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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

"A resistência política à ditadura 1964/85 através das artes em Feira de Santana", por Hosannah Leite

No livro "O Teatro em Feira de Santana", de Geraldo Lima, lançado em 25 de setembro de 2015, o artigo "A resistência política à ditadura 1964/85 através das artes em Feira de Santana", escrito por Hosannah Leite, falecido no domingo, 14.
Em meados do século XX, após a II Guerra Mundial, no Brasil ocorria uma forte ascensão dos movimentos populares no sentido de assegurar o avanço e consolidação da democracia em nosso país. Todos os segmentos da sociedade manifestavam-se de formas variadas dentro dos seus contextos de atuação, fossem eles políticos partidários, sindicais urbanos e rurais, estudantis, culturais e artísticos, liberais etc.
Aqui nos prenderemos às ações dentro dos movimentos artísticos e culturais como uma forma de resistência e ação por uma sociedade democrática livre das amarras e limites capitalistas que vieram a respaldar a ditadura militar implantada em 1º de abril de 1964, através do golpe cívico-militar apoiado por forças capitalistas internacionais.
Mesmo antes do golpe de 1964, os movimentos artísticos culturais já ensaiavam ações que a história registra e, dentre eles, ficaram conhecidos o Cinema Novo, a Bossa Nova e os Centros Populares de Cultura (CPC), além das manifestações culturais diversas como o teatro, música, pintura, escultura, literatura e poesias etc. Publicações diversas circulavam dentro da sociedade com variados matizes a depender do segmento que as originavam.
Em Feira de Santana estas manifestações ocorriam envolvendo principalmente os movimentos estudantis que antes de 1964 já se estruturavam através das suas entidades classistas e atuavam através dos CPC's, procedendo uma vinculação com os movimentos operários e camponeses. Se o movimento sindical local crescia a passos largos, ao lado destes também avançavam os movimentos socioculturais através de manifestações nas áreas de cinema, teatro, exposições, recitais, shows musicais, poesia, etc. E sempre buscando uma transversalidade com os movimentos dos trabalhadores, dentro da concepção marxista-leninista da aliança operário/camponesa/estudantil.
Com o golpe militar de 1964 e as perseguições que se abateram sobre os movimentos populares brasileiros, em Feira de Santana a repressão local se deu de forma intensa, não diferente dos demais sítios geopolíticos do país. As invasões de sindicatos, entidades estudantis e as prisões de líderes políticos, sindicais e estudantis se deram com os requintes de brutalidade próprios das ditaduras. Jornais eram "empastelados", sedes de sindicatos de trabalhadores e das entidades estudantis destruídas e seus bens destruídos e atirados pelas janelas em vias públicas. O prefeito do município Francisco Pinto foi afastado e preso e nomeado o interventor alinhado à ditadura Joselito Amorim, ações essas respaldadas pela elite política e socioeconômica local.
Os líderes políticos, sindicais e estudantis que não foram presos buscaram refugiar-se na expectativa da retomada da ação de resistência que veio a ocorrer de forma gradual. O prefeito local foi deposto ilegalmente, líderes de esquerda presos, entidades representativas da sociedade fechadas e a cidade ocupada por tropas do exército deslocadas de Alagoas para, que ao lado da Polícia Militar, procederem a ampla repressão capaz de coibir quaisquer resistências ao golpe cívico-militar de 1964.
A história das sociedades mostra que seus filhos não se calam ou fogem das lutas pela liberdade e pela democracia. Na proporção que avançava a luta de resistência à ditadura no Brasil, Feira de Santana também contribuía como uma trincheira de combate às discriminações, às injustiças e à busca da liberdade. Feira nunca faltou com sua voz e ação aos movimentos de resistência no Brasil.
Dentre estes segmentos resistentes, os movimentos culturais e artísticos se fizeram presentes desde os primeiros momentos. Fundaram-se entidades como Scafs e Meta para atuarem nos campos cultural e artístico e que serviam de ponto de convergência de uma juventude sedenta de justiça e liberdade.
