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No Domingo de Páscoa

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terça-feira, 8 de maio de 2018

Tasso Franco no cinema em "Tenda dos Milagres"

Fiz uma ponta no filme interpretando um jornalista 'foca' chamado Peçanha, o qual falhou na cobertura da chegada do Nobel e descoberta de Pedro Archanjo

Por Tasso Franco
Com a morte de Nelson Pereira dos Santos, lembrei-me de sua passagem por Salvador, em 1975/76, para produzir o filme "Tenda dos Milagres" baseado na obra de Jorge Amado, cujo romance editado em 1969 tinha esse mesmo nome.
No romance, Jorge retrata a chegada a Bahia do prêmio Nobel James Levenson, que provoca o maior alvoroço na imprensa local. O professor americano vinha em busca de quatro livros que documentam a formação do povo baiano, de autoria de Pedro Archanjo (interpretado por Juarez Paraíso), ambientação  do começo do século XX, época em que se passaram as proezas do pobre, pardo, boêmio e mulherengo Archanjo.
Na juventude, diz João José (historiador) Archanjo conheceu Lídio Corró, um "riscador de milagres", que virou parceiro na luta contra o preconceito racial e religioso. A Tenda dos Milagres, no Pelourinho, lugar onde os amigos trabalhavam, era também palco de candomblé e capoeira de Angola. E os folhetos de literatura popular e os livros de Archanjo impressos na tipografia da Tenda transformaram-na em uma espécie de universidade livre da cultura popular.
Bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, Archanjo inspirou-se no convívio com os catedráticos da instituição e passou a estudar a história do povo baiano. Mas suas teorias, que valorizavam a miscigenação, despertam o ódio do professor Nilo Argolo, para quem os mestiços eram "degenerados".
Quando Nelson chegou a Salvador com sua equipe, em plena ditadura militar, eu era o editor chefe do 'Diário de Notícias', com sede na rua Carlos Gomes (hoje, Centro Cultural da Caixa), comandando uma turma de jovens jornalistas que tentavam retirar o 'DN', uma das massas falidas dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, do buraco. 
Eu ainda não tinha completado 30 anos de idade e já havia passado pelo 'Jornal da Bahia' e 'Tribuna da Bahia', mas, aceitei o convite dos irmãos Raw para mudar a cara do 'DN', com uma nova linguagem e impetuosidade no jornalismo. A oficina do 'DN', onde trabalhava Batatinha, parecia uma 'tenda do demo' com composição a quente, linotipos, chumbo, fumaça, um horror.
Para entrevistar o prêmio Nobel e também entrevistar Archanjo, a produção de Nelson (Tizuka Yamasaki) escolheu a turma do 'DN' e o cenário da redação do jornal, nessa época, em casarão estilo colonial, máquinas de datilografia velhas, mesas de ferro, janelões e a antiga sala de Odorico Tavares envidraça. Um belo cenário, natural.
Foi então que conhecemos Nelson Pereira dos Santos - ele adorou o local - e fui escolhido para ser 'Peçanha', o jornalista 'foca' que ficou com a missão de entrevistar o Nobel descobrir quem era o tal do Pedro Archanjo.
Cenas foram filmadas no Hotel da Bahia, na redação do 'DN' e na Galeria 13, com esse grupo de jornalistas e outros figurantes. Participaram: Raimundo Machado, Pedro Formigli, Paulo Tavares, Césio Oliveira, Carlos Navarro, Rino Marconi (depois, fotógrafo de cenas do filme) turma que já frequentava os bares do Centro Histórico - o Cacique, o Tabuleiro da Baiana, o Moreira, Tabaris, Cantina da Lua e as boites e bares da noite, em especial, o Sandoval do Pau da Bandeira com João da Matança, o falido Tabaris, o Maria da Vovó, Melancia, Cynara, entre outros.
No elenco estavam Hugo Carvana, Sonia Dias, Anecy Rocha, Juarez Paraíso, Jards Macalé, Nildo Parente, Jofre Soares, Nilda Spencer, e gente da Bahia como Mirinha do Portão, Luis da Muriçoca, Jeová de Carvalho, França Teixeira e outros. Uma das músicas do filme que nunca mais saíram das nossas cabeças foi 'Babá Alapalá', de Gilberto Gil.
Eu já tinha lido o livro e salvo engano, como era fã de Jorge Amado (ele havia escrito um artigo em 'A Tarde' quando editei meu primeiro livro sobre Serrinha, em 1971) tenho-o autografado.
A produção do "Tenda" foi um congraçamento, uma união, uma farra permanente no centro de Salvador, em especial, na Galeria 13 de Deraldo, onde também filmamos e bebíamos (fora da produção do filme) até tarde da noite.
Nessa época, todas as redações dos jornais, salvo a 'Tribuna da Bahia', eram no centro. E, até hoje não sei porque Nelson optou pela redação do 'DN' quando a de 'A Tarde' era mais organizada e tinha um prédio belíssimo. Ainda se praticava o jornalismo boêmico, já no seus estertores.
Fizemos uma amizade passageira com essas pessoas que durou alguns anos. Nós, todos, da imprensa, no entanto, éramos jornalistas e salvo Wilson Melo, Nilda Spencer e outros que já eram atores de teatro, seguimos no jornalismo e certamente essa foi a única experiência cinematográfica. Eu mesmo, 50 anos de jornalismo, nunca participei de um segundo filme.
São os acasos da vida, imprevisíveis, gratificantes e que ficam para sempre. Ainda hoje, Carlos Navarro, só me chama de 'Peçanha' e quando me encontro com Machado (depois foi meu repórter em 'A Tarde'/politica, anos 1989/90), já beirando os 80 anos de idade, lembramos do filme.
Também, em tempos idos, quando encontrava com França Teixeira, no Porto Moreira, lembrávamos do filme. França já faleceu, assim como o poeta e advogado Jeová de Carvalho, parceiro de inúmeras farras na Cantina e no Sandoval, com Rêmulo Pastore (já falecido), Rui Espinheira, Agnaldo Azevedo (Siri) - já falecido, assistente do filme - e outros. 
O Centro Histórico ainda não tinha passado por sua revitalização e a rua Laranjeiras, a parte do Maciel de Baixo, ainda era povoada de casas de sexo e familiares. Havia uma convivência pacífica e algumas casas de família tinham uma tabuleta na porta com essa indicação. Era o mundo amadiano na real, mas, em decadência. O marginal mais famoso dessa época era Sergipinho, freguês da Cantina.
Uma Salvador onde não havia assaltos nem se furtavam veículos como hoje e ficava-se no Pelourionho até a aurora amanhecer. Em Tenda, salvo engano, com Jofre Soares, vimos os sinos da capela amanhecendo algumas vezes.
O lançamento do "Tenda", em 1977, foi uma grande festa em Salvador, em especial, para os participantes do filme, um orgulho imenso. Hoje, passados 43 anos lá se foi Nelson, aos 89 anos de idade. Muitos dos que participaram do filme também já se foram e estou eu aqui ainda vivo, nas teclas, contando essa história.

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