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terça-feira, 15 de novembro de 2022

"O Anjo Negro": 50 anos de resistência


Filme baiano de José Umberto Dias resiste à precariedade das políticas de preservação audiovisual do País e ganha nova chance de alcançar o público atual através de sessões promovidas pela Abraccine.

Há quase cinco anos a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) desenvolve um projeto de difusão audiovisual organizando sessões seguidas de debates em todo o País. O foco dessa iniciativa são obras de circulação restrita, quer seja por suas propostas autorais ou mesmo por imposições do mercado distribuidor brasileiro. A ideia é facilitar o acesso e estimular a reflexão crítica em torno do cinema produzido no Brasil que, por inúmeras razões,  acaba se tornando distante, quase invisível para o público local.

Até o momento, a Sessão Abraccine se concentrou na filmografia nacional contemporânea, mas agora também se desdobra em um viés histórico, resgatando um filme baiano, realizado sob o impulso do cinema marginal, e lançado nos cinemas há exatos 50 anos. Trata-se de "O Anjo Negro" (1972), de José Umberto Dias. Com projeções organizadas em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, a obra chega a Pelotas, por meio de exibição e debate coordenados pelo Zero4 Cineclube, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O crítico (filiado à Abraccine) e professor da instituição Roberto Cotta conduz a apresentação e o bate-papo após a projeção nesta quinta-feira, 17.

Protagonizado pelo ator Mário Gusmão, ícone do Cinema Negro, a produção baiana também reverbera -  pelo gesto de revisão e (re)aproximação - a relevância da temática racial e da valorização da ancestralidade dos povos de matriz africana, tão urgentes nos dias de hoje. A trajetória de resistência - o filme foi proibido logo após o lançamento pela censura do regime militar e a única cópia em 35mm existente já não possui  condições de projeção - espelha ainda o risco gradativo e recorrente de apagamento e invisibilidade que, da mesma forma, acomete a população preta no Brasil.

Para se ter uma ideia, a versão disponível para exibição é resultado da iniciativa de preservação do próprio José Umberto Dias, que custeou com recursos pessoais a transferência do formato analógico para o beta digital (na época o mais avançado). "O filme é do público, não me pertence mais. Foi uma aventura de juventude, realizado de maneira independente, sem nenhum apoio institucional. A parte documental da obra foi filmada em 16mm para reduzir os custos, e só depois ampliada para 35mm", relembra José Umberto.

Memorialista, o cineasta esteve envolvido na formação de arquivos multimídias e em iniciativas de preservação e catalogação na Bahia, continua: "Achei que, com a possibilidade de migração para o digital, daria uma sobrevida a 'O Anjo Negro'. A despeito das limitações, a cópia atual está muito aquém das texturas e das cores originais, foi o que pude fazer. Espero que tenha valido a pena", ressalta o cineasta.

Texto de Adolfo Gomes", crítico de cinema filiado à Abraccine e idealizador do evento. 

(Sessão organizada pela Abraccine e pelo Zero4 Cineclube (Andrei Medalha, Crowley St. Carvalho, Francisco Franco, Leandro Alves, Lorenzo Lenz Romero, Luiz Fernando Rodolfo, Maria Clara Souza, Pedro Bournoukian, Roberta Locateli e Roberto Cotta)

PROGRAMAÇÃO

(17/11) – O Anjo Negro (José Umberto Dias, 1972) – Brasil, 80 min.
Em uma grande casa, em Salvador, vive uma família: Hércules (Raimundo Matos), Júlia (Eliana Tosta), dois sobrinhos do casal, o sogro de Hércules e duas empregadas. Hércules é um fazendeiro que está numa crise profissional e matrimonial. A figura mística de Calunga (Mário Gusmão) surge misteriosamente no casarão. Ele provoca profundas transformações na família. Calunga relaciona-se com as mulheres da casa e abala a estrutura patriarcal que estava estabelecida. A atriz feirense está no filme, como Carol.


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