Na área teatral muitas foram as peças encenadas pelos dois agrupamentos culturais que depois vieram a fundir-se criando uma só entidade com o nome Mata-Scafs, que montaram espetáculos como "Toda Donzela Tem um Pai Que É uma Fera", "Viúva, Porém Honesta", "Deus Lhe Pague", "Revolução dos Beatos", e de outros grupos, como Emproarte, Equipe, Teatro Experimental de Feira, Proarte. Trabalhos de outras cidades por aqui eram encenados. Jograis eram apresentados, especialmente com poesias e textos que retratavam as condições socioeconômicas e a realidade brasileira. Era uma forma de se organizar e reagir à ditadura militar. Nestas organizações muitos foram os estudos e debates em grupos, especialmente sobre o papel das artes nos movimentos de resistência e sua relação política com a sociedade. Havia uma consciência ideológica clara e definida.
Além dos aspectos culturais e seus vínculos com a sociedade, a atividade política ocorria com grande efervescência e desembocava em atividades populares importantes. Aqui se discutia a participação e reconstrução das entidades populares estudantis e sindicais, congressos e seminários eram organizados, exposições de livros, pinturas e esculturas eram efetivadas. Ocorreram passeatas lideradas por estudantes com a participação efetiva de segmentos culturais.
Além dessas atividades, a área do cinema também recebia a atenção necessária, como um instrumento não só de convergência cultural, mas como uma forma importante de levar conhecimentos e cultura ao povo. Aqui existia um Clube de Cinema que apoiava e desenvolvia mostras cinematográficas, com semanas de filmes que os circuitos comerciais não apresentavam. Filmes russos, poloneses, tchecos, franceses, italianos eram apresentados, por vezes no Cine Madri, que também fazia parceria com o Clube de Cinema.
A área cultural vivia uma permanente e constante ebulição e era um celeiro que permitia germinar lideranças que iriam atuar no campo estudantil, sindical e político de Feira de Santana. Jovens que atuavam na esfera cultural também desenvolviam atividades nos movimentos de esquerda, coadjuvando a reconstrução de agremiações políticas clandestinas e participavam com forte intensidade na política local, atuando no MDB e participando dos processos eleitorais. Já em 1966, um dos vereadores mais votados do município, Luciano Ribeiro, era atuante no movimento teatral e um dos fundadores da Scafs e que veio a se tornar deputado estadual e candidato a prefeito da cidade, com o apoio à época da esquerda e dos movimentos estudantis e culturais.
Foram muitas as pessoas que atuaram no meio artístico cultural de Feira de Santana que vieram a se inserir no meio político feirense e que ativamente resistiram à ditadura militar de 1º de abril de 1964. Nomes como Luciano Ribeiro e sua irmã Margarida Ribeiro, José Maria Monteiro, Gildarte Ramos da Penha e sua esposa Alvaceli, Geraldo Lima, Antonia Veloso, Luiz Antonio Santa Bárbara, Luiz Arthur Morais de Freitas, Hosannah Leite, José Wagner, José Carlos Teixeira, Deolindo Checcucci. Dezenas de outras pessoas atuaram no movimento cultural resistente daquela época e ainda hoje ocupam espaços importantes nas mais diversas esferas da sociedade feirense e baiana, como políticos, jornalistas, empresários, professores etc. Alguns já falecidos rendemos homenagens e reconhecemos a importância que desempenharam em nossa história.
Os anos 1960 foram efervescentes em Feira de Santana e o nosso povo, especialmente a sua juventude, se fez presente na construção da nossa história, muitas das vezes desconhecida do nosso povo, mas que fica registrada nos corações daqueles que viveram e construíram aquela época e que souberam resistir com altivez e garra à ditadura militar truculenta e, em suas trincheiras de lutas, ajudaram a construir a nossa história.
A nossa história não pode somente ser contada pelo ponto de vista das elites. Os segmentos populares sempre estiveram, ativamente, construindo caminhos libertários e democráticos em nossa terra, sempre inseridos nos anseios e lutas do povo brasileiro.
Honra e glória aos nossos antepassados que legaram ao presente as suas contribuições por novos dias de liberdade e democracia.

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