Editorial
A discriminação racial no Brasil é
constitucional, segundo decidiram por unanimidade os ministros do Supremo
Tribunal (STF), num julgamento sobre a adoção de cotas para negros e pardos nas
universidades públicas. Com base numa notável mistura de argumentos verdadeiros
e falsos, eles aprovaram a reserva de vagas para estudantes selecionados com
base na cor da pele ou, mais precisamente, na cor ou origem étnica declarada
pelo interessado. Mesmo enfeitada com rótulos politicamente corretos e
apresentada como "correção de desigualdades sociais", essa decisão é obviamente
discriminatória e converte a raça em critério de ação governamental. Para os
juízes, a desigualdade mais importante é a racial, não a econômica, embora eles
mal distingam uma da outra.
O ministro Cezar Peluso mencionou as
diferenças de oportunidades oferecidas a diferentes grupos de estudantes. Com
isso, chamou a atenção para um dos maiores obstáculos à concretização dos
ideais de justiça. Todos os juízes, de alguma forma, tocaram nesse ponto ou
dele se aproximaram. Estabeleceram, portanto, uma premissa relevante para o
debate sobre a formação de uma sociedade justa e compatível com os valores da democracia
liberal, mas perderam-se ao formular as conclusões.
O ministro Joaquim Barbosa referiu-se à
política de cotas como forma de combater "a discriminação de fato", "absolutamente enraizada", segundo ele, na sociedade. Mas como se manifesta a
discriminação? Candidatos são reprovados no vestibular por causa da cor? E os
barrados em etapas escolares anteriores? Também foram vítimas de racismo?
A ministra Rosa Weber foi além. "A
disparidade racial", disse ela, "é flagrante na sociedade brasileira." "A pobreza
tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela", acrescentou. A intrigante
referência à cor amarela poderia valer uma discussão, mas o ponto essencial é
outro. Só essas cores identificam a pobreza no Brasil? Não há pobres de
coloração diferente? Ou a ministra tem dificuldades com a correspondência de
conjuntos ou ela considera desimportante a pobreza não-negra, não-mestiça e
não-amarela.
Mas seus problemas lógicos são mais
amplos. Depois de estabelecer uma correspondência entre cor e pobreza, ela
mesma desqualificou a diferença econômica como fator relevante. "Se os negros
não chegam à universidade, por óbvio não compartilham com igualdade das mesmas
chances dos brancos." E concluiu: "Não parece razoável reduzir a desigualdade
social brasileira ao critério econômico". A afirmação seria mais digna de
consideração se fosse acompanhada de algum argumento. Mas não é. O fator não
econômico e estritamente racial nunca foi esclarecido na exposição da ministra
nem nos votos de seus colegas.
Nenhum deles mostrou com suficiente
clareza como se manifesta a discriminação no acesso à universidade ou, mais
geralmente, no acesso à educação. O ministro Celso de Mello citou sua
experiência numa escola pública americana sujeita à segregação. Lembrou também
a separação racial nos ônibus escolares nos Estados Unidos. Seria um argumento
esclarecedor se esse tipo de segregação - especificamente racial - fosse no
Brasil tão normal e decisivo quanto o foi nos Estados Unidos.
Talvez haja bons argumentos a favor da
discriminação politicamente correta defendida pelos juízes do STF, mas nenhum
desses foi apresentado. Brancos pobres também têm dificuldade de acesso à
universidade, mas seu problema foi menosprezado.
Se um negro ou pardo com nota insuficiente
é considerado capaz de cursar com proveito uma escola superior, a mesma
hipótese deveria valer para qualquer outro estudante. Mas não vale. Talvez esse
branco pobre também deva pagar pelos "danos pretéritos perpetrados por nossos
antepassados". Justíssimo?
Como suas excelências poderão ser
envolvidas em outras questões de política educacional, talvez devam dar uma
espiada nos censos. Os funis mais importantes e socialmente mais danosos não
estão na universidade, mas nos níveis fundamental e médio. Países emergentes
bem-sucedidos na redução de desigualdades deram atenção prioritária a esse
problema. O resto é demagogia.
Fonte: "O Estado de S. Paulo"
3 comentários:
Dois alunos (um de pele branca e outro de pela preta) estudaram o ensino fundamental na mesma escola, na mesma sala, com os mesmos professores e conteúdos; depois estudaram o ensino médio na mesma escola, na mesma sala, com os mesmos professores e conteúdos.Os dois não tem a mesma formação? Por que cotas, então?
Já existem cotas nos concursos. Por que? Num concurso, para que alguém se inscreva, é necessário ter o nível de ensino previsto no edital; por exemplo: ensino médio ou ensino superior. As pessoas se inscrevem, tenham elas a cor da pele preta, branca, etc.Se preencheram aquilo que o edital previam, todas não estarão concorrendo em igualdade condições?
Alguém dirá que, no caso de ser solicitado ensino médio, poderão se inscrever pessoas com o nível superior, havendo desvantagem para os que só tem o ensino médio, sejam brancos ou negros. Na, nani, nanão.
Exemplifico com o meu caso: só tenho o ensino médio; em 1982, quando fiz o concurso para o Banco do Brasil, a classificação era por agências; na agência em que me inscrevi eram cinco vagas; eu me classifiquei em primeiro lugar; o segundo colocado era de família rica, formado em economia e terminando a faculdade de direito e, de repente, fez cursinho.
Para que contas em concursos?
Achei de uma cretinice absurda. SE fôssem cotas prá pobres, nada contra. Mas quem disse que só os megros são pobres e sem condições de estudar em bons colégios? Estão fazendo algo parecido como os nazis fizeram, só que às avessas. Coitados dos brancos e louros se nascerem pobres neste país!
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