressavam as mutações
por que vinha passando desde a 2.ª Guerra Mundial o perfil demográfico da
capital.
Pelo voto popular, chegaram ao poder descendentes de
imigrantes e outros tantos cujas famílias, vindas de baixo, prosperaram com a
industrialização, educaram os filhos e os integraram, à americana, na renovada
estrutura política. O curso natural das coisas, pode-se dizer, consumou a
metamorfose na pessoa do carismático torneiro mecânico pau-de-arara ungido
presidente da República.
No Planalto, é bom que não se esqueça, ele vergastava
as elites nos palanques e se acertava na política com o que elas têm de pior.
Lula se amancebou com expoentes do coronelato do atraso, do patrimonialismo e
da iniquidade - o mesmo estamento oligárquico que contribuiu para confinar à
miséria incontáveis milhões de nordestinos.
Elas não lhe faltaram no transe do mensalão - "um
momento", repetiu pela enésima vez o mais novo cidadão paulistano, "em que
tentaram dar um golpe neste país".
Na sua versão da história, as elites, a oposição e a
mídia só desistiram de destituí-lo de medo de "enfrentarem o povo nas ruas".
Falso.
Lula ainda não havia completado o trajeto da contrição
- "eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que
pedir desculpas" - à ameaça de apelar ao povo, quando a oposição preferiu não
pedir o seu impeachment para não traumatizar o País pela segunda vez em 13
anos.
Pelo menos um dos homens do presidente, ministro de
Estado, procurou os líderes oposicionistas para dissuadi-los da iniciativa.
O estopim foi o depoimento do marqueteiro de Lula,
Duda Mendonça, na CPI dos Correios, em agosto de 2005. Ele revelou ter recebido
em conta que precisou abrir no paraíso fiscal das Bahamas, a conselho de Marcos
Valério, o publicitário que viria a ser o pivô do mensalão, a soma de R$ 10
milhões pelos serviços prestados três anos antes à campanha presidencial do
petista e ao partido.
Afinal, parcela da bolada já estava no exterior e
outra sairia do caixa 2 da agremiação - os famosos "recursos não contabilizados"
que Lula admitiria existir na reunião ministerial que convocou para o dia
seguinte da oitiva de Duda.
Tecnicamente, o PT poderia ter o seu registro cassado,
e o presidente poderia ser afastado, se as elites quisessem levar a ferro e
fogo o combate político.
Se conspiração houve, em suma, foi para "deixar pra
lá".
Fonte: Coluna do Ricardo Setti, na "Veja.com"
Um comentário:
Muito bom artigo e é por essas e outras que Lula, junto com o PT, tentam apequenar a imprensa, a boa imprensa, a que chamam de PIG, porque falam a verdade que êle e seus comparsas tentam calar.
Lula Falastrão deveria é agradecer à oposição e aos que ele chama de elite, por ter terminado o seu segundo mandato, porque o mais correto seria a sua cassação.
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